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O uso e abuso da detenção administrativa nas mãos de Israel

Palestinos protestam contra o mecanismo de detenção administrativa adotado por Israel, em frente ao escritório do Crescente Vermelho na Cidade de Gaza, em 20 de dezembro de 2021 [Mustafa Hassona/Agência Anadolu]

O povo palestino saudou a luta de Hisham Abu Hawash, pela coragem de quase morrer por sua liberdade. Em 4 de janeiro, o estado da ocupação israelense concordou em soltá-lo, após quase cinco meses de greve de fome. Imagens de seu semblante frágil, quase esquelético, viralizaram nas redes sociais, junto de um vídeo da visita de seus filhos. As mensagens então refletiram a indignação suscitada entre ativistas de direitos humanos e pessoas solidárias à causa palestina.

Aqueles que vivenciaram o jejum, seja por razões religiosas ou outras modalidades voluntárias, saberão reconhecer tamanho desafio. No fim de somente um dia, todos anseiam por um tremendo banquete. Agora imagine não se alimentar por quase cinco meses; imagine o que levaria alguém a fazer isso. Duvido que um único soldado ou policial, dentre seus captores, teria coragem de assumir tamanho sacrifício em nome de seus direitos e sua liberdade.

Hisham permanece mantido em detenção administrativa, a qual Israel usa e abusa para oprimir os palestinos, sem qualquer prestação de contas. A prática é adotada para deter os palestinos por períodos intermináveis sem sequer acusação, conforme pretextos de ameaça à segurança pública. Uma vez designada as supostas evidências como “confidenciais”, a detenção pode ser renovada reiteradamente — ordens geralmente acatadas pelos tribunais israelenses.

Hisham não é o primeiro e decerto não será o último palestino cujos direitos foram violados por Israel com tamanha impunidade. Os palestinos podem “agradecer” ao Reino Unido pelo mecanismo legislativo da detenção administrativa, introduzido por Israel em 1979, com base em regulações de emergência do Mandato Britânico, decretadas em 1945.

Em outubro, cinco palestinos entraram em greve de fome por sua libertação, o que levou especialistas das Nações Unidas a constatarem que apelos para que Israel respeitasse suas obrigações teriam sido em vão. “Sob a lei internacional, a detenção administrativa é permitida apenas em circunstâncias excepcionais e por um curto período de tempo. As práticas de Israel excedem todos os limites internacionalmente reconhecidos”.

Todos os prisioneiros conseguiram pressionar Israel a libertá-los dentro de alguns dias. A única exceção foi Hisham Abu Hawash, que chegou à margem da morte segundo o alerta de seus médicos emitido na última semana.

LEIA: O que está por trás do acordo para libertar o grevista de fome Hisham Abu Hawash?

A comunidade internacional costuma apressar-se para alegar que Israel tem o direito de defender-se da resistência palestina, mas frequentemente procrastina ou mesmo lava as mãos quando confrontada com as práticas ilegais da ocupação sionista, denunciadas até mesmo por peritos a serviço das Nações Unidas.

Israel prometeu libertar Hisham em 26 de fevereiro, mas há ainda outros 500 palestinos, incluindo seis menores de idade, sob detenção administrativa. Recentemente, os presos confirmaram um boicote ao judiciário israelense, devido à sua detenção prolongada. Resta aos próprios prisioneiros lutarem individualmente por sua liberdade. Neste ano, Israel certamente prenderá mais e mais palestinos sem acusação ou julgamento.

Embora algumas missões estrangeiras tenham manifestado sua “preocupação” com o caso de Hisham, nenhuma comprometeu-se com uma postura contundente para coagir Israel a extinguir a prática. O consulado britânico em Jerusalém compartilhou no Twitter: “Estamos profundamente apreensivos com a deterioração das condições de saúde do palestino Hisham Abu Hawash, em greve de fome há 141 dias, em protesto contra sua detenção administrativa nas cadeias de Israel, desde outubro de 2020”. De sua parte, a delegação da União Europeia corroborou a mensagem. Nenhuma embaixada em Tel Aviv comentou o caso.

Nesse contexto, fica a dúvida: por que tamanha abordagem de dois pesos e duas medidas? Enquanto expressam alertas e apreensões em Ramallah, representantes da comunidade internacional mantêm sua cumplicidade velada ou seu apoio cego a Tel Aviv. Quanto aos Estados Unidos, sua embaixada também permaneceu em silêncio e, a despeito das promessas do presidente Joe Biden para restaurar as relações com os palestinos, é difícil imaginar que um consulado em Jerusalém Oriental efetivamente faria diferença.

A reação dos palestinos à conquista de Hisham foi bastante festiva. No entanto, prevalecem questionamentos se o Presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, de fato comentou a situação de Hisham ao reunir-se com o Ministro da Defesa de Israel Benny Gantz, na residência do ex-comandante militar, perto de Tel Aviv. Entretanto, um vídeo que circulou nas redes sociais, mostrou familiares de Hisham agradecendo Abbas por supostos esforços na negociação. O que fica evidente, de qualquer maneira, é que Hisham conquistou sua liberdade por meio de seu sacrifício próprio e por uma mobilização de solidariedade global.

Em Israel, a reação de uma sociedade cada vez mais nacionalista e reacionária, que elege cada vez mais líderes extremistas, concentrou-se na indignação em soltar o prisioneiro. Todavia, trata-se de um ímpeto de fúria evidentemente extraviado, que deveria direcionar-se a seu próprio governo e a um sistema legal que permite prender cidadãos sem sequer acusação. Ninguém aceitaria essa prática caso fosse perpetrada contra familiares ou amigos. A resposta enraivecida dos colonos foi exemplificada pelo parlamentar de extrema-direita Itamar Ben Gvir, que tentou invadir o hospital onde Hisham estava internado, mas foi impedido por apoiadores e parentes do prisioneiro palestino. Outro colono extremista atacou um cinegrafista palestino em frente ao local, enquanto o profissional de imprensa cobria os acontecimentos.

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O legado do Reino Unido desde a Declaração Balfour e da Nakba palestina — isto é “catástrofe”, via limpeza étnica planejada —, que coincidiu com o fim do Mandato Britânico, continua a assombrar o povo palestino, por exemplo, por meio da prática de detenção administrativa adotada por Israel para materializar políticas opressivas contra a população nativa.

Diversos prisioneiros sob detenção administrativa recorreram à greve de fome como ultimato pacífico para angariar sua liberdade. Além de rotular todos os palestinos como “terroristas”, líderes israelenses costumam patentear novos termos para criminalizar formas de resistência legítima, incluindo “economia do terror” ou “diplomacia do terror”. Quem sabe, tragam a alcunha de “fome do terror” ou algo semelhante. A alternativa é vincular todo e qualquer protesto ao “antissemitismo”, por exemplo, ao alegar que os prisioneiros não passariam fome se fossem encarcerados por outros país, senão o “estado judeu”. Por mais insano que possa parecer, não seria surpresa alguma que tentativas do tipo fossem incitadas pelos políticos israelenses, para difamar os valentes prisioneiros que lutam por liberdade.

O caminho mais fácil seria extinguir a prática. Os prisioneiros deveriam ser libertados ou devidamente indiciados, conforme seus direitos. Nesse entremeio, poderiam ser reconhecidos os direitos palestinos por liberdade, igualdade e justiça em sua própria terra. Políticas de apartheid poderiam ser superadas, a fim de promover uma paz justa e abrangente. Não obstante, os palestinos resistem apesar da veemente negativa de seus direitos fundamentais, incluindo o direito de retorno, sob a opressão israelense e sob a mira dos fuzis.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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