clear

Criando novas perspectivas desde 2019

Líderes árabes devem abraçar a multipolaridade para combater o plano de Trump para Gaza

7 de março de 2025, às 11h49

Um manifestante em um keffiyeh segura uma placa dizendo “Gaza não está à venda” na Caminhada Palestina em Bandung, Java Ocidental, Indonésia, em 18 de fevereiro de 2025. [Dimas Rachmatsyah / Middle East Images / Middle East Images via AFP / Getty Images]

Após o ridículo plano de Trump para Gaza, que agora foi diluído, os líderes árabes têm se esforçado para apresentar uma contraproposta — uma que não signifique um desastre para eles, ao contrário do esquema descarado de Trump para que os EUA “tomem” Gaza enquanto forçam milhões de palestinos ao exílio em outros países árabes.

Com a Cúpula de emergência da Liga Árabe no Cairo sendo realizada amanhã, os esforços para finalizar um plano concreto ganharam maior urgência. Em 21 de fevereiro, o príncipe herdeiro saudita Mohammed Bin Salman recebeu líderes árabes em Riad para uma “reunião informal” com o objetivo de formular uma resposta unificada. Uma vez finalizado, espera-se que o plano seja apresentado na próxima reunião da Liga Árabe.

No entanto, ao contrário da rejeição imediata e contundente da proposta de Trump, desta vez, a resposta dos líderes árabes foi visivelmente vaga. Em forte contraste com o protocolo padrão, a reunião de Riad foi concluída sem comunicado final, sem entrevista coletiva e sem detalhes oficiais — apenas uma única fotografia de líderes da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Catar, Egito, Kuwait, Jordânia e Bahrein, ombro a ombro. Este silêncio gritante sugere que, até agora, ainda não há uma contraproposta concreta ao plano de Trump para Gaza.

O príncipe herdeiro saudita Mohammed Bin Salman (C) é acompanhado pelo emir do Catar Tamim Al Thani (2º à esquerda), o presidente dos Emirados Árabes Unidos Mohammed Bin Zayed Al Nahyan, o emir do Kuwait Ahmad Al-Jaber Al-Sabah, o rei da Jordânia Abdullah II e o presidente egípcio Abdellah Al-Sisi na Arábia Saudita em 21 de fevereiro de 2025 [Saudi Press Agency]

Isso pode ser devido a vários problemas fundamentais. A primeira delas é a ausência gritante da cláusula “autodeterminação” para os palestinos, que agora deve ser entendida como não negociável. Na verdade, o plano original de Trump buscava negar esse princípio completamente da maneira mais simplista e irrealista — propondo que os EUA “tomariam” e “possuiriam” Gaza enquanto deslocariam sua população à força — uma política equivalente à limpeza étnica.

Infelizmente, as contrapropostas apresentadas até agora também não abordam esse princípio. Na melhor das hipóteses, elas se concentram estritamente na reconstrução de Gaza devastada pelo genocídio, enquanto evitam a questão crítica da governança. Outros sugerem entregá-la a outra facção palestina amplamente impopular e corrupta para assumir total responsabilidade.

Na pior das hipóteses, elas refletem a mentalidade colonial de Trump — como a proposta dos líderes da oposição israelense de que o Egito assuma o controle de Gaza. O grupo de resistência palestino Hamas já deixou claro que nunca permitirá nenhuma força estrangeira em Gaza e que “lidará com elas como forças de ocupação”. E acredite, elas o farão.

Outro ponto de discórdia não resolvido é quem financiará a reconstrução de Gaza. Uma avaliação conjunta das Nações Unidas, União Europeia e Banco Mundial estima que a reconstrução de Gaza custará mais de US$ 50 bilhões, com pelo menos US$ 20 bilhões necessários apenas nos primeiros três anos. Portanto, a tomada de Gaza proposta por Trump pode muito bem ser uma manobra para pressionar os ricos estados do Golfo a pagar a conta. Embora ele tenha recuado em sua exigência de que as nações árabes aceitem os palestinos deslocados, ele agora está esperando que os líderes árabes proponham uma alternativa — uma que os veja pagar pela reconstrução enquanto os EUA colhem os benefícios políticos. Tudo isso deixou os líderes árabes entre a cruz e a espada. Eles devem formular uma proposta que satisfaça tanto o povo palestino quanto seus próprios cidadãos, ao mesmo tempo em que navegam pelas muitas linhas vermelhas definidas por Israel e seu aliado mais fiel, os EUA.

LEIA: Trump, a Palestina não está à venda

Como diz o velho ditado, em situações como essa, devemos pensar fora da caixa. Para os líderes árabes, isso significa pensar além da estrutura da ordem mundial liderada pelos EUA, que se tornou obsoleta de qualquer maneira. Nesse sentido, eles devem abraçar a multipolaridade do cenário global atual, onde múltiplos centros de poder influenciam os assuntos internacionais, economias e políticas.

O cenário global em 2025 será muito diferente daquele de 2017, quando Trump assumiu o cargo pela primeira vez. Até mesmo sua própria administração reconhece essa mudança. Em seu discurso inaugural, Trump sinalizou contenção, afirmando que: “Medimos nosso sucesso não apenas pelas batalhas que vencermos, mas também pelas guerras que terminarmos — e talvez o mais importante, as guerras em que nunca entraremos.”

As conversas sobre uma potencial “Nova Conferência de Yalta” já estão ganhando força, especialmente em meio a relatos de que Trump se juntará ao presidente chinês Xi Jinping nas comemorações do Dia da Vitória em Moscou, marcando o 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial.

Até mesmo o Secretário de Estado de Trump, Marco Rubio, admitiu que o mundo está retornando a uma estrutura multipolar.

Esta é uma realidade que os líderes árabes devem abraçar e alavancar. Embora o Oriente Médio permaneça em grande parte dentro da esfera de influência de Washington, vários países já começaram a proteger suas apostas em antecipação ao retorno de Trump, envolvendo-se com outros centros de poder, especialmente a China. Alguns até se tornaram potências regionais. Ao alavancar esse cenário geopolítico mutável, os líderes árabes podem elaborar uma abordagem muito mais eficaz para a crise de Gaza — uma que não seja ditada pelos interesses de Washington.

LEIA: Trump reforça ‘lei da selva em âmbito internacional’, alerta Hamas

Primeiro, os líderes árabes devem envolver a comunidade internacional mais ampla para pressionar por uma solução liderada pelos palestinos em Gaza. As nações europeias — muitas das quais são cada vez mais críticas a Israel — podem servir como parceiras estratégicas, particularmente à medida que as divisões dentro da aliança transatlântica se aprofundam sob a liderança de Trump.

Segundo, na questão da reconstrução, a expertise do Leste Asiático — particularmente da China e do Japão — pode ser muito mais eficaz do que um esforço liderado pelos EUA. Mais importante, ao internacionalizar o esforço de reconstrução, os líderes árabes podem pressionar por maior responsabilização do regime sionista de acordo com o direito internacional. Não há dúvida de que Israel deve assumir a responsabilidade financeira pela reconstrução de Gaza, que destruiu completamente.

Mesmo que essa demanda não seja atendida, os ricos vizinhos do Golfo de Gaza são mais do que capazes de financiar o esforço — mas apenas sob condições que garantam uma paz justa e duradoura. Ao contrário de acordos anteriores, desta vez, os líderes árabes não devem permitir que suas contribuições financeiras venham com amarras políticas. Trump, por mais transacional que seja, pode achar tal arranjo atraente. Mas em um mundo multipolar, ele também deve entender que aqueles que não contribuem com nada não podem mais ditar os termos. Trump não pode ter seu bolo e comê-lo também. O Plano Marshall de 1948 para a Europa do pós-guerra serve como um exemplo.

No final das contas, os líderes árabes devem reconhecer que a única maneira de lidar com um valentão como Trump é enfrentá-lo. E enquanto eles se reúnem para a Cúpula de emergência da Liga Árabe, talvez a melhor maneira de fazer isso seja lembrando-o de que ele não é mais o único poder na sala.

LEIA: Somente o Hamas pode minar o plano de Trump de expulsar os moradores de Gaza

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.