Em um importante passo rumo ao intercâmbio cultural e à solidariedade, a União Geral dos Escritores Palestinos e a União Brasileira de Escritores (UBE) assinaram um acordo histórico esta semana em São Paulo. O acordo compromete ambas as organizações a traduzir e promover as obras literárias de seus membros nos respectivos países, com foco especial no apoio a autores jovens e emergentes. O presidente da UBE, Ricardo Ramos Filho, e Murad Al-Sudani, Secretário-Geral da União Geral dos Escritores e Acadêmicos Palestinos, assinaram o acordo.
Al-Sudani é poeta, ensaísta, professor universitário e crítico literário. Ele foi ao Brasil para fortalecer os laços entre as comunidades literárias palestina e brasileira. Nascido na aldeia de Deir Al-Sudan, com vista para a costa da Palestina, ele cresceu profundamente enraizado na herança palestina, aprendendo as tradições de seu povo com seus pais.
A ideia por trás desta nova cooperação cultural surgiu das trágicas realidades que a Palestina enfrenta hoje. Diante da destruição e violação sistemáticas que Gaza tem sofrido — incluindo ataques a infraestruturas culturais como museus, universidades, escolas, centros culturais e murais públicos — a organização palestina lançou uma iniciativa cultural global para a Palestina. Seu objetivo é conectar-se com instituições, sindicatos, associações e associações culturais em todo o mundo árabe e além, formando uma frente cultural mundial para defender a memória, a criatividade e a civilização palestinas.
Foi a partir dessa visão estratégica que se iniciou o relacionamento com a União Brasileira de Escritores. Com o apoio de aliados como Ramos Filho e Ricardo Fernandez, e por meio do escritório da UBE em São Paulo, foram realizadas diversas reuniões via Zoom que culminaram no acordo histórico agora firmado. Um dos primeiros projetos a serem realizados no âmbito do acordo será a tradução do árabe para o português de obras literárias vindas de Gaza, em especial contos escritos em meio à devastação em curso. Embora as obras permaneçam inéditas, foi destacado que elas estão em fase de curadoria e já despertaram o interesse de editoras brasileiras.
Os principais aspectos do acordo incluem o intercâmbio de delegações para seminários e palestras, a publicação conjunta de livros e artigos, a participação mútua em feiras literárias, a organização de celebrações culturais em datas significativas e o compartilhamento de periódicos e materiais literários.
“Hoje, estou vestido inteiramente de preto, em luto pelo povo palestino, massacrado há tanto tempo”, declarou Ramos Filho. “É um gesto de pesar — meu e de todos os escritores brasileiros que represento por meio da UBE.”
Em reunião com jornalistas na sede da UBE, Al-Sudani abordou a crise política e cultural mais ampla em sua terra natal. Ele denunciou a ocupação israelense por realizar uma campanha sistemática de extermínio físico e cultural, destacando o assassinato de pelo menos 100 pensadores, reitores de universidades e acadêmicos palestinos, bem como a destruição generalizada da vida cultural palestina.
“Muitos escritores e intelectuais de origem palestina na América Latina fizeram contribuições culturais significativas e mantiveram laços fortes com a Palestina, com alguns até mesmo visitando sua terra natal ancestral”, disse-me Al-Sudani. “Fortalecer a comunicação com a América Latina é essencial para confrontar as falsas narrativas promovidas pela hegemonia americana e israelense e para reafirmar nosso compromisso compartilhado com a verdade e a justiça.”
Ele acrescentou que, nesse contexto, muitos amigos também desempenharam um papel importante na construção de pontes culturais, notadamente o Professor Mohammed Al-Jaroush, cujas traduções da literatura brasileira para o árabe são muito valorizadas, juntamente com sua dedicada equipe. “Também expresso minha gratidão à Dra. Safaa Jubran por seus esforços significativos na tradução da criatividade palestina e árabe para o português e na promoção de nossa cultura na sociedade brasileira.”
Al-Sudani descreveu Israel como um “estado de ladrões”, acusando-o de roubar terras, patrimônio cultural e identidade histórica palestina.
Ele citou a destruição de 550 cidades e vilas desde 1948 e a apropriação de símbolos palestinos, desde comidas tradicionais até costumes culturais. “Eles não têm raízes, então estão tentando arrancar as raízes do povo palestino”, disse ele. “O mundo renunciou a nós, palestinos, mas não renunciaremos à nossa herança. Este é um desafio que lançamos à consciência do mundo.”
Ele enfatizou que o acordo não se trata apenas de intercâmbio de obras literárias, mas também de forjar uma solidariedade humanística mais profunda e engajar a consciência de intelectuais, escritores e comunicadores brasileiros para que se posicionem contra a injustiça.
A nova parceria entre escritores palestinos e brasileiros, mediada com o apoio da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), também está conectada a iniciativas mais amplas no âmbito cultural do BRICS, onde a Palestina continua buscando alianças, mesmo sem filiação formal.
Por meio deste acordo, Palestina e Brasil estão construindo uma ponte de resistência e esperança, que desafia o silêncio, preserva a memória e garante que as vozes dos oprimidos, especialmente os jovens, continuem a ressoar através de línguas, fronteiras e gerações.
“Devemos dialogar com a consciência de escritores, comunicadores e elites pensantes de todo o mundo.” Se eles não reagirem a este massacre, o que os fará reagir? Este é um massacre de toda a humanidade”, alertou. “Eles querem nos expulsar da nossa geografia, mas se cruzarmos a história através dos sacrifícios e sofrimentos dos nossos heróis, mártires, intelectuais, escritores e poetas, triunfaremos, ao lado dos povos livres do mundo e de todos os indivíduos honrados que direcionam seus corações para a liberdade da Palestina.”
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