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CPI da Covid e Butantan temem que provocações à China prejudiquem plano de vacinação

Instituto Butantan e Governo de São Paulo entregam um milhão de doses da CoronaVac para o Programa Nacional de Imunização, em São Paulo, 6 de maio de 2021 [Governo do Estado de São Paulo]
Instituto Butantan e Governo de São Paulo entregam um milhão de doses da CoronaVac para o Programa Nacional de Imunização, em São Paulo, 6 de maio de 2021 [Governo do Estado de São Paulo]

O Instituto Butantã afirmou nesta quinta-feira (6), que as declarações do presidente Jair Bolsonaro com críticas à China afetam a liberação de insumos para as vacinas, que poderão faltar por culpa do governo federal. O Instituto parceiro da Sinovac entregou hoje mais de um milhão de doses da vacina ao Ministério da Saúde e anunciou que suspendeu, pela segunda vez, o procedimento de envase da vacina Coronavac por atrasos nos recebimentos dos insumos. Dimas Covas, diretor do Butantan, atribuiu o problema ao mal-estar provocado “por sucessivas declarações desastrosas do ministro da economia, Paulo Guedes, e agora do presidente da república, Jair Bolsonaro”.

“Todas as declarações neste sentido têm repercussão. Nós já tivemos um grande problema no começo do ano e estamos enfrentando de novo esse problema”, disse Dimas durante a entrega. “Embora a embaixada da China no Brasil venha dizendo que não há esse tipo de problema, mas a nossa sensação de quem está na ponta é que existe dificuldade, uma burocracia que está sendo mais lenta do que seria habitual e com autorizações muito reduzidas e volumes. Então obviamente essas declarações têm impacto e nós ficamos à mercê dessa situação”.

Durante um discurso no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro insinuou, na manhã desta quarta-feira, que o novo coronavírus pode ter sido criado em laboratório pela China, sem citar o país diretamente.

“É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em um laboratório ou nasceu por algum ser humano ingerir um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem que é uma guerra química bacteriológica e radiológica. Será que estamos enfrentando uma nova guerra? Qual país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês.”, afirmou.

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A fala deixa claro que o país mencionado é a China. O vírus foi detectado primeiro na província chinesa de Wuhan, mas o país controlou o surto com medidas de bloqueio. Além disso, a China teve o maior aumento no Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, com 2,3% de crescimento. Não há qualquer evidência de que o vírus tenha surgido em laboratório; em março a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirmou que o vírus surgiu provavelmente a partir do contágio de um animal.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou que a declaração foi “uma das mais graves e sérias” que ele já viu um presidente do Brasil fazer; e apresentou um requerimento, nesta quinta, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid para que convoque o diretor geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) a explicar a guerra química mencionada pelo presidente. “Eu gostaria de fazer o requerimento verbal agora, mas estou enviando por escrito para que convidássemos a Abin, o responsável pela Abin, para vir a essa comissão e explicar essa questão de guerra química, se existe isso ou se não existe, porque, se não existe é um verdadeiro boicote intencional a compra de vacinas ou envio de vacinas por parte da China”, disse ele. “Isso é muito grave. Se nós estamos vivendo uma guerra química, é uma das piores situações mundiais desde a segunda guerra mundial. Senão, estamos fazendo uma injúria e calúnia contra o nosso maior fornecedor de vacinas no momento”.

Ainda ontem, após a repercussão negativa, o presidente Bolsonaro negou ter se referido à China no discurso e culpou a imprensa pela interpretação. “Eu não falei a palavra China. Eu falei a palavra China hoje de manhã? Eu não falei. Eu sei o que é guerra bacteriológica, guerra química, guerra nuclear. Eu sei porque tenho a formação. Só falei isso, mais nada. Agora ninguém fala, vocês da imprensa não falam onde nasceu o vírus. Falem. Ou estão temendo alguma coisa? Falem. A palavra China não estava no meu discurso de quase 30 minutos de hoje”, alegou durante entrevista no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. “Agora, muita maldade tentar aí um atrito com um país que é muito importante pra nós. E nós somos importantes pra eles também. Vocês que interpretaram”.

Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, causou outro constrangimento diplomático ao afirmar que “o chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a do americano.”

O país asiático é o maior parceiro comercial do Brasil e fornece o insumo farmacêutico ativo (IFA) da CoronaVac, vacina do laboratório chinês Sinovac e produzida no Instituto Butantã, e da vacina AstraZeneca, da Universidade de Oxford, produzida pela Fundação Oswaldo Cruz no Brasil.

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Segundo Dimas Covas, há o compromisso de entrega de um lote de insumos que totaliza 5 milhões de doses até o dia 14 de maio, entretanto, depois disso não haverá matéria-prima para processar. “Pode faltar? Pode faltar. E aí nós temos que debitar isso principalmente ao nosso governo federal que tem remado contra. Essa é a grande conclusão”, disse.

“Espero que o ministro das relações exteriores cumpra seu papel e atue o mais breve possível e com êxito para que tenhamos a liberação desses insumos em Pequim para que o instituto Butantan possa retomar a produção da vacina aqui em São Paulo”,pediu o diretor do Butantan.

O governador de São Paulo também criticou as declarações durante o evento. “Isso causa profundo mal-estar na chancelaria chinesa e quero registrar como governador de São Paulo meu protesto com essas manifestações agressivas e desnecessárias ao governo da China, à produção das vacinas e a colocações que não contribuem à normalidade da entrega de IFA para vacinas. Tenho certeza que isso tem influência nos insumos da AstraZeneca”.

A falta de imunizantes da CoronaVac já paralisou a imunização da segunda dose em dez capitais brasileiras. Segundo o Ministério da Saúde, a gestão de Eduardo Pazuello recomendou a aplicação de todo o estoque da vacina na primeira dose, sem reservar para a segunda, gerando o atual problema da falta de vacinas. A CoronaVac representa 75,2% das vacinas contra a covid-19 aplicadas no país até agora.

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