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Biden deve acabar com o fingimento dos EUA sobre as armas nucleares ‘secretas’ de Israel

Presidente dos Estados Unidos Joe Biden em Washington, 23 de dezembro de 2021 [Ken Cedeno/Bloomberg via Getty Images]

Todos os governos recentes dos Estados Unidos executaram um ritual perverso ao chegar ao poder. Todos concordaram em comprometer suas próprias leis ao assinar compromissos tácitos para não reconhecer algo que todos sabemos: Israel possui um arsenal nuclear.

Em parte, a razão para tanto é distrair as pessoas da capacidade de Israel de transformar dezenas de cidades em poeira. O fracasso em encarar a ameaça imposta pelo hediondo arsenal israelense concedeu ao então premiê Benjamin Netanyahu um sentimento de poder e impunidade, segundo o qual seu regime poderia ditar termos a outros países.

Entretanto, outro efeito da negativa americana em assumir essa realidade repousa em detrimento das próprias leis dos Estados Unidos, que poderiam ser invocadas e determinam que o dinheiro dos contribuintes não seja canalizado a agentes que proliferam armas nucleares.

Israel, de fato, é um proliferador de armamentos atômicos em escala industrial. Há inúmeras evidências de que Tel Aviv ofereceu vender tais equipamentos ao regime de apartheid na África do Sul, em meados da década de 1970, e mesmo conduziu um teste nuclear em parceria com o governo opressor. Washington, por sua vez, tentou encobrir tais fatos. Além disso, o estado da ocupação jamais assinou qualquer tratado de não-proliferação nuclear.

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Ainda assim, os governos de Israel e Estados Unidos pressionaram pela invasão ao Iraque com base nas mentiras sobre eventuais cogumelos atômicos. Um delator israelense, Mordechai Vanunu, observou: “As armas nucleares não estão no Iraque; estão em Israel”.

Emendas de autoria dos senadores Stuart Symington e John Glenn, sobre o Ato de Assistência Estrangeira, proíbem apoio econômico e militar a nações que adquiram ou proliferem armamentos nucleares. Enquanto presidente, Jimmy Carter evocou tais provisões contra a Índia e o Paquistão. Mas ninguém o fez em relação a Israel; muito pelo contrário.

Desde a presidência de Richard Nixon, há um acordo tácito para aceitar a “ambiguidade nuclear” israelense — isto é, para efetivamente conferir à ocupação o poder que advém da posse de armamentos atômicos, sem qualquer contrapartida de responsabilidade. Desde o mandato de Bill Clinton, segundo a revista New Yorker, documentos secretos tornaram-se regra. Todos os presidentes e políticos influentes dos Estados Unidos então se recusaram a reconhecer que Israel possui um arsenal nuclear, mesmo embora a legislatura preveja uma exceção, caso o presidente demonstre ao Congresso que a assistência é vital aos interesses nacionais.

O produto interno bruto (PIB) per capita de Israel compara-se ao Reino Unido. Não obstante, os recursos do contribuinte americano à ocupação excedem qualquer outro país. Ajustada à inflação, a quantia conhecida, transferida ao longo dos anos, aproxima-se de US$300 bilhões. Tamanha farsa deve acabar. Washington deveria, portanto, respeitar as próprias leis e cortar o financiamento a Tel Aviv, com base em sua notória aquisição e proliferação de armas nucleares.

O governo Biden [empossado em 20 de janeiro de 2021] deveria reconhecer publicamente Israel como um estado patrocinador da proliferação atômica no Oriente Médio e então implementar adequadamente sua legislação. Outros governos — em particular, a África do Sul — devem insistir em sua defesa do estado de direito e de uma política substancial de desarmamento, ao pressionar a gestão americana a agir com responsabilidade.

O apartheid foi um crime hediondo na África do Sul e o mesmo vale quando praticado por Israel contra o povo palestino, por meio de postos de controle e políticas opressivas. De fato, outra legislatura americana — a chamada Lei Leahy — proíbe assistência militar a governos que violam sistematicamente os direitos humanos.

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Muito provavelmente, uma das razões para que a versão israelense do apartheid tenha superado a longevidade sul-africana é que Israel conseguiu preservar seu sistema opressivo não somente através das armas tradicionais, mas também ao manter mísseis nucleares apontados contra milhões de pessoas. A solução não repousa, contudo, na obtenção de tais armas pelos palestinos ou por outros agentes árabes. A solução é a paz, a justiça e o desarmamento. A África do Sul compreendeu que o único caminho para tanto passa pela verdade e culmina na reconciliação. Nada disso será conquistado se não enfrentarmos a verdade com honestidade — e há pouquíssimas verdades mais urgentes do que um arsenal nuclear nas mãos do apartheid.

Este artigo foi publicado originalmente pelo The Guardian em 31 de dezembro de 2020.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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