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Liberdade acadêmica sob ataque: professora brasileira é alvo de críticas por apoio a Gaza

23 de abril de 2025, às 09h36

Eman Abusidu Foto: Arlene Clemesha usa o keffiyeh palestino durante sua participação na comemoração do “Dia da Terra Palestina”, no Parlamento de São Paulo, em 4 de abril de 2025 [Ratib Al Safadi]

Uma campanha liderada por segmentos do lobby sionista no Brasil desencadeou uma série de ataques públicos contra a professora Arlene Clemesha, renomada pesquisadora de História Árabe da Universidade de São Paulo (USP). Reconhecida por seu trabalho acadêmico e atuação pública em apoio à causa palestina, Clemesha tornou-se alvo de uma campanha de difamação orquestrada após recentes aparições públicas nas quais denunciou o que descreve como “o genocídio em Gaza”.

Clemesha é uma renomada pesquisadora especializada em História Árabe Contemporânea, História da Palestina e relações Brasil-Mundo Árabe. Ela é vinculada ao Departamento de Literatura Oriental da USP e autora de “Marxismo e Judaísmo: História de uma Relação Difícil” (Boitempo), agora em uma edição revisada recém-lançada. Clemesha tem promovido ativamente a nova edição por meio de debates públicos e entrevistas, incluindo uma participação de destaque no podcast Ilustríssima, da Folha de São Paulo.

Em entrevista exclusiva ao Monitor do Oriente Médio (MEMO), Clemesha explicou o contexto por trás da recente onda de ataques.

“O que desencadeou esta última e extremamente cruel onda de ameaças online de grupos sionistas radicais de direita no Brasil”, disse ela, “foi aquela entrevista em podcast, na qual expus as crescentes fissuras no consenso sionista que tem dominado as comunidades judaicas desde meados da década de 1950”.

Durante o podcast, Clemesha abordou temas que vão do antissemitismo do século XIX à islamofobia contemporânea. Ela também criticou a definição de antissemitismo da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), distinguindo entre preocupações legítimas sobre racismo contra judeus e a manipulação política do termo para silenciar perspectivas antissionistas.

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“Falei sobre a importância de distinguir o antissemitismo — uma forma de racismo contra judeus — do antissionismo, que é a oposição a uma tendência político-ideológica”, explicou Clemesha. “Mas o simples fato de uma não judia como eu estar falando sobre questões críticas para as instituições sionistas locais — questões que eles desejam controlar — foi demais para eles. E então, começaram uma campanha para tentar me silenciar.”

Clemesha observou que uma nova geração de vozes judaicas está emergindo no Brasil com fortes posturas antissionistas: “Temos visto um número crescente de jovens judeus assumindo ativismo não sionista e antissionista ativo e protestando veementemente contra o genocídio palestino.”

A professora Clemesha participou recentemente da sessão inaugural do curso sobre Palestina e Oriente Médio oferecido pela Fundação Dinarco Reis, filiada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Lá, como em muitos fóruns públicos, ela denunciou as ações militares israelenses em Gaza. Embora baseadas na linguagem internacional de direitos humanos, suas declarações foram recebidas com severas críticas.

O PCB emitiu uma nota pública de solidariedade, condenando os ataques como motivados política e ideologicamente. “A violência política e de gênero contra uma respeitada pesquisadora da USP apenas evidencia a natureza reacionária daqueles que apoiam o governo israelense”, afirmou o partido.

Clemesha também enfatizou o poder e o alcance das instituições sionistas locais no Brasil: “Elas convenceram os municípios de São Paulo e Rio de Janeiro, assim como os governos estaduais do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, a adotarem a definição de antissemitismo da IHRA. Estão até pressionando para mudar os materiais escolares públicos e organizar concursos de redação sobre o Holocausto em escolas públicas sob a lógica da nova definição”.

A professora alertou que esse ambiente de lobby contribui para um clima de medo e autocensura.

“Professores e outros profissionais que são alvos tendem a se sentir vulneráveis, com medo de perder seus empregos”, disse ela. “Uma das piores formas de censura é quando o medo de retaliação silencia você antes mesmo de falar. Então, sim, a liberdade de expressão está ameaçada no Brasil.”

Apesar da reação negativa, Clemesha permanece desafiadora. “Silenciar não é uma opção”, disse ela ao MEMO. “E as expressões de solidariedade que recebi — de partidos políticos, ativistas, escritores, organizações de direitos humanos e, especialmente, de estudantes que organizaram uma carta aberta — foram profundamente reconfortantes.”

Embora discussões internas estejam supostamente em andamento, a USP ainda não emitiu uma declaração oficial sobre o caso. Enquanto isso, a carta aberta em apoio a Clemesha continua circulando, reunindo milhares de assinaturas de acadêmicos, intelectuais públicos e cidadãos preocupados.

Os ataques à professora Clemesha evidenciam um padrão crescente no Brasil e no mundo, em que vozes pró-palestinas na academia enfrentam esforços crescentes para suprimir a dissidência sob o pretexto de combater o antissemitismo. À medida que as tensões em torno do conflito de Gaza persistem, também persiste a luta sobre quem pode falar e quem deve ser silenciado.

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Por outro lado, também há esforços constantes de ativistas, comunidades acadêmicas e organizações da sociedade civil que trabalham em solidariedade a Gaza e ao povo palestino. Esses grupos continuam a desafiar a censura, defender a liberdade acadêmica e a advogar por justiça e direitos humanos na Palestina, garantindo que vozes críticas não sejam silenciadas.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.