Da criação do alfabeto à pedagogia baseada no prazer do aprendizado, a Palestina exportou lições ao mundo e as compartilhou com Ásia, Áfica e Europa, como centro cultural e comercial mais importante do Mediterrâneo antigo. Sua cidade de Jericó é uma das mais velhas – senão a mais antiga – existente e vigorosa até hoje. Só que, de pouco mais de um século para cá, o sionismo caiu sobre essa história milenar com a intenção de apagá-la e esvazia-la de gente e memória, para impor sobre a terra uma fabricação de mitos e uma história de autoglorificação. Infelizmente, é essa história recente e usurpadora que orienta as narrativas sobre a Palestina e Jerusalém.
O confronto civilizatório da Palestina com a destruição moderna é o tema dos livros e encontros dos dois escritores esta semana em S.Paulo sob aspectos distantes e separados no tempo e na geografia. Nas obras “Palestina através dos Milênios – Uma história das letras, aprendizado e revoluções educacionais; Palestina – Quatro mil anos de história Nur Marsala vai aos primórdios da história palestina e volta com sua pesquisa carregando conhecimento de suas etapas e evoluções. A toda invasão e ocupação, a Palestina sempre resistiu, enraizando sua história à própria terra. O plano de evacuação dos palestinos iniciado pelo movimento sionista a partir do final do século XIX é relatado por Masalha, a partir de pesquisa em documentos israelenses, no livro e Expulsão dos Palestinos – O Conceito De Transferência No Pensamento Político Sionista 1882-1948
Ahmad Alzoubi, professor da Universidade Lusail, no Catar, e com doutorado no Brasil, busca a identidade palestina em sua diáspora na América Latina. E afirma tê-la encontrado forte no Brasil, Argentina, Chile, El Salvador e Honduras, países pesquisados em sua tese em Jornalismo Humanitário pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). O livro “Diáspora Palestina na América Latina – Estudos de mídia e identidade”, prefaciado pelo diretor internacional do Monitor do Oriente Médio, Daud Abdullah, demonstra que os laços estão mantidos, mesmo com a evidente integração às sociedades de acolhida. A memória do êxodo forçado é transmitida pelas gerações, e o pertencimento de imigrantes, refugiados e descendentes à Palestina aparece claramente quando falam de sentimentos, de costumes e da mídia que não oferece uma visão isenta em relação à terra ocupada até hoje. É preciso buscar diretamente nas fontes árabes, afirmam.
Para seus entrevistados, o sofrimento de Gaza sob ocupação, apartheid, anexação e ataques regulares (e o livro foi feito antes de 23 de outubro) é também sofrimento dos que estão longe, ligados às famílias alargadas que la permanecem.
Com essas abordagens, os dois escritores trazem elementos para compreender a resistência palestina, perceber como ela está presente além de suas fronteiras, e se escandalizar com a falta de reação ao genocídio em uma comunidade internacional cujos instrumentos para interceder não servem contra os interesses das forças ocupantes.
Encontros com a comunidade palestina, jornalistas e pesquisadores
A agenda intensiva de encontros começou na segunda-feira, em uma reunião aberta à comunidade palestina e interessados, promovida pelo Fórum Latino Palestino na Mesquita Brasil. Nur Masalha compartilhou as principais ideias de suas obras sobre a história palestina e dedicou parte significativa da palestra à atual situação humanitária na Faixa de Gaza, em meio à crescente violência e crise vivida pela população local. Demonstrou um sentimento especial por ter sua longa pesquisa compartilhada com o público brasileiro em português. Seus três livros foram lançados pela Editora MEMO, sendo o último prefaciado pelas pesquisadoras Munah Odeh, da UnB, e Bárbara Caramurú, da UFPR.
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Na terça-feira, os escritores palestraram na que é chamada Casa Palestina, o Restaurante e Espaço Cultura Al Janiah. Mediados pela jornalista palestino-brasileira Soraya Misleh da Frente Palestina SP, puderam aprofundar detalhes de suas obras, a tentativa de apagamento da existência palestina, e as raízes da resistência.
O encontro continuou na quarta-feira no Sindicato dos Jornalistas de S.Paulo onde o debate sobre a cobertura da questão e do contexto histórico palestino foi mediado pela editora do Monitor do Oriente e da Editora MEMO, Rita Freire, e pelo presidente do Sindicato, Tiago Tanji. O historiador Masalha apontou problemas de comunicação que se reproduzem em todo tipo de mídia, como é o caso de um mapa do Google utilizado pela Latam para expor suas rotas de vôo. Ocorre que o mapa só mostra a existência de Israel e mesmo os nomes das cidades palestinas são colocados pela versão judaica-israelense, como Al-Jalil, que aparece apenas como Hebron, ou Jafa, divulgada como Yafo.
O Sindicato dos Jornalistas e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) têm feito diversas atividades em solidariedade ao povo palestino e especialmente tem tratado do assassinato de jornalistas que preocupa as entidades da categoria, como afirmou o dirigente Tanji, mas não mobiliza a grande mídia internacional em defesa de seus trabalhadores, como denunciou Rita Freire. O jornalista Ahmad Alzoubi recebeu perguntas sobre a razão por trás de Israel perseguir e matar palestinos. E porque jornalistas e médicos são seus alvos. Ele resumiu: Israel quer concluir a Nakba de 1948 – a violenta limpeza étnica da Palestina. O evento em português e inglês foi transmitido pelo Sindicato dos Jornalistas de SP, pelo MEMO e pela Assembleia Social Mundial de Lutas e Resistências do FSM em espanhol.
Nesta quinta-feira, o último encontro dos pesquisadores ocorre no mundo acadêmico, realizado pelo Centro de Estudos Palestinos e mediado por sua diretora, Arlene Clemesha.
A semana de encontros foi marcada por lançamentos e sessões de autógrafos.
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