A decisão de Israel e da Índia de finalizar um acordo de proteção a investimentos visa reforçar as políticas fascistas de ambos os países e garantir impunidade mútua, afirmaram especialistas.
Na última semana, o governo israelense anunciou que está concluindo um Acordo de Proteção a Investimentos (IPA, na sigla em inglês) com a Índia, com o objetivo de reduzir os riscos ao investir nos respectivos países, diante de um contexto de inseguranças.
Especialistas e ativistas de direitos humanos notaram à rede Middle East Eye que o acordo é uma tentativa de estimular a confiança dentre investidores – ainda que baixa – e igualmente fornecer cobertura material para o genocídio de Israel em Gaza.
“Sob o pretexto de uma relação comercial – que certamente trará consequências letais para as populações marginalizadas nos dois países – Índia e Israel concederão impunidade mútua por suas atividades ilegais e discriminatórias”, destacou um ativista indo-americano sediado em Boston, em condição de anonimato.
“Essa medida garante que ambos os países lucrarão imensamente com o crescimento de suas próprias ideologias fascistas”, acrescentou. “Isso é aterrorizante”
LEIA: Sete manifestantes foram presos na Índia por distribuir cartazes pró-Gaza
Ao anunciar o possível acordo na terça-feira, 8 de julho, o ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, descreveu o aprofundamento dos laços econômicos como uma das “metas” que estabeleceu para seu mandato – movimento que, segundo observadores, foi recebido com reciprocidade por Nova Delhi.
“Aprofundar os laços econômicos com a Índia é um dos objetivos que tracei”, disse Smotrich, antes de classificar o país como “verdadeiro amigo de Israel”.
Abdulla Moaswes, escritor e acadêmico palestino radicado no Reino Unido, explicou ao Middle East Eye que o governo indiano utiliza deliberadamente os crescentes laços econômicos com o Estado ocupante para projetar “vitórias diplomáticas junto à sua base eleitoral, onde o apoio a Israel é um sentimento popular”.
Moaswes afirmou que esse apoio é impulsionado pela fascinação do partido governante indiano, o Bharatiya Janata (BJP), pelo sionismo. Segundo sua análise, Nova Delhi calculou corretamente que o apoio contínuo a Israel seria mais vantajoso politicamente do que condenar a genocídio em curso na Faixa de Gaza.
Sob o governo do primeiro-ministro Narendra Modi, a Índia tem avançado progressivamente rumo a um “Hindu Rashtra” (Estado Hindu), onde hindus gozam de supremacia sobre outros grupos.
Muçulmanos e cristãos tornaram-se alvos preferenciais de ataques e são tratados como cidadãos de segunda classe. Paralelamente, amplos setores da sociedade civil foram desmantelados, com vozes dissidentes na mídia sendo repetidamente silenciadas.
Meera Sanghamitra, coordenadora da Aliança Nacional de Movimentos Populares (NAPM), classificou o aprofundamento das relações entre Índia e Israel como particularmente “vergonhoso”, sobretudo após a decisão de Nova Delhi de se abster em uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), em junho, que reivindicava um cessar-fogo imediato em Gaza.
“Além da vergonhosa abstenção na Assembleia Geral, as iniciativas do atual regime para aprofundar laços diplomáticos e comerciais com uma nação genocida são moralmente repugnantes”, denunciou Sanghamitra. “Exigimos que o governo da Índia não concretize o acordo de proteção de investimentos com Israel e, em vez disso, una-se à comunidade internacional para responsabilizar o governo [do primeiro-ministro Benjamin] Netanyahu por todos seus crimes de guerra”.
O portfólio econômico de Israel
O momento do anúncio do acordo coincide com o fato de que a economia israelense ainda sofre impactos da decisão do governo de travar múltiplas guerras em toda a região. No início de 2025, o regime israelense decidiu aumentar os gastos militares em 21% em relação ao ano anterior, apesar de o crescimento econômico em 2024 ter sido de apenas 0,9%.
Investidores parecem alarmados com os gastos exorbitantes de Tel Aviv. A suspensão das operações da gigante de navegação Maersk no porto de Haifa também não ajudou. A paralisação atingiu o coração do setor logístico e de cadeia de suprimentos de Israel.
LEIA: Limites da força e resiliência econômicas: as lições da Guerra Israel-Irã
A Adani Ports & Special Economic Zone Ltd, por exemplo, detém a maioria das ações no porto de Haifa e faz parte do Corredor Econômico Índia–Oriente Médio–Europa, que tem importância estratégica para ambos os países.
Embora a Índia tenha se projetado como pró-Palestina por décadas, Nova Delhi mantém relações militares secretas com Israel desde os anos 1960, importando armamentos. Os laços foram oficialmente normalizados em 1992, e as relações militares rapidamente se tornaram a base da parceria.
Fora o comércio de diamantes, as relações econômicas entre os dois países giram em torno de US$ 4,7 bilhões anuais, com a Índia agora sendo o sexto maior parceiro comercial de Israel. Cerca de um terço desse montante vem de serviços empresariais.
Crucialmente, a Índia é também a maior importadora de armas israelenses, sustentando, na prática, o complexo militar-industrial de Israel. Nos últimos sete anos, Nova Delhi também buscou produzir armas israelenses em seu próprio território.
Segundo Moaswes, o persistente apoio da Índia a Israel deve ser visto como um esforço para consolidar suas próprias políticas na Caxemira, sob ocupação indiana, bem como contra as comunidades islâmicas do país.
“Nesse sentido, a busca da Índia por mais investimentos israelenses – incluindo a assinatura deste acordo de proteção de investimentos, além das políticas do programa ‘Make in India’ do BJP – deve ser compreendida como uma continuação da construção de dependência mútua entre os dois Estados”, observou Moaswes.
Há quase dois anos, ativistas na Índia vêm exigindo que o país mude sua relação com Israel após a descoberta de que Nova Delhi enviou drones de combate e um sistema de armas com inteligência artificial para apoiar os esforços de guerra israelenses.
LEIA: Como a Índia implementa o ‘modelo israelense’ na Caxemira ocupada
Líderes sindicais também reivindicam do governo indiano que abandone planos para enviar milhares de trabalhadores indianos para substituir palestinos no setor da construção civil nos territórios ocupados.
Nova Delhi, no entanto, não demonstrou qualquer intenção de ceder às pressões, ao classificar o os contratos de armas com Israel como “interesse nacional”.
Enquanto isso, os laços econômicos entre os dois países continuam a se fortalecer. Em fevereiro, o ministro da Economia de Israel, Nir Barkat, visitou a Índia com uma delegação empresarial de alto nível, incluindo companhias israelenses dos setores de tecnologia, manufatura, saúde, agrotecnologia, processamento de alimentos, defesa, segurança interna, gestão hídrica, logística e varejo.
Em comunicado divulgado antes do encontro, o governo indiano afirmou que ambos os países compartilham um “compromisso comum com avanço tecnológico, inovação e empreendedorismo – o que os torna aliados econômicos naturais”.
Nos últimos meses, think tanks israelenses têm promovido o que chamam de “virada ao Oriente”, à medida que as fissuras com o público ocidental se ampliam.
Com estudantes de universidades ocidentais exigindo o boicote a instituições israelenses, universidades no Estado ocupante têm buscado novas parcerias com a Índia, a fim de diversificar colaborações e aproveitar a expertise indiana em tecnologia da informação e engenharia.
Paralelamente aos acordos financeiros, o governo indiano também tem agido para reprimir o crescente dissenso contra suas políticas pró-Israel.
Em junho, manifestantes em Nova Delhi foram agredidos pela polícia ao protestarem contra o ataque de Israel à Flotilha da Liberdade, que contava com a presença de ativistas como Greta Thunberg.
“O governo reprimiu violentamente protestos e discursos pró-Palestina e continua a propagar a narrativa de que Índia, Estados Unidos e Israel estão lutando em três frentes de uma mesma guerra, contra um ‘inimigo muçulmano global ou transnacional'”, afirmou Moaswes.
Os laços crescentes entre Índia e Israel ganharam destaque durante os confrontos de Nova Delhi com o Paquistão em maio, quando a Índia utilizou drones israelenses.
“Devemos encarar a aliança Índia-Israel como o próximo passo na consolidação de Estados militares etnonacionalistas em escala global e nos comprometer a levar nossa luta para além das fronteiras”, concluiu o ativista indo-americano. “Como grande parceiro no comércio de armas, junto de Israel, a Índia deixou claro que sua política externa reflete um interesse direto no complexo militar-industrial global”.
LEIA: Além das manchetes: Expondo a maquinaria da propaganda indiana
Artigo publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 11 de julho de 2025
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.
