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Marcas da morte: a Puma e o patrocínio de times israelenses fundados sobre a dor e o sangue de crianças palestinas

Manifestantes protestam em frente à loja principal da PUMA Manhattan durante um dia internacional de campanha de boicote contra a gigante alemã de roupas esportivas por seu patrocínio à Associação Israelense de Futebol, que inclui times em assentamentos ilegais na Cisjordânia. Em 26 de outubro de 2019[ Joe Catron/ Flickr]

Raios dourados de um sol de primavera aquecem a cidade em que vivo, o Rio de Janeiro, anunciando que, depois de quase dois anos de uma pandemia que ceifou a vida de quase seiscentos mil brasileiros, de experimentos macabros realizados por médicos inescrupulosos, de atos imorais incentivados pelo homem que ocupa o mais alto cargo executivo de meu país, talvez possamos renovar algumas esperanças e sonhos no verão e no novo ano que se aproxima.

Mesmo com tantas perdas, tantas feridas, celebramos a volta da primavera como um triunfo da vida sobre a morte, mas para um milhão de pessoas em Gaza, e para milhares de palestinos expulsos de suas terras e casas na Cisjordânia por Israel nas últimas décadas, o fim de setembro anuncia a reaproximação de um longo inverno, um frio gélido que torna tudo ainda mais difícil, com a falta de produtos essenciais, com moradias precárias na região de Ramallah ou em Gaza depois de mais de 12 anos de um bloqueio israelense considerado imoral por mais de 100 países do mundo, um bloqueio que impede que cheguem a Gaza produtos alimentícios, hospitalares, anestesias, remédios e materiais de construção para casas e prédios destruídos.

Para quem perdeu sua casa ancestral, suas oliveiras e sua única possibilidade de futuro digno e foi expulso de suas terras para que Israel concretizasse seus assentamentos ilegais, a vida pode se tornar imensamente cruel.

E é exatamente por isso que tanto a União Europeia quanto a ONU condenam fortemente esses assentamentos ilegais.

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Na minha segunda estadia na Palestina, descobri que a desumanidade desse projeto colonial israelense é muito maior do que se imagina. Os assentamentos ilegais de Israel estão espalhados por todo o território palestino, são protegidos por militares israelenses extremamente violentos e fortemente armados, e, claro, o acesso dos palestinos às terras e lugares em que nasceram e cresceram é proibido.

Os assentamentos cortam e sangram cidades palestinas inteiras e causam a separação de milhares de famílias: mães que não veem mais os seus filhos casados e que não puderam sequer conhecer seus netos, irmãos que não se veem há anos, filhas que choram por não conseguirem ver seu pai.

A separação causada pelos assentamentos ilegais de Israel de cidades palestinas também impossibilita o desenvolvimento da infraestrutura conjunta no território da Cisjordânia, pois o território hoje foi todo recortado e rasgado de maneira inacreditável. Algumas imagens recentes de satélite provam como os assentamentos cresceram de forma ilegal.

O assentamento de Givat Zeev, por exemplo, tinha, em 2004, cerca de 10 mil habitantes israelenses, mas hoje já são 17 mil. Além das casas, houve a construção, também criminosa e ilegal, de centros comerciais e sinagogas no lugar onde durante séculos houve famílias palestinas cristãs e muçulmanas, mesquitas, igrejas cristãs, diálogo e paz.

O maior entre os assentamentos ilegais construídos por Israel é Modi’in Illit, onde vivem cerca de 70 mil pessoas.

Nos últimos 15 anos, o número de israelenses e extremistas judeus nesse assentamento triplicou. Isso significa que, mesmo que as construções de novos assentamentos fossem suspensas hoje, o número de israelenses morando nesses lugares continuaria a crescer, pois as mulheres judias dos assentamentos ilegais têm mais de sete filhos cada uma.

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 Só para se ter uma ideia, a taxa média de natalidade do Brasil é de 1,74 filho por mulher, segundo dados de 2017. Muitas famílias judias ultraortodoxas se mudam para os assentamentos ilegais porque essas casas são subsidiadas pelo governo israelense justamente para povoar ilegalmente o território palestino com famílias lideradas por extremistas judeus comprovadamente violentos.

Milhares deles transformaram essas comunidades em centros de imenso fanatismo religioso e acreditam que Deus lhes deu o dever de povoar a Palestina com o “ povo escolhido” e de fazer a limpeza étnica contra mulheres e crianças palestinas, cujas famílias vivem ali há milhares de anos.

É nesse cenário de crimes comprovados pela ONU, crimes contra a humanidade, assassinatos de crianças e mulheres palestinas, que a gigantesca empresa de artigos esportivos, a Puma, decidiu patrocinar um time de futebol, ignorando que milhares de vidas palestinas foram destruídas para que os governos israelenses concretizassem seu projeto de limpeza étnica.

A Puma se tornou a patrocinadora da Associação Israelense de Futebol, uma organização que inclui vários times de futebol fundados nos assentamentos ilegais israelenses construídos em território palestino, assentamentos manchados pelo sangue de milhares de crianças e mulheres palestinas assassinadas por Israel desde 1948.

Clubes esportivos palestinos pediram ao Puma para encerrar o acordo de patrocínio e parar de apoiar a apropriação ilegal de terras por Israel [ Divulgação BDS]

Os atos da empresa têm sido considerados uma legitimação e um apoio oficial ao Apartheid de Israel contra os palestinos e à limpeza étnica efetuada contra os palestinos.

Mais de 300 times de futebol de pequeno e médio porte no Oriente Médio já pediram para que a Puma reflita sobre esse patrocínio, já que a empresa costuma definir a si mesma como uma companhia com valores éticos e humanitários, exatamente como a Adidas, que, em 2018, chegou a patrocinar times dos assentamentos ilegais e retirou seu patrocínio, após o boicote liderado pelo movimento internacional BDS contra a gigante alemã.

O movimento de boicote à Puma tem colecionado uma série de vitórias.

No último dia 18 de setembro, em mais de 50 cidades do mundo, em seis continentes, houve manifestações de milhares de pessoas que apoiam a independência palestina e o fim do Apartheid israelense, e a hashtag Boycottpuma alcançou cerca de 9 milhões de compartilhamentos.

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A ONU também divulgou o nome de mais de 110 empresas que são cúmplices dos assentamentos ilegais de Israel, o que tem sido um passo fundamental para responsabilizar as grandes corporações internacionais por patrocinarem os crimes de Israel.

Recentemente, tanto o Luton Town Football Club, que joga na segunda maior divisão da Grã-Bretanha, quanto o Chester Football Club, cancelaram seus contratos com a Puma e outros times de futebol na Europa continuam a tomar decisões semelhantes.

São as vitórias concretas do BDS, um movimento pacífico, que se inspira na campanha não-violenta que ajudou a derrubar o regime de Apartheid da África do Sul.

Um movimento de boicote e sanções não-violentas, que tem como princípio básico a ideia de que palestinos merecem viver com dignidade, sem sofrerem as humilhações e ameaças cotidianas, restrições ao direito de ir e vir e sem verem seus filhos serem mortos todos os dias por Israel sem terem nenhuma chance de defesa, e sem terem cometido crime algum.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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