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Brasil, BRICS e a defesa do Sul Global

Líderes da Rússia, China, Brasil, Índia e África do Sul reúnem-se para Cúpula dos Líderes do BRICS, em Brasília, Brasil, 13 de novembro de 2019 [Mikhail Svetlov/Getty Images]
Líderes da Rússia, China, Brasil, Índia e África do Sul reúnem-se para Cúpula dos Líderes do BRICS, em Brasília, Brasil, 13 de novembro de 2019 [Mikhail Svetlov/Getty Images]

Raras vezes na história da humanidade sai algo de positivo a partir do centro nervoso do capital financeiro e dos parasitas especulativos. A ideia dos BRICS pode ser uma rara exceção neste sentido, ao menos no plano discursivo. O acrônimo foi formulado por Jim O’Neill, então economista-chefe do banco de investimentos Goldman Sachs (a mesma instituição de Henry Hank Paulson, central na bolha imobiliária de 2007 e 2008, nos balanços fraudulentos e na transição negociada com o Partido Democrata quando Obama foi eleito), em estudo de 2001, intitulado “Building Better Global Economic BRICs”. À época, ainda chamados de “mercados emergentes”, os três grandes países do eixo eurasiático (Rússia, Índia e China), em companhia do Brasil, eram vistos como um universo de oportunidades para a expansão capitalista. O termo-conceito BRICs fixou-se como categoria da análise nos setores mais relevantes dos meios econômico-financeiros, empresariais, acadêmicos e de comunicação .

O agrupamento em si, surge em 2006, incorporado à política externa de Brasil, Rússia, Índia e China. A África do Sul adentra em 2011, por ocasião da III Cúpula, quando se adota a sigla BRICS em definitivo. Longe de ser uma aliança formal, o fato de que grandes países se agrupem para observarem interesses comuns e trazerem consigo parte das regiões onde exercem influência direta, pode significar muito no grande jogo.

Em novembro de 2020, o presidente brasileiro Jair Messias Bolsonaro participou da 12ª Cúpula dos BRICS, a primeira realizada de forma virtual. Como em todos os percalços de sua política externa, o chanceler Ernesto Araújo, o assessor especial para assuntos internacionais, Filipe Martins e o filho, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seguiram os caminhos erráticos e irresponsáveis. Note-se que todos os citados são fãs declarados do auto intitulado filósofo Olavo de Carvalho (cuja única expertise é como astrólogo). O suposto guru é entusiasta de uma “guerra cultural anti-globalista” e defensor do Ocidente contra as demais “civilizações”. Não pode sair nada de positivo com esse tipo de influência na política externa nacional.

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Nessa reunião de cúpula, Bolsonaro insinua uma aproximação com a Rússia a partir de sua idolatria por “homens fortes”, no caso, trocando de herói imaginário, sai Trump e entra Putin. Na mesma reunião, a posição da China foi discreta e distante, sendo que o Estado confucionista é o maior parceiro comercial do Brasil. Na semana seguinte, o filho que esteve cotado para ser embaixador brasileiro nos EUA defende a proposta de Mike Pompeo para a implantação de um sistema de telecomunicações 5G, com tecnologia sob o controle dos Estados Unidos. O incidente diplomático prossegue, minando as chances de uma posição madura, altiva e ativa do Brasil no Sistema Internacional .

Infelizmente, os passos dessa diplomacia baseada na ficção vão pela contramão das potencialidades do país. Uma das saídas para o Brasil, em escala internacional, é ampliar a participação em projetos estratégicos e afirmar parcerias nesse sentido. Um apontamento básico é fortalecer a posição do Novo Banco de Desenvolvimento (Banco dos BRICS, ver  e, assim, retomar as atividades do Banco do Sul como instrumento dos países sul-americanos através da também esvaziada União dos Países do Sul (Unasul). Com isso conseguiríamos financiar projetos conjuntos de envergadura – como na exploração do Pré-Sal brasileiro – e interconectar nossos territórios, desde que respeitando a soberania popular e o direito ancestral dos povos tradicionais e originários. Ao mesmo tempo, fortaleceríamos posições evidentemente anti-imperialistas em nosso continente, como as da Venezuela, bem como ocorre com o Irã, que sofre bloqueio econômico e atentados terroristas do Mossad.

Como se sabe, a presença do Brasil no cenário internacional através de uma Política Externa Independente (PEI) deve ser acompanhada de uma grande aliança com os países sul-americanos, latino-americanos e caribenhos. Na projeção brasileira, através do Atlântico Sul, poderíamos ter uma óbvia aproximação de vários países africanos, tanto os lusófonos, como a aliada África do Sul, como outros Estados africanos que têm o importante apoio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC, ver: abc.gov.br).

Assim como no domínio interno é necessário nos livrarmos da hegemonia do capital financeiro, seu controle dos postos-chave do Estado brasileiro e sobre a autoridade monetária, o mesmo deve se dar em nível internacional. O Brasil consegue operar como um pivô geopolítico e ter algumas projeções geoestratégicas, desde que tenhamos no cenário doméstico algum consenso nesse sentido. A formação de alianças regionais e o impulso nos BRICS podem ser fundamentais para reforçar a cooperação econômica entre pares (e não apenas como uma gigantesca mina a céu aberto ou uma plantation de grãos), criando um impacto econômico global para promover os interesses do Brasil (nossos aliados continentais) e do restante do grupo.

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Também parece evidente a necessidade do país se preparar para a fase posterior ao controle econômico dos EUA do mundo como a primeira economia do mundo e sua substituição pela China. Temos espaço para negociações dentro da disputa sino-americana e podemos condicionar a compra ou instalação de serviços e cadeias de alto valor agregado ou conhecimento sensível, tentando conseguir transferências de tecnologias e instalação de parque industrial, seguindo o mesmo critério da compra de equipamento militar (quando tão relevante como o arsenal adquirido é incorporar o conhecimento agregado).

Os BRICS também podem vir a fortalecer a atuação do Brasil para liderar os esforços internacionais na defesa da democracia, liberdades fundamentais e direitos humanos.  Neste sentido, formaria um espaço importante para superar a relação hipócrita com o Apartheid colonial promovido por Israel e o apoio incondicional dos Estados Unidos aos crimes contra Gaza e Cisjordânia. É importante tirar a “bandeira dos direitos humanos” do país que é o maior violador destes direitos, mantendo várias prisões ilegais, incluindo a famigerada masmorra de Guantánamo, que ocupa de forma ilegal o território soberano de Cuba.

É preciso aumentar a influência do Grupo dos BRICS no enfrentamento das diversas questões de segurança e combate ao terrorismo em nível internacional, brecando os intentos de aventuras com agressões imperialistas frequentemente cometidas pelos países membros da OTAN. O Brasil poderia cumprir um papel estratégico neste sentido, evitando corridas de tipo realismo regional (conflitos potenciais entre países vizinhos) e contrapondo a presença hegemônica das forças estadunidenses e britânicas no chamado Escudo Atlântico. Para tal, é preciso estabelecer convênios militares com os países que comungam do Oceano Atlântico em sua metade sul, aumentar a atividade da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (Zopacas), uma iniciativa da ONU em 1986 e que tem em nosso país seu maior propulsor.

Considerando que o Brasil tem cerca de 16 milhões de cidadãos com origem árabe, e Rússia, China e Índia tem uma grande parcela de sua população islamizada, evidente que os BRICS devem projetar um papel efetivo nas questões dos países membros da Liga Árabe e Mundo Islâmico em todos os aspectos. O Brasil, em específico, tem vínculos históricos com o Líbano (nossa maior parcela de colônia árabe) e Síria, e deveria estar presente nos acertos de segurança regional e da UNIFIL, para precaver os dois países soberanos das constantes agressões do Estado Colonial de Israel. O mesmo se dá na defesa de um Estado Palestino livre, soberano e plenipotenciário, implicando recursos hídricos e extensão territorial. Por fim, os BRICS podem jogar um papel fundamental no Grande Oriente Médio, tanto em termos securitários, com a presença naval no Mediterrâneo, Mar Vermelho e Golfo Pérsico, como na garantia de reservas estratégicas, superando os index especulativos anglo-saxões do Brent e do WTI.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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