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Com lista de possíveis investigados vazada, Tel Aviv teme o pior no TPI

Procuradora do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, falando no Fórum de Oslo em 17 de junho de 2015 [Stine Merethe Eid / Wikipedia]
Procuradora do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, falando no Fórum de Oslo em 17 de junho de 2015 [Stine Merethe Eid / Wikipedia]

Quando o procuradora do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, confirmou em dezembro passado que o Tribunal possui amplas evidências para realizar uma investigação de crimes de guerra na Palestina ocupada, o governo israelense respondeu com a retórica usual, acusando a comunidade internacional de preconceito e insistindo no “direito de Israel de se defender”.

Apesar de seus clichês e seu típico discurso, o governo do Israel sabe muito bem que uma investigação do TPI sobre crimes de guerra na Palestina pode custar caro. Uma investigação, por si só, representa uma espécie de acusação. Agora, se os israelenses fossem acusados ​​de crimes de guerra, isso seria outra questão, pois tornaria uma obrigação legal para os membros do TPI prenderem os criminosos e entregá-los ao Tribunal.

Israel permaneceu sereno publicamente, mesmo depois que Bensouda, em abril passado, redigiu sua decisão de dezembro com um relatório jurídico de 60 páginas intitulado: “Situação no Estado da Palestina: resposta da Procuradoria às observações de amici curiae, representantes legais de vítimas e Estados”.

No relatório, o TPI abordou muitas das perguntas, preocupações e relatórios apresentados ou levantados nos quatro meses seguintes à sua decisão anterior. Países como Alemanha e Áustria, entre outros, usaram sua posição como amici curiae – “amigos da corte” – para questionar a jurisdição do TPI e o Estado da Palestina como país.

Bensouda insistiu em que “a Procuradoria está convencida de que existe uma base razoável para iniciar uma investigação sobre a situação na Palestina, de acordo com o artigo 53 (1) do Estatuto de Roma, e que o escopo da jurisdição territorial da Corte inclui Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental e Gaza (Território Palestino Ocupado)”.

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No entanto, Bensouda não forneceu prazos definitivos para a investigação, em vez disso, solicitou que a Câmara de Pré-Julgamento do Tribunal Penal Internacional “confirme o escopo da jurisdição territorial do Tribunal na Palestina”, uma etapa adicional que dificilmente é necessária, pois que o Estado da Palestina, signatário do Estatuto de Roma, é aquele que realmente encaminhou o caso diretamente para à Procuradoria.

O relatório de abril, em particular, foi o alerta para Tel Aviv. Desde a decisão inicial, em dezembro, até a publicação do último relatório, Israel fez lobby em muitas frentes, recrutando a ajuda de membros da TPI e recrutando seu maior benfeitor, Washington — que não é membro da TPI — para intimidar a Corte para revogar sua decisão.

Em 15 de maio, o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, alertou o TPI contra a investigação, tendo como alvo Bensouda, em particular, por sua decisão de responsabilizar criminosos de guerra na Palestina.

Em 11 de junho, os EUA impuseram sanções sem precedentes contra o Tribunal Penal Internacional, e o presidente Donald Trump emitiu uma “ordem executiva” autorizando o congelamento de bens e a proibição de viagens a funcionários do Tribunal e suas famílias. A ordem também permite a punição de outras pessoas ou entidades que auxiliam o TPI em sua investigação.

Donald Trump, Presidente dos EUA, na Casa Branca em 20 de abril de 2020 em Washington, DC [Alex Wong / Getty Images]

Donald Trump, Presidente dos EUA, na Casa Branca em 20 de abril de 2020 em Washington, DC [Alex Wong / Getty Images]

A decisão de Washington de adotar medidas punitivas contra a própria Corte por tentar responsabilizar os criminosos de guerra é ao mesmo tempo, escandalosa e abominável. Também expõe a hipocrisia de Washington: o país que afirma defender os direitos humanos, está tentando impedir a responsabilidade legal daqueles que violaram os direitos humanos.

Ao não deter os procedimentos legais do TPI em relação à investigação de crimes de guerra, Israel começou a se preparar para o pior. Em 15 de julho, o jornal israelense Haaretz noticiou uma “lista secreta” elaborada pelo governo israelense. A lista inclui “entre 200 e 300 funcionários”, variando de políticos a oficiais militares e de inteligência, sujeitos a prisão no exterior, caso o TPI abra oficialmente a investigação de crimes de guerra.

Os nomes começam no topo da pirâmide política israelense, entre eles o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu atual parceiro de coalizão, Benny Gantz.

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Em si mesmo, o número de oficiais israelenses na lista é indicativo do escopo da investigação do TPI e, de alguma forma, é uma auto-acusação, pois os nomes incluem ex-ministros da Defesa de Israel – Moshe Ya’alon, Avigdor Lieberman e Naftali Bennett; atuais e ex-chefes do exército – Aviv Kochavi, Benny Gantz e Gadi Eisenkot e atuais e ex-chefes de inteligência interna, o Shin BetNadav Argaman e Yoram Cohen.

Organizações internacionais respeitadas de direitos humanos já acusaram repetidamente todas essas pessoas de graves violações de direitos humanos durante as agressões letais de Israel à Faixa de Gaza, sitiada, começando com a chamada ‘Operação Chumbo Fundido’ em 2008 e 2009.

Mas a lista é muito mais longa, abrangendo “pessoas em posições muito mais subalternas, incluindo oficiais militares de baixa patente e talvez até oficiais envolvidos na emissão de vários tipos de permissões de assentamentos e postos avançados”.

Assim, Israel compreende plenamente o fato de a comunidade internacional continuar a insistir em que a construção de colônias ilegais na Palestina ocupada, a limpeza étnica dos palestinos e a transferência de cidadãos israelenses para terras ocupadas são todos inadmissíveis sob o direito internacional e equivalem a crimes de guerra. Netanyahu deve ficar desapontado ao saber que todas as concessões de Washington a Israel sob a presidência de Trump falharam em alterar a posição da comunidade internacional e a aplicabilidade do direito internacional de qualquer maneira.

Além disso, não seria exagero argumentar que o adiamento de Tel Aviv de seu plano de anexar ilegalmente quase um terço da Cisjordânia está diretamente relacionado à investigação do Tribunal Penal Internacional, pois a anexação teria frustrado completamente os esforços dos amigos de Israel para impedir a investigação.

Enquanto o mundo inteiro, especialmente os palestinos, os árabes e seus aliados, aguardam ansiosamente a decisão final da Câmara de Pré-Julgamento, Israel continuará sua campanha aberta e secreta para intimidar o TPI e qualquer outra entidade que pretenda expor os crimes e processar os criminosos de guerra israelenses.

Washington também continuará se esforçando para garantir que Netanyahu, Gantz e as “200 a 300” outras autoridades israelenses nunca vejam seu dia no tribunal.

No entanto, o fato de existir uma “lista secreta” é uma indicação de que Tel Aviv entende que os tempos mudaram  e que o direito internacional, que fracassa com os palestinos há mais de 70 anos, pode, pela primeira vez, entregar ao menos uma pequena medida de justiça.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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