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Seis meses após a explosão em Beirute, ainda não há esperanças por justiça

Os cidadãos libaneses jamais se esquecerão daquele momento, às 6h08 de 4 de agosto, que resultou em 204 mortos, 6.500 feridos, 300 mil desabrigados e 200 mil desempregados

Passaram-se seis meses desde a enorme explosão em Beirute, que devastou toda a cidade. Autoridades libanesas, no entanto, não foram capazes ainda de entregar qualquer justiça às vítimas desta catástrofe.

Após o desastre, o povo foi forçado a acordar toda manhã e reunir cacos e destroços, a fim de reconstruir outra vez o que sobrou de Beirute. Os cidadãos libaneses jamais se esquecerão daquele momento, às 6h08 de 4 de agosto de 2020, quando 204 vidas inocentes foram perdidas, mais de 6.500 pessoas ficaram feridas, 200 mil casas foram destruídas, 300 mil pessoas foram desabrigadas e outras 70 mil perderam seus empregos.

Ninguém esperava que a enorme explosão naquele depósito esquecido pudesse ocorrer e a escala brutal da tragédia chocou o mundo. Especialistas estimam que a explosão que varreu a onda decorrente da explosão que varreu Beirute possa ser uma das mais fortes entre incidentes não-nucleares já registrados na história. A imprensa cipriota relatou sentir o estrondo a 200 km de seu epicentro, na remota ilha mediterrânea de Chipre.

O pesadelo de 4 de agosto levou a cenas de um filme de terror, como disse Khalil Haddad, residente de Beirute, pai de um filho. Na ocasião, Khalil estava internado para realizar uma cirurgia simples no Hospital Al Roum, conhecido também como Hospital de São Jorge, a menos de um quilômetro do porto. Ele recorda pequenos detalhes que não pareciam importantes no momento, mas acabaram por salvar sua vida. Minutos antes da explosão, Khalil calçou os sapatos e foi encontrar-se com sua esposa na recepção, para que pudessem tomar um último café juntos antes da operação. Jamais imaginaria que a simples tarefa de calçar sapatos, dia após dia, logo pela manhã, poderia salvá-lo de ter os pés perfurados pelos escombros do edifício.

“Aliás, eu não conhecia a palavra ‘trauma’ até a explosão, sabia? É um termo novo para mim”, destaca Khalil.

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Os libaneses lidam ainda com o vertiginoso aumento na pobreza em todo o país, além da paralisia política, colapso fiscal e rigoroso lockdown devido ao agressivo surto de coronavírus.

“Nossa história não acabou naquele dia. Nossa história de reconstrução, de voltar a andar com os nossos pés, vai levar anos”, afirmou Sarine Dermesrobian, de 32 anos.

Sarine costumava acordar e ver os barcos nas docas, entrando e saindo do porto de Beirute. Naquele dia, porém, a força da explosão devastou seu apartamento e alvejou todo seu corpo com cacos de vidro. Sarine caminhou descalças sobre o vidro quebrado para chegar a um hospital, pois carros e ambulâncias não conseguiam passar pelas áreas afetadas. Havia quebrado o braço, aberto uma ferida em seu abdômen, além de inúmeros machucados nas pernas, mas não conseguia sentir a dor. Parecia determinada a viver.

“Há esperança no Líbano? Honestamente, ninguém tem mais esperanças, dos mais idosos aos recém-nascidos. Nossos bebês nascem sem esperança”. É como descreve a situação no país.

Mehyeddine Baghdadi, bombeiro de 22 anos, perdeu toda a sua equipe, composta por dez pessoas, na devastadora explosão. Baghdadi foi uma das primeiras pessoas a chegar ao local e começar a escavar os escombros para encontrar os corpos de seus colegas de trabalho, nove homens e uma mulher.

Os bombeiros de Beirute receberam ordens para responder a um incêndio fora de controle, que pensavam tratar-se de um acidente com fogos de artifício. Não tinham a menor ideia de que estavam a caminho de um cenário de carnificina e destruição.

Apesar das promessas do governo de investigar a explosão em apenas cinco dias, seis meses se passaram e os cidadãos libaneses continuam muito longe de qualquer justiça. O inquérito foi obstruído por dois ex-ministros acusados por responsabilidade no desastre, que registraram uma moção na Corte de Cassação do Líbano para substituir o juiz designado ao caso, a fim de postergar o processo.

A organização internacional Human Rights Watch juntou-se a apelos por um inquérito independente sobre a explosão, após receios de que a elite política do Líbano jamais permita que a investigação culmine em justiça contra os responsáveis.

Quase sete anos após 2.750 toneladas de nitrato de amônio, material altamente volátil, receberem autorização para entrar no porto de Beirute e lá permanecerem armazenados de forma indevida, Beirute mudou para sempre. Seis meses depois da enorme explosão, aqueles que convivem com as cicatrizes do desastre perdem cada vez mais qualquer esperança de que haverá justiça, ao menos, pelas mãos das autoridades do país.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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