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Fuga de Gilboa tornou-se símbolo de nossa luta por liberdade, afirma artista de Gaza

Rana al-Ramlawi, artista palestina que tornou-se conhecida por suas esculturas de areia, em 29 de setembro de 2021 [rana_alramlawi/Instagram]
Rana al-Ramlawi, artista palestina que tornou-se conhecida por suas esculturas de areia, em 29 de setembro de 2021 [rana_alramlawi/Instagram]

Ao utilizar como meio um dos elementos mais abundantes e renováveis do planeta, a artista palestina Rana al-Ramlawi, traz à tona a luta de seu povo por direitos e o cerco israelense contra a Faixa de Gaza. Residente de Tel al-Hawa, área de Gaza devastada pelo último bombardeio israelense em maio, a artista de 26 anos cria esculturas efêmeras feitas de areia e água do mar, nas praias perto de sua casa.

“Comecei a esculpir com areia há pouco mais de seis anos”, contou-me Ramlawi. “Começou com projetos pequenos, com pouquíssimos detalhes, até que meu irmão foi baleado no pé por soldados de Israel. Isso me levou a minha primeira obra de larga escala”.

Seu irmão foi ferido gravemente pela ocupação durante a Grande Marcha do Retorno, em 2018. O protesto ao longo da cerca nominal entre Gaza e Israel reivindicava o direito legítimo de retorno dos palestinos expulsos de suas terras em 1948, durante a Nakba — isto é, ao território considerado Israel. Os palestinos exigiam também o fim do cerco militar à faixa costeira.

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“Após o incidente, que me afetou bastante, decidi resistir por meio da arte”, explicou Ramlawi.

Ao longo dos anos, a artista passou a criar castelos de areia bastante elaborados, além de retratos de ativistas palestinos e vítimas da guerra e mesmo uma enorme escultura do Nobre Santuário de Al-Aqsa. Cada peça leva cerca de cinco horas de trabalho; algumas, tomam dias — a maioria expressa um significado político absolutamente único.

Sua última obra retrata os seis prisioneiros palestinos que escaparam do presídio de segurança máxima de Gilboa, no norte do território mantido por Israel, em 6 de setembro.

“Minha mensagem busca tratar principalmente de questões de direitos humanos em voga na nossa sociedade”, observou Ramlawi. “Logo, minha última escultura tinha de ser sobre os fugitivos de Gilboa. O sucesso de sua fuga significou muito para nós e nossa luta por liberdade, então foi quase automático criar algo especial para este momento”.

Ramlawi descreveu a fuga dos prisioneiros palestinos como “emocionante”, em contraponto às notícias frequentes dos abusos vivenciados diariamente por seus conterrâneos nas mãos da ocupação colonial israelense. A fuga representou uma humilhação ao aparato de segurança e inteligência de Israel, que investiu então em uma verdadeira operação de caça no norte de seu território e na Cisjordânia ocupada.

“Apesar de terem sido recapturados, a fuga vitoriosa dos prisioneiros por um túnel que cavaram com suas próprias mãos ainda é celebrada; quis então materializar sua vitória e sua esperança na minha arte, uma mensagem universal gravada nas areias palestinas”, afirmou Ramlawi.

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Segundo Ramlawi, ver a felicidade no rosto das pessoas quando olham para sua arte é o melhor estímulo que poderia encontrar. Esculpir na areia não somente ajuda seu desenvolvimento como artista em meio à guerra e à destruição de seu bairro — e de suas condições de vida, em particular —, como também permite à sua comunidade que permaneça unida em resiliência.

“Após vivenciar em primeira mão tantas atrocidades causadas pelas bombas de Israel, com incontáveis efeitos negativos, é um alívio entornar tamanha angústia em uma escultura de areia, mesmo embora minha arte não dure”, declarou Ramlawi. “Isso faz com que minha dor também pareça temporária; ela também não vai durar”.

A praia é visitada por pessoas em suas horas de lazer ou feriados, então é um lugar perfeito para seu trabalho e para conscientizar sua comunidade sobre a causa palestina. A arte, acredita Ramlawi, ajuda os jovens de Gaza a escapar da dura realidade de suas vidas.

Dominar diversas técnicas e estilos para esculpir com areia — como modelagem, pintura e pincelagem — leva tempo. Contudo, como professora do ensino fundamental em uma escola para refugiados, Ramlawi decidiu aproveitar a sala de aula para aprimorar seu potencial criativo junto das crianças palestinas.

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Sua primeira escultura de areia emergiu quase por acaso há seis anos. “Sem nenhuma forma específica em mente, eu brincava com a areia molhada pela chuva e esculpia curvas que viraram círculos; então os círculos viraram partes de um corpo, sem eu sequer perceber, e viraram enfim uma imagem completa”.

Ramlawi utiliza ferramentas simples, como um bastão fino de madeira, para modelar a areia úmida, pá, espátula e balde. A fim de documentar seu trabalho, ela fotografa e compartilha nas redes sociais cada obra, antes que ocorra a inexorável desintegração.

“Essas obras de areia tem tanto de meus sentimentos nelas, porque são sobre um causa importante para mim e para meu povo”, concluiu Ramlawi. “Assim, podemos carregar a mensagem da causa palestina a toda parte e além”.

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