Israel lançou uma implacável campanha de bombardeios, cerco e invasão por terra em larga escala contra a Faixa de Gaza, após os eventos de 7 de outubro de 2023.
Em apenas dez meses, Israel matou mais de 40 mil palestinos no enclave palestino — em maioria, mulheres e crianças. Estima-se que os números exatos sejam muito maiores, à medida que milhares de pessoas permanecem presas sob os escombros. Mais de 90 mil palestinos também foram feridos.
Em dezembro, a Organização das Nações Unidas (ONU) reportou que a campanha israelense havia deslocado à força 85% da população de Gaza. No fim de janeiro, uma análise detalhada da rede BBC revelou que mais da metade dos prédios e da infraestrutura civil de Gaza, incluindo bairros residenciais inteiros, hospitais, universidades e sítios históricos, havia sido danificada ou destruída. A escala de destruição na cidade de Khan Younis, no sul do território, é particularmente grave, com metade dos prédios em ruínas, incluindo a icônica Torre al-Farra, com 16 andares.
“Nós trabalhamos em toda a Ucrânia, avaliamos os danos em Aleppo e outras cidades, mas a extensão e o ritmo da destruição é particularmente notável”, explicou Corey Scher, pesquisador da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY). “Nunca vi tamanha destruição surgir tão rapidamente”.
Em janeiro, a África do Sul invocou a Convenção de Combate ao Genocídio contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, pela forma como o exército israelense tem conduzido sua guerra em Gaza. A corte admitiu ser “plausível” que as ações israelenses em Gaza sejam equivalentes a genocídio.
A má conduta do exército israelense
A má conduta do exército israelense durante sua guerra mais devastadora contra a Faixa de Gaza, refletida na escala aterradora de morte e destruição, atraiu condenação de observadores internacionais e organizações de direitos humanos.
As evidências, capturadas em numerosas fotos e vídeos registrados e disseminados por muitos dos próprios soldados israelenses, em suas plataformas de redes sociais, ostentam um retrato perturbador de destruição gratuita, saque e desprezo não apenas por propriedades e terras, como pela vida e dignidade dos civis.
Sob a lei humanitária internacional, que rege os parâmetros aceitáveis de um conflito armado, todas as partes em confronto devem obrigatoriamente distinguir entre combatentes e civis e assumir todas as medidas cabíveis para minimizar os danos a civis e objetos civis. A Quarta Convenção de Genebra, da qual Israel é signatário, explicitamente proíbe a destruição de propriedades, apreensão de bens pessoais e deslocamento de civis salvo por razões militares imprescindíveis. Contudo, as ações dos soldados israelenses em Gaza — como se vê em seus vídeos — demonstra plena desconsideração a tais princípios e claramente viola tais provisões.
Em seu caso de genocídio contra Israel em Haia, os advogados da África do Sul exibiram um vídeo de um grupo de soldados israelenses invocando a figura fundamentalista bíblica de Amaleque, ecoada por seu premiê, Benjamin Netanyahu, enquanto dançavam e cantavam negando a existência de civis.
Desde então, diversas agências de imprensa — incluindo BBC Verify, The New York Times e outras — analisaram centenas de vídeos que documentam os abusos perpetrados pelas tropas israelenses em Gaza. “A desumanização desde cima se assenta muito bem embaixo, entre os soldados”, explicou Dror Sadot, porta-voz da ong israelense de direitos humanos B’Tselem.
Impunidade gritante
Por meses e meses, autoridades da ocupação israelense se negam a responder adequadamente às violações de seus soldados, sem qualquer punição aos responsáveis, sob princípios que governam toda a conduta dos soldados radicados em Gaza.
Em resposta à crise internacional de relações públicas e às críticas que se acumulam, o exército israelense anunciou, em fevereiro, “conduzir análises e investigações de possível má conduta no contexto das atividades operacionais”. O exército, entretanto, destacou em sua nota que: “Conduzir análises e investigações sobre situações de combate pode ser complicado no momento, e as condições de guerra podem ofuscar as capacidades de avaliação factual”.
Isso se deu pouco após a major-general Yifat Tomer-Yerushalmi, autoridade máxima do direito militar em Israel, emitir um alerta austero e sem precedentes para que suas tropas evitassem “conduta imprópria”. A advogada notou incidentes de uso injustificado da força, saque e destruição de propriedades civis, ao infringir limites do que é considerado crime e causar danos, em âmbito estratégico, à reputação internacional de Israel.
Contudo, apesar da montanha de evidências e das promessas de Israel de “investigar as circunstâncias”, as violações de suas tropas em campo continuam inabaláveis no território palestino, em meio a um ceticismo generalizado de que o exército ocupante, com seu histórico de absolver a si mesmo de abusos contra os palestinos, tenha qualquer intuito de abordar os crimes em curso —extensão direta da retórica adotada por políticos e jornalistas israelenses no que diz respeito à guerra.
Vídeos continuam a viralizar, mostrando soldados engajados em comportamento pejorativo e ações destrutivas. A falta de justiça serve apenas para encorajar as tropas a manter sua conduta hedionda, fomentar o genocídio contra os palestinos de Gaza e sabotar quaisquer prospectos de paz e estabilidade na região.
Documentação
O Monitor do Oriente Médio (MEMO) coletou e classificou parte das evidências visuais disseminadas pelos próprios soldados israelenses nas redes sociais, para fins de documentação e reportagem.
Conceito, pesquisa e texto: Jehan Alfarra
Vídeos: MEMO
Desenvolvimento: Equipe digital MEMO