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A invasão do capitólio e o futuro da “democracia americana”

Os apoiadores do presidente Donald Trump se reúnem do lado de fora do edifício do Capitólio em Washington DC, Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021. [ Tayfun Coşkun - Agência Anadolu]
Os apoiadores do presidente Donald Trump se reúnem do lado de fora do edifício do Capitólio em Washington DC, Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021. [ Tayfun Coşkun - Agência Anadolu]

No dia 6 de janeiro, centenas de apoiadores de Donald Trump invadiram o congresso americano para impedir a certificação da vitória eleitoral do partido democrata. Cinco pessoas morreram e várias ficaram feridas.

Muitos entenderam essa invasão como uma ameaça à “democracia americana” por grupos neofascistas trumpistas. Mas esse episódio revela muito mais sobre a importante crise do regime político do país e a decadência do próprio sistema capitalista e imperialista.

Não há dúvidas de que ainda hoje o imperialismo americano mantém sua hegemonia econômica, política e militar. Mas sua derrota militar no Vietnã em 1974 e os fracassos militares no Afeganistão e no Iraque demonstraram que a força militar é importante mas insuficiente para garantir sua hegemonia.

Por outro lado as crises econômicas internacionais – particularmente a “grande recessão” de 2007-2008 que teve seu centro nos Estados Unidos, e a crise decorrente da pandemia do coronavírus – demonstraram a incapacidade do sistema capitalista de oferecer bons empregos, moradia popular ou um sistema de saúde eficiente para toda a população colocando um ponto de interrogação no “sonho americano”.

Esta situação gera movimentos em direções opostas dentro da sociedade americana.

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Por um lado, a maioria da juventude americana nos centros urbanos rejeita o status quo: o racismo, o machismo e a homofobia, e até mesmo prefere o socialismo ao capitalismo, ainda que esse socialismo signifique principalmente uma visão humanista e uma forma de justiça social.

Por outro lado setores pequeno-burgueses (fazendeiros médios, pequenos comerciantes e uma ampla gama de pequenos proprietários do setor de serviços) se unem a grupos racistas, neonazistas e fundamentalistas cristãos para fazer voltar atrás a roda da história, retomando o “Destino Manifesto” segundo o qual os americanos seriam os escolhidos por Deus para comandar o mundo. É neste setor minoritário da população que Donald Trump e os grandes grupos econômicos ligados a ele se apoiam para impôr o fim de direitos sociais dos oprimidos (trabalhadores, negros, latinos, mulheres, imigrantes, …) e de liberdades democráticas duramente conquistados pelo povo trabalhador americano mesmo que para isso seja necessário invadir o capitólio e impor um segundo mandato para Trump na marra.

Quem quer manter a ordem?

O sistema bipartidário americano não trabalha para garantir os interesses operários e populares. Ao contrário, os dois partidos estão a serviço dos maiores grupos econômicos do mundo. São os bancos, o agronegócio, o complexo industrial-militar, as petrolíferas, as empreiteiras e um longo etc… que conformam 1% da população ou menos. Eles estão a serviço da manutenção dessa ordem social e dessa “democracia” liberal injustas.

Para defender esses interesses dos grandes capitalistas, o partido republicano usa um discurso ultra-conservador ao passo que o partido democrata prega a favor de direitos sociais. Mas ao final ambos partidos estão unidos na defesa do sistema capitalista e da hegemonia americana.

Para dar um exemplo da política do partido democrata, basta ver sua atuação na onda de protestos contra o racismo e a violência policial em maio e junho de 2020. O partido democrata se opôs à principal reivindicação do movimento (Defund the Police – cortar as verbas da polícia) e defendeu a ampliação de verbas. Além disso, a prefeita democrata de Chicago demitiu o sindicalista e condutor de ônibus Erek Slater por organizar os motoristas para apoiar as mobilizações do Black Lives Matter.

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No entanto ambos os partidos são afetados pela crise da hegemonia americana e da economia capitalista.

O partido republicano foi tomado pelo trumpismo o que lhe distancia ainda mais da maioria do povo americano. Desde 2008 os republicanos não ganham as eleições presidenciais no voto popular. Dependem da abstenção eleitoral (40% a 60% dos total de eleitores, em geral integrantes da classe trabalhadora e da população negra descrentes no sistema eleitoral americano), da supressão eleitoral (obstáculos para registro eleitoral, encarceramento em massa, 12 milhões de imigrantes sem papéis), e de manobras para a definição de distritos eleitorais (gerrymandering em inglês) para ganhar as eleições no colégio eleitoral. Se o trumpismo prevalecer, o partido republicano vai se confundir cada vez mais com a turba que invadiu o capitólio.

Já o partido democrata terá muita dificuldade para explicar para a maioria da juventude e da classe trabalhadora que, apesar de contar com a maioria na Câmara e no Senado, não tomará as medidas necessárias para atender as reivindicações populares:  bons empregos, moradia popular, um sistema de saúde universal, a legalização dos imigrantes, a defesa intransigente do meio-ambiente; tampouco tomará medidas para acabar com a farra do sistema financeiro, com a ocupação do Afeganistão e do Iraque, com a venda de armas para a Arabia Saudita que promove uma guerra criminosa contra o Iêmen, com o vergonhoso apoio ao apartheid israelense, entre outras.

Quem defenderá os direitos democráticos e sociais?        

As classes populares e o movimento operário americano arrancaram seus atuais direitos democráticos e sociais em grandes lutas: a revolução americana pela independência frente aos ingleses, a guerra civil que eliminou a escravidão e criou o único momento da história do país no qual a população negra gozou de direitos – a chamada reconstrução que durou 12 anos, as greves operárias dos anos 1930s da qual emergiu o novo sindicalismo americano, o movimento dos direitos civis nos anos 1950-60s, os protestos feministas dos anos 1970s, as multitudinárias marchas de imigrantes de 2006, entre outros.

Durante o governo Trump, a classe trabalhadora e setores oprimidos também protagonizaram grandes mobilizações.

No dia seguinte à sua posse, em 21 de janeiro de 2017, 5 milhões de mulheres marcharam em 400 cidades em todo o país para se opôr a Donald Trump e suas políticas imperialistas e contrárias aos direitos sociais.

Houve grandes greves de professores em vários estados em 2018 e 2019, além da greve de 48 mil operários da montadora GM em 50 fábricas que durou um mês.

Por fim, a gigantesca onda de protestos contra o assassinato de George Floyd pela polícia de Minneapolis em maio e junho do ano passado, junto com a pandemia, selou a derrota eleitoral de Donald Trump.

Não há nada que indique que essa tradição operária e popular combativa não vá se expressar durante o governo Biden. Ao contrário, a crise econômica, sanitária e ecológica deve levar o povo às ruas.

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É por isso que Biden, a exemplo de todos os governos anteriores, deve fortalecer a polícia, a CIA, o FBI, a NSA, e também manter a miríade de grupos de extrema direita como uma reserva técnica a ser utilizada para combater levantes populares e os direitos sociais. Isso não exclui que esses grupos e o trumpismo não possam promover ações tais como a invasão do capitólio ou a explosão de um prédio federal como em Oklahoma em 2005 pelo direitista Timothy McVeigh.

A única solução verdadeira para acabar com os grupos de extrema direita e garantir os direitos democráticos e sociais é promover uma revolução social que leve a classe trabalhadora ao poder. Desta forma a “democracia” liberal americana que promove a opressão e a injustiça social dentro e fora do país será substituída pela democracia operária e popular que nunca mais promoverá políticas imperialistas contra os povos de todo o mundo.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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