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Expondo Israel: Gaza, protestos e as ‘selfies’ do Madleen

12 de junho de 2025, às 17h01

Escultura de areia do artista palestino Yazeed Abu Jarad homenageia o barco Madleen, na costa da Cidade de Gaza, em 9 de junho de 2025 [Abdalhkem Abu Riash/Agência Anadolu]

O recente incidente com a embarcação humanitária Madleen, com ativistas célebres e amplo acompanhamento para suprir um volume modesto de assistência humanitária a civis em Gaza, é apenas um dos diversos esforços já realizados para romper o bloqueio imposto por Israel. É fácil se esquecer que, antes do programa de extermínio em curso, para esvaziar o enclave seus cidadãos palestinos, desde outubro de 2023, Gaza já havia se tornado a maior prisão a céu aberto de todo o mundo. Uma estrutura que converteu seus cidadãos em prisioneiros retidos em um estado de privação perpétua, postos sob constante vigilância, à mercê de caprichos de uma potência ocupante, senão in loco, de fato. A qualquer momento, agentes políticos podem ser executados extrajudicialmente e famílias podem ser obliteradas.

Em 2008, o Movimento Gaza Livre conseguiu chegar ao enclave com dois navios. Pelos próximos oito anos, somente cinco dos 31 barcos que tentaram conseguiram concluir a jornada. Em 2010, comandos israelenses expuseram seus hábitos de violência ao matar dez ativistas e ferir dezenas no Mavi Marmara, um barco com cem toneladas de bens essenciais, como itens escolares, materiais de construção e dois geradores elétricos. A iniciativa partiu da Fundação de Ajuda Humanitária (IHH), uma ong turca, como um dos seis barcos que formaram a flotilha. Seguiu-se a indignação e as feridas deste incidente permanecem abertas.

Com as chamadas Forças de Defesa de Israel e seus guerreiros evangélicos pregando a destruição dos palestinos, assim como de qualquer esperança de um Estado funcional ou viável, um coletivo impotente de nações — sejam aliados de Israel, ou críticos — se mostrou incapaz de conter a brutalidade da campanha contra Gaza. E mesmo as ações armadas do movimento Hezbollah no Líbano e do grupo houthi no Iêmen pouco deram frutos. Dada a ausência de eficácia e determinação, a tragédia assume um caráter de teatro farsesco.

A iniciativa do barco Madleen, parte da Coalizão da Flotilha da Liberdade, partiu em 1º de junho da Sicília, com itens médicos, kits de dessalinização, alimentos e fórmula para bebês e crianças. A jornada teve um fim abrupto com a interceptação ilegal por forças israelenses em águas internacionais, a cerca de 185 km de Gaza. Com a participação da ilustre ativista sueca Greta Thunberg, da eurodeputada franco-palestina Rima Hassan e do comunicador e ambientalista brasileiro Thiago Ávila, além do jornalista da rede Al Jazeera Omar Faiad, não se tratou de um esforço vão ou convencional.

Protesto contra a interceptação do barco Madleen por Israel, em Toronto, no Canadá, em 9 de junho de 2025 [Mert Alper Dervis/Agência Anadolu]

Celebridades, quando vistas diante de problemas éticos e morais, arriscam trivializar a causa ante os holofotes, senão ao obscurecê-la no decorrer do processo. Thunberg, por todos os seus princípios, tornou-se tanto uma ativista profissional quanto superestrela no circuito de protestos. Muito associada contrapor e constranger os negacionistas das mudanças climáticas, bem como líderes displicentes demais em lidar com suas densas pegadas de carbono, sua presença na tripulação do Madleen parece um lembrete de que o ativismo calculado é parte do espetáculo midiático — uma versão de montagem rápida das lojas IKEA, pronta para exportação.

Não se trata de criticar Thunberg ou o propósito de sua empreitada. Sua presença, e de todos aqueles engajados na missão, mostrou-se um verdadeiro desafio aos planos de Israel para Gaza. Fossem espertos, os burocratas teriam aderido a um silêncio estoico, deixado a situação morrer como um mero evento midiático, como ruído nos artigos a serem mercantilizados em uma superlotada infosfera. Mas o instinto criminoso, ou ao menos a tendência dolosa ao crime, é tão estrondosa quanto irracional. O falatório não termina, porque justificativas para tais comportamentos tampouco têm fim.

O Ministério de Relações Exteriores de Israel, por exemplo, pensou ser sábio tripudiar da ação ao chamá-la de “navio das celebridades” ou um “golpe de publicidade — com menos de uma carga de ajuda —, um iate das selfies”. Ao capturar o histórico execrável de Israel em permitir assistência a conta-gotas aos palestinos de Gaza, quando muito, o ministério seguiu a fantasiar sobre 1.200 caminhões e 11 milhões de refeições enviados supostamente ao enclave, sem mencionar, é claro, massacres de próprio punho contra aqueles que buscavam tais ajudas, recrutamento de milícias ou o contexto grotesco da Fundação Humanitária de Gaza.

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O ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, emitiu uma nota prometendo “não permitir que ninguém viole o bloqueio naval a Gaza, cujo propósito primário é impedir o envio de armas ao Hamas, uma organização terrorista e assassina [sic], que mantém nossos reféns e comete crimes de guerra [sic]”.

Ao reagir à embarcação, os israelenses não desapontaram. Deram uma nova camada às cenas de costumeira violência, muito embora seus marqueteiros soubesse que matar Thunberg e tratar o resto da tripulação como qualquer refugiado de Khan Yunis jamais imprimiria bem. A imposição de sofrimento teve de ser restrita, de forma magistral, como uma tortura premium administrada pelo alto escalão. Desta vez, mísseis e drones não foram disparados.

Em vez disso, os 12 tripulantes foram escoltados ao porto de Ashdod, a 30 km de Gaza, onde autoridades carcerárias de Israel foram orientadas pelo dogmático ministro de Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, a isolá-los em confinamento solitário. Mais tarde, foram deportados.

À medida que ruminamos sobre formalidades, a designação vaga do esforço conduzido pelo Madleen e sua tripulação como um “iate das selfies” não diz nada senão expõe o próprio reflexo de Israel: como soldados tiram selfies com suas atrocidades, ou filmam com orgulho a destruição de infraestrutura civil palestina, ou ostentam a paisagem da lua na qual tornaram Gaza como sua criação. Ou ainda, as palavras e o comportamento de líderes e oficiais israelenses, como o ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, confortável em alegar que o Estado judeu estaria combatendo “animais humanos”.

Se esta foi uma aventura de uma dúzia de celebridades, mesmo que bastante pequena, certamente provou seu valor.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.