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Indígenas no Brasil e palestinos: lutas que se encontram

Indígenas em Brasília pedem demarcação de terras [Jornalistas Livres]

Histórias marcadas pela colonização, extermínio e limpeza étnica, mas também muita resistência. Guardadas as especificidades, as lutas indígena no Brasil e palestina se encontram e expõem inimigos comuns.

No pequeno bairro palestino de Sheikh Jarrah , em Jerusalém, onde vivem 1.200 palestinos, 550 estão ameaçados de expulsão de suas terras pela colonização sionista representada pelo tribunal israelense. Isso detonou em maio último revolta que uniu a sociedade fraturada há mais de 73 anos – desde a Nakba (catástrofe), consolidada com a criação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada. A agressão contra essa população que resiste a deixar suas casas continua, o que também é vivenciado em outros bairros de Jerusalém, principal foco da expansão colonial atualmente.

Ataques a residências de Sheikh Jarrah [Twitter]

Nesta segunda-feira, dia 21 de junho, foram mais de 20 palestinos de Sheikh Jarrah feridos pela violência da ocupação sionista. No dia seguinte, dois parlamentares, acompanhados de colonos israelenses e protegidos pelas forças de ocupação, invadiram casas de moradores exigindo que fossem embora.

Também no dia 22, indígenas em luta pela terra no Brasil foram brutalmente atacados pela Polícia Militar do Distrito Federal, com registro de mais de dez feridos, entre os quais dois gravemente. Oitocentos e cinquenta representantes de 45 povos originários das diversas regiões do país se concentram desde o último dia 8 em Brasília, mobilizados no acampamento “Levante pela Terra”, contra o Projeto de Lei 490/2007, que representa retrocesso histórico nos direitos assegurados pela Constituição de 1988. De autoria do falecido deputado federal Homero Pereira (PR-MT), da bancada ruralista, entre suas aberrações, a proposição flexibiliza o contato com povos isolados, inviabiliza a demarcação de terras indígenas, permite a exploração de mineradoras, agronegócio, garimpeiros, construção de hidroelétricas e outros empreendimentos nas já demarcadas, ameaçando de expulsão comunidades inteiras. Um aval ao extermínio, ação de grileiros e jagunços fardados.

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A Câmara dos Deputados diz amém. O PL, que traz apensados outros 20 ataques a indígenas, teve parecer aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) nesta quarta-feira, dia 23, por 40 votos a 21, e está sujeito a apreciação do Plenário.

Na data, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alvo de investigações, foi exonerado. Seu legado – “passar a boiada” – dá cria no Congresso e permanece intacto, nas mãos do sucessor ruralista Joaquim Alvaro Pereira Leite.

Mesmas armas

A sanha do agronegócio se encontra com as ambições sionistas. Em 18 de junho último, Renato Ochman, presidente da Câmara Brasil-Israel (Bril Chamber), afirmou em artigo publicado na Época Negócios: “Atualmente já são 300 empresas israelenses fazendo negócios diretamente ou indiretamente com o Brasil e posso dizer que esse é só o começo. Israel é hoje o maior centro de tecnologia do mundo – com grande destaque para o agronegócio – e tem muito a ensinar também em relação a sua cultura de negócios e empreendedorismo, que podem trazer aprendizados valiosos para o Brasil.”

Sob a propaganda de bom-moço de que o Estado sionista assim, ajudaria o país sul-americano a realizar seu potencial de maior produtor mundial de alimentos, Israel revela sua essência colonial: o dito “civilizado de fora” apresentando soluções que o Brasil não precisa, sem ouvir os maiores interessados, os povos originários. Uma propaganda para encobrir seus crimes contra a humanidade, enquanto avança nas alianças com o agronegócio que tem produzido queimadas recordes na Amazônia e extermínio de povos indígenas. Um negócio que renderá bons lucros para sustentar a ocupação na Palestina, às custas de muitas vidas, aqui e lá.

Nessa direção, a Bril Chamber inaugurou em novembro último regionais no Mato Grosso e Amazonas, esta última simultaneamente à realização do evento virtual Amazon Tech, quando Israel apresentou “tecnologias israelenses para o desenvolvimento sustentável” local. A iniciativa teve a participação do então primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e do vice de Bolsonaro, Hamilton Mourão. Em pauta, “interesses binacionais”.

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O tal do desenvolvimento sustentável que produz o subdesenvolvimento é explicitado. No caso palestino, a Nakba (catástrofe) é também ambiental, como previsto no projeto político colonial. Uma das organizações sionistas diretamente responsáveis por isso é o Fundo Nacional Judaico (FNJ), criado em 1901. Sua atribuição era garantir terras exclusivamente para judeus e transformar a paisagem local – à semelhança da Europa. Sob mitos fundadores, o sionismo levou a barbárie à Palestina e destruiu a mata nativa. Derrubou milhares de árvores e usurpou terras férteis palestinas para a construção de colonatos. E isso continua até os dias atuais.

Na aliança com o agronegócio, é essa expertise erguida sobre corpos e ruínas palestinos que Israel pretende exportar. Mas o Brasil infelizmente mostra que não deixa nada a dever nesse campo. Agora, com tecnologias sionistas – inclusive militares como as metralhadoras Negev nas mãos da polícia do Amazonas –, pode, contudo, aprimorar o malfeito.

Um cartaz palestino: “A terra pela qual você mata não é tua. A terra pela qual você morre é” [Twitter]

O conluio está armado. Bolsonaro tem cuidado de desmontar os órgãos responsáveis por questões ambientais, indígenas e agrárias. O Congresso busca avançar em projetos de lei que ameaçam os povos originários. E Israel traz as tecnologias da morte, desenvolvidas em seus mais de 73 anos de colonização e limpeza étnica.

Nas palavras do chefe do Departamento Político da sua Embaixada no Brasil, David Atar, expressas em reportagem no portal R7 publicada no último dia 16 de junho, o Brasil é um parceiro estratégico, cujo “nível de relacionamento continuará a ser uma questão prioritária para Israel. Acreditamos que muito em breve haverá mais negociações entre nossos chefes de Estado e altos funcionários de ambos os governos”.

Contra inimigos comuns, a aliança palestina e indígena. Urge denunciar a barbárie e cercar de solidariedade internacional urgente essa resistência histórica, daqueles para quem sua terra é sagrada e não tem preço – carrega memórias, heranças culturais, ancestralidade e muita bravura.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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