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Um pão para viver, não apenas um pão

Um egípcio vende pão no Cairo, em 8 de dezembro de 2017 [Mohamed El-Shahed/AFP/Getty Images]

Os egípcios são únicos, pois chamam o pão de “pão para a vida”, pois ele vai além de uma mercadoria para comer e é o pilar da vida e da existência. Há um ditado egípcio que diz: “quem visa a subsistência dos pobres não vai ganhar”, e isso é um fato comprovado pela história, a partir da Revolução Francesa, que foi desencadeada por um pão, seguida do levante egípcio contra Anwar Sadat em 1977, quando ele estava no auge de sua glória e após sua vitória na guerra de outubro de 1973, quando o governo egípcio anunciou na época que estava aumentando o preço do pão, que era vendido por dez milhões (cerca de um cent). O governo também decidiu aumentar os preços de muitas outras commodities estratégicas, com base na recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI), para tratar o déficit orçamentário e concordar em conceder ao Egito um empréstimo financeiro para ajudá-lo a enfrentar esse déficit.

Assim que o governo anunciou suas novas decisões no Parlamento, e assim que a notícia chegou a todos os egípcios por meio de estações de rádio, manifestações populares generalizadas irromperam em 18 e 19 de janeiro de 1977 em muitas províncias egípcias e a polícia não conseguiu enfrentá-las. O governo foi, então, forçado a recuar diante desses aumentos de preços, que foram muito pequenos, especialmente se comparados aos grandes aumentos de hoje, que exauriram os cidadãos, não apenas os pobres, mas a classe média, que está diminuindo no Egito e que se juntou aos pobres. É sabido que em qualquer sociedade, a classe média é o pilar do país que mantém o equilíbrio, mas no Egito, existem agora apenas duas classes, os ricos e os altos e poderosos, que representam um por cento e os pobres que representam a maioria do povo egípcio.

Al-Sisi surpreendeu os egípcios com sua intenção de aumentar o preço do pão subsidiado, do qual 67 milhões de cidadãos se beneficiam. Ele representa o principal componente da comida de milhões de egípcios.

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Não há nada mais perigoso do que a questão do pão para os egípcios, que não só gerou protestos durante os dias de Sadat, mas também em 2008 durante o governo de Hosni Mubarak, o que levou os dois a seguirem um curso contrário ao planejado reduzir subsídios depois disso.

De acordo com os dados do orçamento do governo no ano fiscal atual, o valor do subsídio ao pão foi de US$ 2,5 bilhões e o número de beneficiários dos subsídios ao pão é de 71 milhões de pessoas. Os subsídios ao pão representam 16 por cento do apoio total no orçamento geral de US$ 20 bilhões. Sua participação relativa é de 2,8 por cento dos gastos totais no orçamento, o que equivale a US$ 114 bilhões.

Podemos ver também que a taxa de subsídio é muito baixa, e a cada ano ela é reduzida em preparação para a abolição final do subsídio na implementação das condições do empréstimo do FMI, como parte do seu acordo de empréstimo ao Egito em 2016. Todos os subsídios foram reduzidos, incluindo combustível, eletricidade e muitas outras commodities estratégicas.

Com o aumento da pobreza, esse subsídio alimentar representa um apoio básico para a maioria das famílias egípcias, pois há cerca de 30,3 milhões de egípcios vivendo abaixo da linha da pobreza. Dada a propagação da pandemia do coronavírus, as taxas de pobreza aumentaram e, portanto, teria sido melhor aumentar as alocações de apoio alimentar ou pelo menos mantê-las.

Esse apoio é um direito inerente ao cidadão, como sejam os fundos de educação, saúde e assistência, os quais são integralmente financiados pelos contribuintes, ou seja, com o dinheiro do povo e do bolso do cidadão e não do governo. Existem muitas alternativas às quais o governo pode recorrer para suprir o déficit orçamentário e ganhar os US$ 446 milhões que pretende arrecadar com a decisão de aumentar o preço de um pão.

O pão é o ‘fardo da vida’ no Egito, é o alimento que preserva a dignidade de milhões de cidadãos do país.

Tenha misericórdia dos pobres, caso contrário, as consequências serão terríveis. Consulte a história para provas e aprenda com ela.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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