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Mulheres sofrem risco de extorsão devido a spyware de Israel

Website da empresa israelense NSO Group, desenvolvedora do spyware Pegasus, em 21 de julho de 2021 [Joel Saget/AFP via Getty Images]
Website da empresa israelense NSO Group, desenvolvedora do spyware Pegasus, em 21 de julho de 2021 [Joel Saget/AFP via Getty Images]

Dezenas de mulheres em todo o Oriente Médio e Norte da África, potenciais vítimas de vigilância de diversos regimes da região através do spyware israelense Pegasus, estão agora sob alto risco de assédio ou extorsão, alertaram especialistas em tecnologia.

As informações são da agência Reuters.

Desenvolvido pela empresa NSO Group, com sede em Tel Aviv, o Pegasus transforma celulares de uso particular em aparelhos de vigilância, ao acionar remotamente câmeras e microfones e colher mensagens, fotos e emails sem conhecimento do usuário.

O emprego do software em países com pouca salvaguarda à privacidade, restrições à liberdade de expressão e tendências ultraconservadoras pode impor risco excepcional às mulheres, alertaram também ativistas feministas e de direitos humanos.

“Uma mulher sob vigilância é diferente de um homem, pois toda informação pode ser distorcida para chantageá-la ou difamá-la”, destacou Anushka Jain, da Fundação por Liberdade na Internet de Nova Delhi, que concede apoio jurídico a dois ativistas — incluindo uma mulher.

“As mulheres já enfrentam grave assédio online”, prosseguiu Jain. “Caso suspeitem de vigilância, podem adotar gradativa autocensura e ter medo sequer de denunciar”.

Uma lista de 50 mil números de telefone provavelmente comprometidos entre 2017 e 2019 vazou recentemente, incluindo jornalistas, ativistas e até mesmo donas de casa.

“Trata-se de uma invasão massiva à sua privacidade”, enfatizou Jain.

LEIA: Pegasus e a indústria da espionagem israelense no Brasil

Em comunicado por email, um porta-voz da NSO alegou que a empresa aplica “rigorosa checagem de adequação legal e de direitos humanos pré-venda, a fim de minimizar o potencial de mau uso”, além de cortar acesso a clientes cujos abusos foram identificados.

Algumas mulheres suspeitam que tornaram-se alvos não por causa de suas atividades, mas sim por sua relação com outros alvos eventuais.

Alia Ibrahim, cofundadora da Daraj, rede de mídia que expôs o caso Pegasus em parceria com a Anistia Internacional, estimou que um terço dos alvos na região são mulheres, incluindo jornalistas e ativistas, mas também parentes de homens influentes ou outros.

“Esta é a justificativa — são mães, esposas e filhas”, asseverou Ibrahim.

Dentre as vítimas de alto perfil, estão as princesas Latifa bin Rashid al-Maktoum e Haya bint al-Hussein — respectivamente, filha e ex-esposa de Mohammed bin Rashid al-Maktoum, premiê e vice-presidente dos Emirados Árabes Unidos.

A possibilidade de vigilância sobre seus telefones — assim como aparelhos de duas amigas de Latifa — está vinculada à tentativa frustrada de fuga da jovem princesa, em 2018.

Hatice Cengiz, noiva do jornalista Jamal Khashoggi, morto no consulado saudita em Istambul, e sua esposa Hanan al-Atar, também foram identificadas como alvos em potencial.

Entre quase dez mil telefones ligados ao Marrocos, está ainda Salma Bennani, princesa consorte e esposa do Rei Mohammed VI, e Claude Mangin, cidadã francesa e esposa do ativista saaraui Naama Asfari, encarcerado por Rabat desde 2010.

Os ataques criaram mal-estar generalizado entre as mulheres da região, sobretudo aquelas que jamais cogitaram serem alvos de vigilância, relatou Ibrahim. “Você se torna paranóica, com medo de ser sempre observada por gente conhecida”, acrescentou.

Mesmo caso pesquisadores possam confirmar que o aparelho foi comprometido, não é possível identificar quais conteúdos foram coletados, em meio a receios de que conversas ou fotografias privadas sejam expostas em detrimento das mulheres.

Celulares contêm informações “profundamente íntimas”, argumentou Vrinda Bhandari, advogada que trabalha com direitos digitais e questões de privacidade na Índia.

“Quando seu telefone é hackeado, as mulheres sofrem não apenas um atentado contra sua privacidade, mas também uma violação contra sua integridade física — algo análogo à violência física”, reafirmou Bhandari.

Tamanha pressão é familiar à jornalista marroquina Hajar Raissouni, condenada a um ano de prisão em 2019, acusada de sexo antes do casamento e de realizar um aborto, ilegal no Marrocos exceto em casos no qual a mãe sofre risco de vida.

Raissouni confirmou à Reuters que seu celular e de seu marido foram identificados no caso Pegasus. “Seu aparelho de telefone como um todo fica à mercê do programa — portanto, toda a sua vida fica exposta a essas pessoas”, denunciou.

A invasão aumentou seu grau de paranoia, reportou Raissouni, ao ponto de frequentemente deletar imagens de si mesma em aparelhos de uso pessoal, adotar códigos para se comunicar com parentes e deixar seu celular em outra sala durante conversas privadas.

“Conversas com parentes e amigos, fotos de nossos corpos — caso vazadas, dado o quão rápido se propagam online — podem ser usadas contra nós”, concluiu a jornalista.

LEIA: Pegasus, escândalo de espionagem com muito crime internacional

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