Missões da ONU não nos protegeram na Bósnia — falharão também em Gaza

Nidzara Ahmetasevic
5 meses ago

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Em 11 de julho de 2003, grandes cartazes surgiram nas ruas de Sarajevo, com uma moça encarando diretamente a câmera. Em inglês, lia-se: 

Sem dentes…?

Tem bigode…?

Cheira a merda…?

É uma menina bósnia!

Na parte inferior, uma legenda explicava: “Pichação feita por um soldado holandês desconhecido no muro do quartel militar em Potocari, Srebrenica, entre 1994 e 1995. As tropas do Exército Real da Holanda, parte da Força de Proteção das Nações Unidas (Unprofor) na Bósnia e Herzegovina, entre 1992 e 1995, eram responsáveis pela zona de segurança em Srebrenica”.

A obra, que ganhou reconhecimento internacional após ser exibida em galerias ao redor do mundo, foi criada pela artista de Sarajevo Sejla Kameric, usando uma imagem do fotógrafo local Tarik Samarah em Potocari, algum tempo depois de 2001.

Três décadas depois, novos apelos ressoam para que forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) sejam enviadas a Gaza e outras partes da Palestina. Custa-me ver, no entanto, que benefício isso traria para pessoas vivendo sob ocupação, privadas até mesmo de seus direitos mais básicos — incluindo o direito à vida.

Obra de Sejla Kameric, com colagem de pichações das tropas de paz da ONU, em Berlim, na Alemanha, em outubro–novembro de 2019 [Creative Commons/Wikimedia]

A traição da ONU

Oito anos antes de Kameric criar sua obra, na manhã de 3 de julho de 1995, forças militares e policiais lideradas pelo criminoso de guerra condenado Ratko Mladić entraram na cidade de Srebrenica.

Após mais de três anos sob cerco, dezenas de milhares de residentes fugiram. Dirigiram-se para a base da ONU em Potocari, desesperados por proteção e na esperança de que as centenas de soldados de paz holandeses lá estacionados, desde 1993, fossem capazes de fornecê-la.

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Logo, mais de seis mil pessoas estavam amontoadas dentro do complexo da ONU, com outras 20 mil abrigadas em edifícios próximos.

Em 11 de julho de 1995, as tropas de Mladić começaram a separar os homens das mulheres, crianças e idosos. Ônibus chegaram no local para transportar aproximadamente 25 mil pessoas para fora de Srebrenica, para áreas fora do controle de Mladić. Os homens restantes — mais de oito mil — foram levados, e a maioria nunca mais foi vista com vida.

Aqueles cujos restos mortais foram encontrados, às vezes apenas um único osso, agora estão enterrados no Centro Memorial, no local da antiga base das Nações Unidas.

Sete ossos identificados foram enterrados em 11 de julho deste ano, trinta anos após o genocídio. Milhares seguem desaparecidos.

Para os bósnios, naquele dia sufocante de julho de 1995, até mesmo a ideia de proteção da ONU morreu em Potocari. O genocídio em Srebrenica foi cometido diante dos olhos dos soldados de paz das Nações Unidas, que não somente falharam em evitá-lo, como sequer tentaram. Rapidamente, a principal preocupação da comunidade internacional passou a ser como evacuar os soldados holandeses e agentes estrangeiros de Srebrenica. Não pediram reforços, embora pudessem. Não usaram suas armas para defender os civis. Permaneceram parados enquanto as pessoas eram separadas, executadas, expulsas, estupradas e roubadas.

Por anos após aquele verão, ninguém entrou na base das Nações Unidas em Potocari. Quando enfim tiveram acesso, em 2001, encontraram pichações deixadas pelos soldados holandeses — incluindo aquela usada na obra de Kameric.

A data exata em que a pichação foi feita não é clara, mas registra como os soldados holandeses viam as mulheres que — como todos em Srebrenica — estavam presas em uma cidade sitiada, agarrando-se às suas vidas em situação de miséria.

Em outubro de 1995, a Human Rights Watch (HRW) publicou seu primeiro relatório sobre Srebrenica e o papel incipiente das Nações Unidas. A conclusão foi: “Embora as áreas seguras possam ter sido criadas com boas intenções, na realidade, tornaram-se guetos étnicos administrados pela ONU”.

Áreas (in)seguras

Após o fim da guerra, com a assinatura do acordo de paz em dezembro de 1995, os sobreviventes de Srebrenica iniciaram sua longa luta por justiça.

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Exigiam — e continuam a exigir — que todos os corpos dos desaparecidos sejam encontrados e identificados, e que os criminosos sejam levados à justiça.

Parte dessa luta, liderada principalmente por associações de mulheres sobreviventes, concentrou-se em responsabilizar a ONU e o batalhão holandês.

Alguns até moveram processos judiciais na Holanda. Em um dos primeiros casos, onze cidadãos acusaram os Países Baixos e as Nações Unidas de falharem em prevenir o genocídio. Em julho de 2008, contudo, um tribunal holandês rejeitou o caso, ao alegar não ter jurisdição sobre a ONU e citar a suposta imunidade da instituição contra processos por crimes cometidos durante suas missões.

Após a decisão, um grupo de sobreviventes entrou com uma nova ação judicial, desta vez contra o governo holandês. Argumentavam que, muito embora os soldados fizessem parte de uma missão da ONU, o governo da Holanda usufruía de controle de fato sobre suas tropas em Srebrenica. A justiça holandesa, a princípio, indeferiu também este caso, ao insistir no mandato da ONU, sem haver, portanto, responsabilidade do Estado holandês — um paradoxo jurídico.

Após anos e anos de batalhas judiciais e numerosas decisões judiciais, em 2019, o Supremo Tribunal da Holanda finalmente considerou o Estado parcialmente responsável — apenas por 10% das mortes de 350 homens bósnios que haviam sido expulsos do complexo das Nações Unidas. Para a corte, em uma matemática heterodoxa, haveria 10% de chance de os soldados holandeses terem evitado os assassinatos se tivessem agido de forma distinta.

Durante a guerra na Bósnia, seis cidades — incluindo Srebrenica e Sarajevo, onde vivo — foram declaradas “áreas seguras” pelo Conselho de Segurança da ONU.

Forças de paz foram enviadas, mas sem um mandato claro, inclusive sobre se as tropas estavam autorizadas a usar a força para proteger civis. O que nós — civis — aprendemos foi que elas não estavam autorizadas. Ou melhor, que isso dependia de comandos individuais. Enquanto morríamos, oficiais da ONU realizavam reuniões intermináveis, faziam promessas, expressavam suposto choque e incredulidade — embora nada fizessem ada para impedir os crimes.

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Missões de paz da ONU seguem envoltas em controvérsias — onde quer que sejam implantadas. Uma das questões mais graves e persistentes é a exploração sexual de mulheres. Soldados de “paz” são agentes armados de diferentes países e devem respeitar as políticas de seus respectivos Estados. Muitas vezes, sabem pouco ou nada sobre as pessoas ou os lugares para onde são enviados.

Ao mesmo tempo, são instruídos a não interferir com a população local — uma estrutura que cria, como argumenta a especialista em conflitos Séverine Autesserre, em seu livro Peaceland, “uma disparidade de poder generalizada entre os interventores e seus supostos beneficiários”. Além disso, os desdobramentos de forças de paz são caros, e os fundos raramente chegam às comunidades locais.

Em Sarajevo, outra “área segura” na década de 1990, os soldados da Unprofor eram uma presença constante — tanques brancos, capacetes azuis, equipamentos de proteção completos. Armados, bem alimentados e com água suficiente não somente para beber, mas para tomar banho — um luxo para nós —, eram visíveis nas ruas. Geralmente, nós os víamos dirigindo a esmo ou ociosos, assistindo-nos correr por nossas vidas — ou sermos mortos.

Em certo momento, passaram a improvisar barricadas pela cidade para servir como suposta proteção visual contra atiradores. Parecia ser tudo que estavam dispostos a fazer. Cada um desses contêineres tinha uma placa preta grande: “ONU” — um lembrete gritante de que, mesmo quando a verdadeira proteção desaparece, a imagem pública das Nações Unidas prevalece.

Algum tempo depois, alguém escreveu logo abaixo a palavra “perdoado” — um comentário certamente assombroso.

Ilusão de segurança

O papel da ONU e de suas tropas permanece problemático — não vejo razão para acreditar que o caso palestino será diferente. Enviar “forças de paz” das Nações Unidas implica uma falsa simetria — que dois lados estão em guerra e precisam ser separados. Ignora décadas de colonialismo de colonos, apartheid, roubo de terras, encarceramento, violência e violações sistemáticas dos direitos humanos. Em vez de abordar abusos generalizados, os encobre com uma tampa azul.

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Há outras propostas, como o uso de segurança privada — uma opção ainda pior e menos responsável, como visto no Iraque e no Afeganistão.

O genocídio dos palestinos, em curso há décadas e agora em seu estágio mais extremo, exige outras soluções. Se olharmos para o passado recente, devemos admitir que a comunidade internacional ainda não encontrou nenhuma. Até agora, todas as intervenções externas trouxeram apenas mais e mais miséria para a população local — e mais lucro para aqueles que intervêm.

Soluções verdadeiras exigem uma nova maneira de olhar para o conflito e a militarização, baseada nas lições do passado, incluindo a experiência bósnia. Mais importante ainda, devem vir dos próprios sobreviventes, com base em seu conhecimento e realidade vivida.

Mas nenhuma solução é possível sem dar o primeiro passo: um cessar-fogo total. Enquanto isso não acontecer, discussões sobre forças de paz ou propostas semelhantes são uma distração — uma forma de prolongar a violência, em vez de detê-la. E servirão para estender ainda mais o aval do Ocidente a Israel para continuar a matar.

No 30º aniversário do genocídio de Srebrenica, lembremos: a paz vem com liberdade, não com as Nações Unidas.

Artigo publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 11 de julho de 2025 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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