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De Brasília a Amazonas, cumplicidade com a limpeza étnica na Palestina, mas também solidariedade

Secretário Louismar Bonates e governador Wilson Lima entregaram armamentos nesta terça-feira (Foto: Diego Peres/Secom)
Secretário Louismar Bonates e governador Wilson Lima entregaram armamentos nesta terça-feira (Foto: Diego Peres/Secom)

Enquanto se ampliam os protestos contra mais um capítulo da limpeza étnica na Palestina, três acontecimentos na semana sintetizam a cumplicidade histórica no andar de cima do Brasil, enquanto cresce a solidariedade entre oprimidos e explorados.

Em sua primeira declaração após mais de uma semana de violência brutal sionista, Bolsonaro não surpreendeu. Em seu twitter nesta quarta-feira, dia 12 de maio, ele usa a retórica sionista, de cabo a rabo. Na desgastada linha de que o ocupante está se defendendo, afirma ser “absolutamente injustificável o lançamento indiscriminado de foguetes contra o território israelense”. Sem citar os palestinos, expressa suas “condolências às famílias das vítimas”. E então, a cereja do bolo, ao conclamar “pelo fim imediato de todos os ataques contra Israel”, manifestando “apoio aos esforços em andamento para reduzir a tensão em Gaza”. Um insulto.

Nenhuma palavra sobre a violência sionista em Jerusalém que assombrou o mundo na sexta-feira, 7 de maio, e já deixou mais de 400 feridos. Silêncio sobre a profanação da Mesquita de Al-Aqsa – terceiro lugar mais importante para o Islã – em meio ao Ramadã. Nenhuma palavra sobre a tentativa de continuidade da limpeza étnica em Sheikh Jarrah, que detonou resistência que se vê hoje a partir de Gaza – agora submetida a mais um massacre, com quase 70 mortos, incluindo 17 crianças e 388 feridos. Resistência esta que se estende pelos campos de refugiados, diáspora e por toda a Palestina histórica, com protestos também em cidades ocupadas desde 1948, onde hoje o mundo denomina Israel, reprimidos violentamente. Mais uma vez, o capitão do Exército reformado alçado à Presidência da República mostra que está do lado de quem comete crimes contra a humanidade. Não poderia ser diferente, em se tratando de um genocida, responsável por mais de 400 mil mortes por Covid-19 no Brasil.

Metralhadoras para “cancelar CPFs”

E Bolsonaro não está sozinho: seis de 21 metralhadoras israelenses Negev compradas pelo Governo do Amazonas acabam de ser colocadas nas mãos da Polícia Militar do Estado, que contou ainda com repasse de recursos da União para a infame aquisição por R$ 6 milhões. Entregue na manhã da última terça-feira, dia 11, o armamento, como como noticia o portal Amazonas Atual, reforçará a estrutura policial em Manaus, reforçara a estrutura policial em Manaus e outros municípios, como Lábrea, Maués, Boa Vista do Ramos, Apuí e Atalaia do Norte. Com alto poder de fogo, têm capacidade de disparar, segundo a reportagem, 700 tiros por minuto a mil metros. As mesmas metralhadoras que Doria comprou para as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e que uma ação judicial impetrada pelo advogado israelense e ativista de direitos humanos Eitay Mack tenta impedir que sejam entregues, anulando a negociação.

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Em entrevista à Ponte, ele explica que é “a maior fábrica israelense de rifles e metralhadoras. Era uma empresa governamental, mas foi privatizada recentemente. Nos anos 1970 e 1980 essa empresa já vendeu armamentos para paramilitares envolvidos nos conflitos na América Central, na Guatemala, El Salvador, e também para as juntas militares do Chile e Argentina”.

Nas Filipinas, em outubro de 2019, ainda segundo Mack na mesma entrevista, “o governo Duterte assinou um acordo com o governo israelense para a entrega de 17 mil armas, incluindo Negevs, para a ‘guerra às drogas’ da polícia filipina, que já deixou 27 mil mortos – isso mesmo depois de uma decisão judicial impedindo essa venda”. E continua: “Isso me surpreendeu muito, porque a Negev não é uma arma de uso policial, e sim de uso militar”.

As metralhadoras que são testadas nas cobaias humanas palestinas, como na ofensiva atual, e chegam agora ao Amazonas vêm na esteira do apoio de Bolsonaro a grupos de extermínio e milícias, expresso na foto que fez em Manaus no dia 23 de abril e mereceu repúdio nas mídias, com a placa “CPF cancelado”.

A expressão, como informa José Nêumanne em sua coluna no jornal O Estado de São Paulo, “é usada por defensores de policiais que matam suspeitos em operações, como era, à época da ditadura militar, a caveira com ossos em xis usada pelo Esquadrão Le Coq, criado em 1965 […]. Essa scuderie inspirou grupos de extermínio de ‘bandidos’ por policiais, entre os quais o delegado do Dops [Departamento de Ordem Política e Social, órgão da repressão durante a ditadura] paulista Sérgio Fleury”.

Além do apoio a milícias e grupos de extermínio, a nova aquisição chega num momento em que Bolsonaro quer dar poder de fiscais aos policiais militares na região, enquanto desmonta o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em sua sanha por destruir a floresta. “Colocar a polícia para aplicar multa e fiscalizar o meio ambiente não é uma boa ideia. Em muitas regiões, como nos grotões da Amazônia, soldados da corporação atuam como jagunços fardados de fazendeiros, grileiros de terra e da garimpagem. Assim, uma medida como essa pode dar mais poder às milícias armadas de latifundiários, oriundas do poder público. Em suma, Bolsonaro quer avançar com seu projeto de unificação das milícias em todo o País”, denuncia coluna no jornal Opinião Socialista.

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Na Câmara dos Deputados

A terceira ofensiva contra os palestinos em território nacional, também na linha de ampliar as tecnologias militares sionistas no Brasil, veio da Câmara dos Deputados. Voltou nesta quarta-feira, dia 12, à pauta da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional a Mensagem 371/2019, enviada pelo Governo Bolsonaro, de cooperação Brasil-Israel na área de defesa. A mobilização para derrubar esse acordo conta com dezenas de organizações da sociedade civil e é preciso fortalecê-la.

Felizmente a oposição conseguiu acordo para retirada da pauta por pelo menos 15 dias – o único que se opôs foi Eduardo Bolsonaro, capacho de Netanyahu que queria votar moção de repúdio na mesma comissão ao que chamou de “terroristas do Hamas”. Até a Organização das Nações Unidas (ONU) sabe que resistência diante de uma ocupação é legítima sobre todos os meios; isso não é terrorismo. Terrorista é quem promove limpeza étnica, colonização, apartheid.  Tal pai, tal filho.

Apoio se amplia

Enquanto estes atuam em prol da contínua Nakba – a catástrofe com a criação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada –, honrando a cumplicidade histórica do Brasil com a colonização sionista, a solidariedade expressa por organizações que sempre se colocam ao lado dos palestinos, movimentos populares, sindicais, sociais, oprimidos e explorados, se amplia. Em todas as manifestações por justiça, contra o genocídio do povo pobre e negro, como em repúdio à chacina de Jacarezinho, no Rio de Janeiro, a bandeira palestina se faz presente.

É daí que vem o apoio à resistência palestina e denúncia da barbárie sionista. Essas organizações devem se somar às manifestações chamadas unitariamente pelos palestinos para os próximos dias em várias capitais brasileiras. Em São Paulo, Manaus e Recife estão marcadas carreatas no sábado, quando se completam 73 anos da Nakba (15 de maio). Na mesma data, Brasília, Porto Alegre e Curitiba realizam atos. E no dia 13, o Rio de Janeiro sai às ruas. De todos os locais, ecoam as vozes: “Salve Sheikh Jarrah! Basta de limpeza étnica! Chega de massacre! Palestina livre já! Boicote o apartheid israelense!” Os palestinos não estão sozinhos.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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