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Jeremy Corbyn foi derrotado por recusar-se a enfrentar o lobby israelense

Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista britânico [Twitter]

Então é assim. Jeremy Corbyn está fora. Não com um estrondo, somente um lamento.

Com a atenção da imprensa devidamente focada na pandemia de coronavírus, a cobertura à renúncia de Corbyn como líder do Partido Trabalhista no último fim de semana foi bastante abafada.

Na verdade, o fim já era iminente no momento em que Corbyn anunciou, logo após o resultado das eleições de dezembro, que renunciaria em um futuro próximo.

Com todos os seus defeitos, Corbyn e o movimento popular liderado por ele representaram a única e maior chance de uma mudança radical no país para toda uma geração. Agora, tudo se foi e a mobilização deu lugar ao luto.

Este fato marca o fim de uma era na política britânica – com efeito, na política global.

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Corbyn representou um desafio contundente aos quarenta anos de consenso neoliberal entre os líderes políticos do Ocidente. Quanto a isso, mesmo derrotado, obteve certo êxito, pois a narrativa nacional alterou-se de modo irreversível – a austeridade foi enfim derrotada.

No cenário atual, tornou-se bastante inverossímil que um político britânico sequer fale em cortes a serviços públicos, em particular ao Serviço Nacional de Saúde (NHS), sistema público do Reino Unido responsável pelo combate ao coronavírus.

Corbyn exerceu um papel crucial ao trazer mudança no modo como se discute política em todo o país.

Mas sejamos diretos, Corbyn perdeu as eleições. Não há contestação a este fato e representou, portanto, uma grave derrota ao movimento de esquerda.

Então, qual foi a causa de sua derrota?

No reino dos obituários já escritos sobre a carreira política de Jeremy Corbyn, muitos analisaram esta questão. Mas poucos reconheceram um lado bastante significativo à derrota de Corbyn, senão o maior fator de todos – a recusa de Corbyn em combater o lobby de Israel.

No decorrer de cinco anos, o lobby israelense, aliado à própria ala conservadora do Partido Trabalhista, difamou e caluniou incansavelmente a figura de Corbyn e seu movimento, ao alegar uma crise de antissemitismo.

Trata-se da mesma estratégia de décadas empregada por Israel e seus lobistas contra eventuais críticos, ainda utilizada, pois ainda funciona.

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Corbyn infelizmente não apresentou qualquer estratégia para reagir aos ataques. Ao contrário, traiu mesmo posições da esquerda trabalhista ao começar a fazer concessões sobre a questão.

Relutantemente, deixou-se levar pelas difamações, ao reiterar desculpas pelo suposto antissemitismo no Partido Trabalhista, quando de fato tratava-se de algo quase absolutamente inexistente – como demonstrado por resultados de uma série pesquisas empíricas conduzidas reiteradamente.

As desculpas foram em vão. O lobby israelense manteve demandas cada vez maiores. Queriam que Corbyn abandonasse o pleito e insistiram, portanto, na campanha de difamação até o amargo fim.

Um líder de um dos tais grupos pró-Israel publicou um vídeo bizarro no Natal do último ano, gabando-se euforicamente que haviam “massacrado” Corbyn.

“Derrotamos ele”, anunciou com orgulho Joe Glasman, da chamada Campanha contra o Antissemitismo. “Eles tentaram nos matar”, gritou Glasman, “mas vencemos”. Evidentemente, Campanha contra o Antissemitismo é um nome bastante falacioso. Um título mais apropriado seria Campanha contra os Palestinos.

Apesar de suas mentiras sobre antissemitismo no Partido Trabalhista, Glasman está correto em um aspecto, ao menos: o lobby israelense de fato venceu Corbyn.

O sucesso da campanha de difamação que tanto alegou uma “crise de antissemitismo no Partido Trabalhista” deverá ser enfrentado diretamente pela esquerda britânica, caso queiram ter qualquer êxito em mudar o país.

E não é o caso do lobby de Israel ser absolutamente todo poderoso em termos objetivos – pois de fato não é, o que torna a situação particularmente trágica. Caso Corbyn tivesse verdadeiramente enfrentado a campanha difamatória, o lobby teria implodido.

Ao contrário, lavou as mãos, à medida que bons socialistas e antirracistas como Ken Livingstone, Marc Wadsworth, Jackie Walker e Chris Williamson eram expulsos um a um do Partido Trabalhista.

Corbyn falhou até mesmo em impedir que o próprio partido adotasse a redefinição falaciosa de antissemitismo imposta pela Aliança Internacional de Memória do Holocausto – a qual deliberadamente associa campanhas de solidariedade palestinas com racismo antijudaico.

Uma pesquisa conduzida por Michael Ashcroft, membro da Câmara dos Lordes, logo após as eleições gerais indicou que a campanha de difamação realmente foi bem sucedida. A campanha de fato representou uma das cinco principais razões pela qual eleitores voltaram-se contra Corbyn, mesmo depois dos avanços significativos nas eleições de 2017.

A pesquisa também demonstrou empiricamente que quase um terço dos membros do Partido Trabalhista pensavam que a crise de antissemitismo fora “inventada ou gravemente exagerada”. Entre membros do movimento progressista Momentum, ligado ao Partido Trabalhista, este mesmo índice equivale a 92%.

Se ao menos Corbyn e sua equipe tivessem ouvido seus próprios filiados ao invés de tentar acolher seus mais amargos adversários dentro do partido – em particular elementos sionistas internos ao Partido Trabalhista, como o Movimento Trabalhista Judaico e a parlamentar de direita Margaret Hodge –, talvez houvesse uma chance.

Caso a esquerda britânica tenha esperanças de evitar o mesmo destino de Corbyn no futuro, terá de aprender uma dura lição: jamais fazer concessões ao lobby israelense. Nunca será suficiente. Portanto, seria melhor rejeitar suas demandas logo de imediato.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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