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Por que o Iraque está no topo da lista de ‘piores’ países do mundo?

Protesto contra o governo iraquiano em frente ao Parlamento do Reino Unido, em Londres, 14 de dezembro de 2019 [John Keeble/Getty Images]

A devastação causada pelo homem ao meio ambiente não é mais segredo; a natureza contra-ataca, após décadas de alertas proferidos por cientistas de que um futuro catastrófico demandaria soluções radicais e imediatas para ser evitado. Não há mais espaço para procrastinação, diante dos furacões, das enchentes, do aquecimento global, da desertificação de terras agrárias, dos incêndios florestais e da poluição do ar.

Nos últimos anos, os perigos das mudanças climáticas tornaram-se prioridade em muitos países — seja no primeiro ou no terceiro mundo. Perante a fúria da natureza, as fronteiras então colapsaram, sobretudo dos países menos desenvolvidos do planeta. É verdade que as repercussões desastrosas afetam a todos, mas o terceiro mundo, incluindo os estados árabes, carregam o maior fardo. Não porque a natureza os escolha em favor da Europa ou dos Estados Unidos, mas por razões domésticas e externas, naturais ou humanas, que interagem para agravar o impacto das crises que atingem suas respectivas populações.

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O Iraque, assim como a Palestina, é um exemplo claro da crise ambiental decorrente da guerra, da ocupação e de políticas neocoloniais, que prejudicam os fundamentos sociais e econômicos para a subsistência na região. Os efeitos aparecem em devastadoras mudanças climáticas, na poluição das indústrias extrativas, na escassez de água e outros recursos naturais e na contaminação do solo por munições modernas, como urânio e fósforo branco. Estima-se que a guerra no território iraquiano liberou mais de 141 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera entre 2003 e 2007. Trata-se de mais de 60% do índice total no planeta.

Apesar da disponibilidade desses dados e sua vasta documentação por organizações internacionais de direitos humanos e o fato de que a situação ambiental interna permanece intimamente vinculada ao mundo exterior, o Iraque permanece como a menor das prioridades de governos e fóruns públicos. É raramente citado salvo à margem de conferências internacionais ou em listas de “piores” países do mundo, conforme relatórios e estatísticas divulgados por agências das Nações Unidas e entidades preocupadas com o meio ambiente e os problemas socioeconômicos subsequentes. Somente então, o país aparece nas manchetes.

O Iraque é uma constante na lista de países mais corruptos do mundo e está no topo dos estados árabes neste quesito. O presidente Barham Salih é notoriamente incapaz de cobrir os rombos financeiros deixados pela corrupção ao longo dos anos. O Iraque perdeu centenas de bilhões de dólares, incluindo US$150 bilhões contrabandeados ao exterior via acordos lucrativos e escusos, assinados desde 2003. A estimativa parece ainda mais grave perante o câmbio entre dinar e dólar, quando o termo “trilhões” entra em ação.

Presidente do Iraque Barham Salih durante coletiva de imprensa em Bagdá, 2 de setembro de 2020. [Murtadha Al-Sudani/Agência Anadolu]

O Iraque também está entre os países mais perigosos do mundo, conforme o índice de risco de segurança, concorrendo com Líbia, Síria, Iêmen, Somália, Mali e Afeganistão. Essa classificação se baseia na documentação da guerra e dos relatos de terrorismo, conflitos internos, insurgências e tumultos com motivação política. Trata-se ainda do segundo país mais letal para os jornalistas, segundo análise da organização Repórteres Sem Fronteira para 2020. Bagdá — certa vez, uma linda cidade turística e berço da civilização — não foi poupada da lista de cidades mais sujas do planeta, devido a ruínas abandonadas que demandam reconstrução urgente, além da falta de serviços básicos de infraestrutura, incluindo esgoto, drenagem de água, transporte e geração de energia elétrica.

Em um relatório recente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o Iraque foi designado quinto lugar na lista de países mais afetados pelas mudanças climáticas. Dentre as repercussões, estão a falta de água segura para consumo e irrigação, o uso indiscriminado dos lençóis freáticos e a seca na bacia hidrográfica do Tigre e Eufrates, devido à construção de represas a montante por Irã e Turquia, em franca violação dos acordos internacionais. Este cenário levou ao abandono da produção agrária e ao êxodo da população rural, em direção a centros urbanos que não estão preparados para recebê-la. Na última semana, o Conselho de Refugiados da Noruega confirmou que quase metade da população iraquiana demanda assistência alimentar em áreas afetadas pela seca.

Apesar das evidências nítidas do aquecimento global e seus efeitos devastadores em todos os aspectos da vida no Iraque, o que se passa por um suposto governo permanece assolado pela corrupção e por disputas decorrentes da recente eleição. As autoridades, em termos de relações públicas e internacionais, buscam juntar-se aos apelos por proteção ambiental, sem jamais assumir iniciativas concretas. O Ministro do Meio Ambiente do Iraque, por exemplo, às vésperas da recente Cúpula Climática de Glasgow, comentou sobre o desastre deixado pelas mudanças climáticas nas questões de segurança alimentar e acesso à água. Entretanto, deixou de mencionar o fracasso de seu governo em implementar reformas e programas de desenvolvimento para reagir à crise que atinge o país.

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A fim de compreender a atual catástrofe ambiental no Iraque, é necessário considerar sua situação política, sobretudo a fragmentação do estado em blocos faccionários. A conjuntura de fato privou as instituições de qualquer poder verdadeiro ou autoridade central para reconstruir a infraestrutura nacional e então dar fim às disputas étnicas e sectárias que se refletem na distribuição de recursos. Também levou ao evidente fracasso do estado em pressionar seus vizinhos na região a respeitar os direitos soberanos de sua população. Enquanto isso, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) classificou o Iraque entre os 44 países que demandam assistência estrangeira imediata.

As causas locais e globais dessa tragédia são bastante conhecidas, com o fracasso evidente em implementar soluções efetivas — sobre as quais muito se escreveu — e em criar alternativas para tanto. Soma-se ainda a cumplicidade política e econômica dos governantes locais em relação aos países colonialistas; políticas de silêncio, rendição e subserviência, ao invés de oposição e resistência; e a ascensão exponencial do regionalismo e sectarismo, em detrimento de um conceito nacional e de um princípio de união para solucionar os conflitos socioambientais, em torno da terra, dos recursos naturais e da sobrevivência das pessoas.

Este artigo foi publicado originalmente em árabe pela rede Al-Quds Al-Arabi, em 20 de dezembro de 2021

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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