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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Desde a palestina, literatura de resistência e boicote cultural a israel

Mulheres em protesto pela Palestina [CAS - Coletivo de Artistas Socialistas]
Mulheres em protesto pela Palestina [CAS - Coletivo de Artistas Socialistas]

“Nas paredes da prisão, muitas mulheres deixam seus nomes como manchas de sangue. Seja com um delineador esquecido num bolso de mulher, ou um riscado de botão, ou com as unhas, elas arranham a dura face da verdade materializada pelas paredes da prisão sobre a qual a vida começa e termina. Ou, talvez, elas simplesmente tenham escrito seus nomes para assegurar que ainda existem e que seus nomes não serão deixados no esquecimento.”

Os versos da palestina Dima Yousef retratam o que ela vivenciou em duas semanas numa prisão do regime sanguinário do ditador Bashar al-Assad, antes de ser obrigada a buscar um novo refúgio, desta vez em Argel, capital da Argélia. A jovem nascida no campo de refugiados de Yarmouk, na Síria, após a família ter sido expulsa durante a Nakba (catástrofe que significou para os palestinos a criação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948, mediante limpeza étnica planejada), tem sua história contada pela ativista Budour Hassan em seu blog.

É parte da nova geração que tem como legado a longa tradição da adab al-mukawamah (literatura de resistência) – termo cunhado em 1966 pelo revolucionário marxista palestino Ghasan Kanafani, que se notabilizou pelos contos em que retratava a tragédia, sobretudo através de personagens que representavam o refúgio, mas também por seus escritos e análises políticas.

Sua contribuição literária é considerada seminal. “Homens ao Sol”, seu principal romance, publicado em 1963, é um trabalho que expressa de forma notável a forma crítica como enxergava a história vivida dos palestinos, bem como o caminho que considerava possível para transformar a realidade do exílio e da opressão. Para Kanafani, “o movimento de resistência e de luta armada pela libertação nacional haviam de conseguir a libertação econômica e política de todo o povo escravizado pelo capitalismo”.

Para além de seus contos, uma de suas análises políticas que merece ser destacada é expressa em “A revolta de 1936-1939 na Palestina”, publicada pela primeira vez em português pela Editora Sundermann. Nascido em 1936 na Palestina e expulso ainda criança de sua terra, foi assassinado pelo serviço secreto israelense em 1972 em Beirute, no Líbano. Sua trajetória não é única: a maioria dos escritores – e artistas – se envolve também nas ações políticas ainda hoje. Muitos são presos ou mortos por Israel para que suas vozes sejam silenciadas. Mas o que ocorre é o contrário. Seus poemas ecoam nos campos de refugiados e nos vilarejos e são transmitidos oralmente de geração para geração.

O personagem Handala, menino que representa a espera pelo retorno, é outro exemplo: encontra-se nas portas dos campos e nas paredes das casas palestinas. A criação do cartunista palestino Naji al-Ali se eterniza. Nascido em 1937, também expulso de sua terra e retratando em imagens a mesma consciência quanto aos inimigos da causa palestina (imperialismo/sionismo, regimes árabes e burguesia palestina), Naji al-Ali foi assassinado em 1987 em Londres, Inglaterra.

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Assim como Handala, os versos são poderosos. Os escritos por Fadwa Tuqan (1917-2003) desafiavam de tal forma o algoz ocupante que o ministro da Defesa israelense em 1967, Moshe Dayan, declarou: “Cada um dos seus poemas faz dez guerrilheiros”. Ela colocou sua poesia a serviço da causa a partir da Nakba – considerada não à toa, por muitos historiadores, a pedra basilar na história contemporânea da Palestina. Segundo a autora Najla Abdo, em Captive Revolution: Palestinian Women´s Anti-Colonial Struggle Within the Israeli Prison System [Revolução Cativa: a luta anticolonial da mulher palestina dentro do sistema prisional israelense], o período é marcado por uma “revolução poética”: “Há mudança de intenção e conteúdo.” Os temas românticos, por exemplo, vão dar lugar a uma busca por romper com o subjetivismo e refletir os acontecimentos. A literatura, assim, expressaria a realidade, descrevendo a situação dos refugiados e a catástrofe, denunciando os inimigos da causa palestina, sem contudo perder sua especificidade, sem abrir mão da imaginação.

À fragmentação da sociedade e início da questão dos refugiados – com a expulsão de 800 mil palestinos de suas terras e destruição de cerca de 500 aldeias em 1948 –, sob o risco de serem apagados do mapa, os palestinos desde então resistem sob todas as formas. As artes têm suas próprias leis, como ensinam os revolucionários como Trotsky, e sua independência – no caso palestino – se torna inseparável da causa a que dedicam palavra, imagem, verso. Sua consciência se eleva ante a tragédia, e o escritor naturalmente integra a resistência coletiva.

Quando a existência é ameaçada, a única possibilidade é essa. Sob o risco de aniquilamento, ante mitos que negam sua existência, a memória coletiva, a identidade nacional, a relação com um tempo e lugar do qual toda uma população foi arrancada violentamente, recheiam os romances e poesias. Mas também as lutas, as debilidades e, entre os marxistas, as classes em atuação na sociedade. As escritoras, sobretudo, como a palestina Sahar Khalifeh, trazem o tema da dupla opressão: nacional e machista. Foca a luta pela libertação das mulheres como inseparável da libertação da Palestina.

Não cantar para o apartheid

Se a literatura é parte da resistência heroica, o chamado à solidariedade internacional também não deixa de lado a reivindicação de que artistas de todo o mundo não permitam ser usados para encobrir a ocupação e o apartheid israelenses.

Assim é feito chamado a boicote cultural. A iniciativa é parte da principal campanha internacional de solidariedade ao povo palestino: BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) a Israel, até que se cumpram os direitos humanos fundamentais dos palestinos, entre os quais ao retorno a suas terras. O chamado vem sendo feito pela sociedade civil palestina desde 2005 e se fundamenta na ação que ajudou a pôr fim ao regime de apartheid na África do Sul nos anos 1990. “A definição legal para apartheid se aplica a qualquer situação no mundo em que se encontram três elementos centrais: dois grupos raciais podem ser identificados; atos desumanos são cometidos contra o grupo subordinado; e ações são cometidas sistematicamente no contexto de um regime institucionalizado de dominação de um grupo sobre outro.” O conceito foi apresentado pelo Tribunal Russell sobre a Palestina em sessão realizada em novembro de 2011 na África do Sul, que concluiu ser esse o regime imposto por Israel aos palestinos.

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Seria impossível imaginar hoje que um artista sério se dispusesse a cantar para o apartheid sul-africano, mas em relação ao sionismo ainda é preciso lutar contra ideologia poderosa, mais de 72 anos após a Nakba. O BDS é uma ferramenta importante para isolar o apartheid israelense e também nessa batalha pela conscientização quanto à colonização e ocupação. Entre seus adeptos o mais conhecido é o cantor Roger Waters, mas inúmeros outros cancelaram apresentações em Israel.

Conforme escreve o ativista Omar Barghouti em “BDS – Boycott, Divestment, Sanctions: the Global Struggle for Palestinian Rights”, o chamado palestino reivindica: cessar qualquer forma de cooperação acadêmica e cultural, colaboração ou projetos com instituições israelenses; suspender todas as formas de fundos e subsídios a essas e ‘desinvestir’ nelas; trabalhar para condenar as políticas de Israel e pressionar pela adoção de resoluções nesse sentido; e apoiar instituições acadêmicas e culturais palestinas sem contrapartida em relação ao Estado sionista.

Sem normalização

“Em uma tentativa de ‘limpar’ suas violações dos direitos humanos e internacional, Israel tenta se remarcar ou se apresentar como normal – mesmo ‘iluminado’ – por meio de um conjunto intrincado de relações e atividades que abrangem alta tecnologia, culturais, legal, LGBT e outras. Um princípio-chave que sublinha o termo normalização é que ele é inteiramente baseado em considerações políticas (…) e está, portanto, em perfeita harmonia com a rejeição do movimento BDS de todas as formas de racismo e discriminação. Combater a normalização é um meio de resistir à opressão, seus mecanismos e estruturas”, aponta o movimento BDS.

Este cita ainda como forma de normalização o fig-leaf (expressão inglesa que significa literalmente folha de figo, usada como metáfora à tentativa ou conveniência de se encobrir ato embaraçoso). “No contexto da aplicação das diretrizes do movimento BDS para o boicote internacional acadêmico e cultural a Israel, a campanha às vezes enfrenta cenários em que furadores do boicote tentam resgatar sua consciência e, com algum fundamento moral, usam palestinos (ou mais raramente outros árabes) como fig-leaf para encobrir sua cumplicidade nas violações israelenses aos direitos humanos, internacional e dos palestinos. Enquanto o pool de ‘folhas de figo’ disponível está diminuindo a cada ano, graças à recente disseminação da consciência BDS entre os palestinos e no mundo árabe, ainda há aqueles que estão prontos para aceitar que seus nomes sejam manipulados na política cínica da agenda dos violadores internacionais de boicote.”

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Artwashing [lavar de arte] tem fins políticos, como a campanha internacional de boicote cultural ensina. Integra a ação milionária sionista de relações públicas em prol da colonização, apartheid e ocupação. “Artistas que insistem em cruzar a linha de piquete do boicote, tocando em Israel em desafio aos nossos chamados, não podem compensar o dano que causaram à nossa luta por direitos humanos ‘balanceando’ seu ato de cumplicidade com algum projeto com palestinos”, escreve a organização. E acrescenta: “A sociedade civil palestina esmagadoramente rejeita os gestos de solidariedade fig-leaf de artistas internacionais que cruzam nossa linha de piquete pacífica, aprendida da luta contra o apartheid na África do Sul. Enquanto apreciamos gestos de solidariedade, não podemos aceitá-los quando eles vêm com um ato que claramente mina nosso movimento …. A mais significativa expressão de solidariedade é cancelar performances no apartheid israelense ….”

Publicado originalmente em blogdocas

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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