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Irã aproxima-se cada vez mais da China

Presidente do Irã Hassan Rouhani e Presidente da China Xi Jinping participam de cerimônia de boas vindas em Xangai, China, 22 de maio de 2014 [Kenzaburo Fukuhara/AFP/Getty Images]
Presidente do Irã Hassan Rouhani e Presidente da China Xi Jinping participam de cerimônia de boas vindas em Xangai, China, 22 de maio de 2014 [Kenzaburo Fukuhara/AFP/Getty Images]

A relação entre China e Irã está sob os holofotes, recentemente. Um enorme acordo de 25 anos está supostamente em processo de consideração por ambas as partes, que levará a um investimento chinês de US$400 bilhões nos setores iranianos de transportes e energia. O pacto é o último esforço de Pequim para expandir-se de potência hegemônica regional a poder global, via a chamada Iniciativa de Cinturão e Rota (BRI), que pretende reformular as topografias econômicas regionais em benefício chinês. Pequim tem conduzido ostensivamente tais esforços de massivo investimento em setores fundamentais da economia iraniana, em troca de suprimento de combustível do Irã pelos próximos 25 anos. O investimento proposto é a maior iniciativa da China jamais prometida a qualquer outro país, como parte do projeto da BRI, e prevê um enorme gasto em obras de infraestrutura de petróleo e gás natural do Irã, sob valores de US$280 bilhões e US$120 bilhões, respectivamente.

Segundo as informações disponíveis, a China pretende gastar US$120 bilhões para desenvolver a rede de transportes do Irã, a começar por uma rodovia de 2.300 quilômetros que deverá conectar Teerã a Urumqi, na província chinesa de Xinjiang. Esta rota será assessorada pela conexão Urumqi-Gwadar, construída segundo o projeto da “Nova Rota da Seda”, no chamado Corredor Econômico Paquistão-China. A estrada possui o ambicioso plano de conectar a China, quando concluída, a Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão e Turcomenistão; em seguida, Europa e Turquia.

Pequim também planeja empregar mais de 5.000 oficiais de segurança chineses para proteger seus investimentos no Irã. A China está entre os três maiores fornecedores de armas ao Irã, segundo dados do Instituto de Pesquisa de Paz Internacional de Estocolmo (SIPRI), ao exportar armas no valor de US$270 milhões a Teerã, entre 2008 e 2018. O primeiro exercício naval trilateral entre China, Rússia e Irã foi realizado no Golfo de Omã, em dezembro último. Estrategicamente, as três nações empoderam-se pela percepção em comum de um inimigo em Washington e de receios de intervencionismo militar dos Estados Unidos. O Irã busca expandir sua influência na região ao obter armas e expertise chinesas; a China busca desenvolver o Irã como mercado lucrativo de armas e baluarte estratégico contra forças americanas na Ásia.

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O principal conselheiro econômico do Supremo Líder do Irã, Aiatolá Ali Khamenei, é Ali Agha Mohammadi, que recentemente realizou um discurso televisionado para tratar da necessidade de ajuda financeira internacional. Mohammadi afirmou que, para permanecer agente majoritário no setor energético, Teerã precisa implementar sua produção de petróleo em ao menos 8.5 milhões de barris por dia; portanto, precisa da China. Em 2010, a China ultrapassou a União Europeia como maior parceiro comercial do Irã: cerca de um terço de todo o comércio internacional iraniano é conduzido com Pequim. A indústria petrolífera iraniana tornou-se mais dependente da China como parceiro comercial, à medida que Estados Unidos e União Europeia implementaram novas sanções às exportações de Teerã. Apenas 5% das exportações de petróleo iraniano eram destinadas à China, em 2000; entretanto, em 2011, já representavam 25% do total.

A China também tornou-se investidor majoritário nas indústrias de petróleo e gás natural do Irã, conforme sanções internacionais, lideradas por iniciativas da gestão americana, limitaram o acesso de Teerã a recursos estrangeiros e, portanto, a inovações necessárias para desenvolver sua indústria energética, em processo de declínio. Em 2012, no ápice das restritivas sanções econômicas, a China importou 54% da produção de petróleo do Irã, via estruturas financeiras alternativas, inclusive permuta. Há diversos motivos para China e Irã colaborarem como economias complementares. A China é o maior importador de petróleo do mundo e o Irã anseia por clientes dispostos a desafiar as sanções dos Estados Unidos. Além disso, o Irã depende de tecnologias modernas em áreas como infraestrutura ferroviária e redes de 5G, pontos fortes de empresas chinesas. Teerã cada vez mais volta-se a Pequim para pedir apoio em seu duradouro conflito com os Estados Unidos. A China também é abertamente favorável ao acordo nuclear iraniano, assinado em 2015, e prometeu mantê-lo mesmo após o governo de Donald Trump revogá-lo unilateralmente.

O Irã localiza-se no ponto crucial que conecta o Oriente Médio, a Ásia Central e o Sul da Ásia, além de redes comerciais críticas espalhadas por toda a região. Deste modo, Pequim identificou o Irã como elo fundamental ao projeto da BRI, para conectar Xinjiang ao Oriente Médio. Relações entre Pequim e Teerã, que datam da política de “Virada ao Oriente”, do ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, desenvolveram-se sob o governo do Presidente da China Xi Jinping, que lidera a ambiciosa iniciativa de seu país. A aliança desenvolveu-se ao longo de quatro décadas em três fases distintas: cooperação militar na Guerra Irã-Iraque, entre 1980 e 1988; cooperação energética na década de 1990, à medida que a China crescia rapidamente; e acordos de petróleo para reagir a sanções. A política de “máxima pressão” imposta ao Irã pelo governo de Donald Trump fracassou. Longe de isolar Teerã, como pretendia, o exercício de tamanha pressão econômica sobre o regime iraniano o levou gradualmente aos braços de Pequim. A China é criticada por observadores políticos ocidentais por sua chamada “diplomacia de dívida”, estratégia marcada pelo endividamento estatal via pacotes agressivos de investimento a países economicamente vulneráveis.

Tais políticas agem como vantagem para aquisições significativas de propriedades. Um dos exemplos mais proeminentes é o Porto de Hambantota, no Sri Lanka, emprestado pelo governo cingalês à China por 99 anos, após dificuldades para pagar empréstimos chineses. Da mesma forma, Pequim utiliza a vulnerabilidade crescente de Teerã, agravada pelas crises econômica e sanitária decorrentes da pandemia de covid-19. Os últimos ciberataques, conduzidos contra instalações marítimas e nucleares iranianas, também aproximaram Teerã dos braços de Pequim. Afinal, a superpotência em expansão fornece uma demanda insaciável por recursos energéticos, além de infraestrutura militar e industrial, enormes aquisições financeiras e possível escudo diplomático em âmbito global, conforme seu direito ao veto no Conselho de Segurança da ONU. Todos estes elementos são desesperadamente necessários ao Irã, hoje. O acordo não é apenas visto por ambas as nações como mutuamente vantajoso, mas também como possível ferramenta para desafiar a hegemonia dos Estados Unidos no Oriente Médio.

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A China enxerga possibilidades ininterruptas em sua parceria estratégica com o Irã, via fornecimento de petróleo a baixo custo, abundantes recursos minerais e mercado inexplorado. A estratégia de Pequim para o Irã é influenciada por indícios crescentes de sua presença no Golfo Persa, onde cuidadosamente desenvolve uma posição focada em laços diversos com poderes regionais, junto de uma confrontação global com os Estados Unidos. O Departamento de Estado em Washington já ameaçou impor medidas punitivas contra empresas chinesas, caso invistam no Irã e rompam as sanções americanas. Não obstante, a China já está envolvida em uma guerra comercial e tecnológica com os Estados Unidos e parece determinada a ir adiante, neste caso, com sua parceria iraniana. Embora em menor volume, Pequim continuou a comprar petróleo iraniano mesmo no último ano, após expirar uma série de isenções sobre as sanções americanas, em maio de 2019.

Com os Estados Unidos atolados em exaustivas guerras no Oriente Médio, ao longo dos anos, a China consistentemente aumentou suas operações políticas, comerciais e mesmo militares na região. Seus motivos são claros, embora variados. O governo chinês pretende promover tais objetivos, por exemplo, via necessidade crescente por suprimentos de petróleo e destinos possíveis para seu excedente de mão-de-obra e capital. A China está ciente de que nenhuma das potências globais retornou inabalada de guerras no Oriente Médio e que enfrentam hoje uma ampla variedade de obstáculos. As enormes fissuras políticas na região tornam impossível para que entidades estrangeiras não assumam lados nos numerosos conflitos. Tudo isso apresenta um desafio à China, que busca constituir parceria com tudo e todos, sem diferença – Irã, Israel, estado árabes etc –, a fim de agregar vantagens à sua presença global.

Mesmo caso ganhe vida apenas uma pequena porção de tamanho projeto, vislumbrado pelo pacto sino-iraniano, de fato este representa uma ameaça letal à campanha da gestão Trump contra Teerã. Os investimentos da China no Irã permitem a superpotência asiática a exercer sua influência sobre a política externa iraniana. Portanto, permitirão a China concretizar três objetivos: diversificar suas demandas energéticas sem depender demais da Rússia; promover sua oferta alternativa ao “consenso de Washington”, em desafio às sanções americanas contra o Irã, ao preservar negócios com Teerã; e controlar o acesso da Índia à Ásia Central, ao implementar maiores laços com o estado iraniano.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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