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Panamá olha para Israel com olhos do norte

Fuzileiros navais da Companhia D, 2º Batalhão de Infantaria Blindada Leve, ficam de guarda com seus veículos blindados leves LAV-25 do lado de fora de um prédio destruído da Força de Defesa do Panamá durante o primeiro dia da Operação Just Cause.
Fuzileiros navais da Companhia D, 2º Batalhão de Infantaria Blindada Leve, ficam de guarda com seus veículos blindados leves LAV-25 do lado de fora de um prédio destruído da Força de Defesa do Panamá durante o primeiro dia da Operação Just Cause. [US Defense/Domínio pùblico]

No Dia da Nakba, ou catástrofe palestina, lembrada em 15 de Maio, o Ministério de Relações Exteriores do Panamá repetiu o que faz a cada ano: exibiu a bandeira de Israel em seu site e cumprimentou o estado ocupante da Palestina por seu aniversário de fundação. A data,  para  lamentar ou aclamar,  é a mesma, dependendo de que lado se olha para a história.

Embora tenha experimentado, na invasão sofrida em 1989, o que significa ser atacado indiscriminadamente, o poder no Panamá sempre olhou para a terra palestina com os olhos emprestados dos Estados Unidos e seu sistema financeiro, do qual depende, com sua economia dolarizada e subordinada aos bancos americanos. E isso não deve mudar com o novo presidente direitista e ultraliberal, José Raúl Mulino, eleito em 5 de maio.

Vamos apenas recordar o que foi a experiência traumática:  a pretexto de levar a “sua” democracia ao país, em 20 de dezembro de 1989, os Estados Unidos invadiram o Panamá com  bombas, tanques  e mais de 26.000 soldados. Um ex-corregedor que vivenciou a carnificina – e depôs ao repórter Mario Garrido, lembra que corpos se amontoavam nas ruas, sem que seus parentes pudessem resgatá-los, enquanto os tanques passavam por cima deles. “Aqui as armas mais sofisticadas da época foram testadas e posteriormente utilizadas pelos americanos em agressões contra outras nações”, contou ele, descrevendo um método também testemunhado por palestinos, só que há 76 anos.

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Os desaparecidos do Panamá continuam desaparecidos. Outras vítimas ainda não acharam justiça. Oficialmente, são 500 mortos. Extra-oficialmente, milhares.   A estrutura da capital foi destruída, e “as tropas do Pentágono não fizeram nenhum esforço para se limitar a alvos militares e evitar danos à vida e aos bens da população civil panamenha”, diz o sobrevivente, em mais uma coincidência com Gaza.

Apesar desse trauma dos panamenhos, a estrutura oficial do Panamá parece não se reconhecer no trauma palestino. Voltando no tempo, a relação com Israel remonta a antes de Israel existir. O país centro-americano foi responsável por amealhar alguns votos preciosos na ONU para aprovar a partilha da Palestina, fato nunca esquecido por Israel. De acordo com uma publicação da embaixada israelense no país, o representante panamenho na comissão da Palestina da ONU,  fundador da Morgan and Morgan Group, Eduardo Morgan Alvares, conseguiu,  “persuadir países menores, principalmente da América Latina, a apoiar a resolução da ONU”.

Aeronave fabricada nos EUA e registrada após a guerra no Panamá. para envio à Israel em 1948, fora do embargo na época. Lá foi registrado na EL AL israelense em 1950.

Construido em Buffalo, NY, em 1943, usado na guerra, recomprado Al Schwimmer para a Service Airways e depois registrado no Panamá para a Lineas Aéreas de Panamá, S.A. (“LAPSA”) como RX-137. O registro no Panamá foi cancelado em 17 de setembro de 48. Para a Força Aérea de Israel (“IAF”), número de série. 1707, maio de 48. Registrado na EL AL como 4X-ACE, em 24 de janeiro de 50.

O Panamá  também foi feito de trampolim, em 1948,  para envio de aviões de guerra dos EUA para Israel, através de uma empresa própria, as Lineas Aereas de Panamá (LAPSA), criada para furar um embargo da época.

O apoio a Israel atravessou décadas, com alguns intervalos envolvendo disputas com os Estados Unidos em torno do canal de Suez. Com a reversão do controle do canal para o Panamá, em 1999, o país se manteve fiel à parceria sionista. O presidente  Ricardo Martinelli visitou Israel em 2010, para iniciar conversas sobre um Tratado de Livre Comércio (TLC).  Em 2012,  foi o único da América Latina a votar contra a admissão da Palestina como Estado observador da ONU.  Na época, o embaixador Pablo Antonio Thalassinós declarou  à BBC: “Desde o início deste governo, temos votado sempre a favor de Israel e contra tudo aquilo que ataque Israel”.

Em 2015, sob o governo do presidente Juan Carlos Varela , o  Panamá assinou o TLC com Israel, o primeiro do Panamá com uma nação do Oriente Médio.  O acordo englobou  um conjunto de parcerias sobre acesso a mercados, alfândega, serviços e investimentos, propriedade intelectual, eliminação de obstáculos comerciais, questões institucionais e resolução de conflitos.. Em 62 anos, até então, foram assinados convenções ou acordos na área cultural, de cooperação técnica, em turismo, de dispensa de vistos em passaportes, de  combate ao tráfico de drogas, entre outros.

Em 2022, na presidência de Laurentino Cortizo,  o Panamá exportou segundo a OEC, US$ 32,5 milhões para Israel, vendendo sucos de frutas, bebidas destiladas e armas de fogo. Durante os últimos 27 anos, as exportações do Panamá para Israel aumentaram a uma taxa anualizada de 9,44%, de 2,85 milhões de dólares em 1995 para 32,5 milhões de dólares em 2022.

No mesmo ano, Israel exportou US$14,2 milhões para o Panamá, vendendo equipamentos de Raios X, instrumentos médicos e pesticidas. Também exportou US$ 56,6 milhões, em  serviços de informática e informação.

As relações vão do interesse comercial ao ideológico. Em 2023, a ministra de Relações Exteriores, Janaina Tewaney Mencomo, informou à OEA que o Panama aderiu a definição de antissemitismo da IHRA, que permite que a crítica a Israel seja considerada com crítica antissemita. E com isso, manifestacoes contra a ocupacao, apartheid ou genocidio sejam reprimidas.

Causou escândalo uma foto que explicita o racismo estrutural no Panamá, quando policiais usavam imagens de figuras árabes como alvo para treino de tiro. A foto foi depois excluída das redes, com pedidos de desculpas. Mas por tras da foto, o fato que era real.

Por outro lado, em plena guerra contra o povo palestino,  a governadora da cidade do Panama participou de uma delegação organizada pelo Movimento de Combate ao Antissemitismo (CAM)  que visitou Israel em março de 2024, para conhecer as áreas atacadas pelo Hamas em outubro de 2023 e  solidarizar-se com a política israelense. Nenhuma palavra sobre as vítimas palestinas.

Eventos israelenses  no Panamá continuam acontecendo como se não houvesse a guerra, a exemplo do  Cybertech Latin America realizado em parceria com a Embaixada israelense, reunindo especialistas em diversos campos de cibersegurança,  inovação  e negócios.,com ênfase na “ambição do Panamá de posicionar-se como um hub de investimentos na região e em aprofundar a colaboração com Israel através dos setores de tecnologia e economia”. conforme o embaixador.

O presidente eleito agora se apoiou no  sucesso do governo de Ricardo Martinelli na década passada, popularizado em razão das grandes obras geradoras de empregos, como a ampliação do canal e a construção de um metrô, o primeiro da América Central. O boa imagem de então contribuiu para que, antes das últimas eleições, ele se tornasse o preferido do eleitorado nas pesquisas. Mas sua candidatura foi cassada, ele acusado de lavagem de dinheiro e suborno pela Odebrecht, condenado a mais 10 anos de prisão e agora sob proteção da embaixada da Nicarágua, onde pediu asilo. Seu vice na chapa, José Raúl Mulino, assumiu seu lugar, ganhou  seu apoio e, por fim, venceu as eleições em primeiro e único turno, com 34% dos votos.

 

Carta da Copasolpa pede rompimento do Panamá com Israel [Copasolpa/ Divulgação]

Carta da Copasolpa pede rompimento do Panamá com Israel [Copasolpa/ Divulgação]As políticas esperadas do governo eleito, que toma posse em julho, devem ter grande foco em questões internas ou regionais. O Paraná enfrenta problemas sérios e o futuro presidente tem posições polêmicas. Por exemplo, fala em construir um muro na fronteira da floresta por onde passam migrantes tentando chegar aos Estados Unidos. A fronteira tem mais de 200 quilômetros. Ele também quer instalar postos de controle, a exemplo de Israel.  Outro problema é a seca que afeta o canal, que só pode funcionar com água doce. O nível da água baixou e o tráfego de navios diminuiu – afetando com isso uma economia que responde por cerca de US$ 2,5 bilhões no PIB panamenho. Como solução, o presidente mira em uma reserva que fica em área de camponeses, que discordam da exploração e devem reagir.  Além disso, o Panamá enfrenta um processo internacional pelo fato de sua justiça ter fechado uma Mina de Cobre a céu aberto, do Canadá, após pressões populares. Para sobreviver no governo, precisará de apoio externo.

A mobilização social existe e é isso que aproxima o Panamá da luta palestina. Uma carta do Comitê Panamenho de Solidariedade à Palestina (Copasolpa) pediu à  atual chanceler, em fim de governo, que abra relações com a Palestina e rompa laços com Israel. A organização  agradeceu pelo fato de que, pelo menos, no dia 10 de maio, a diplomata não tenha se colocado contra a nova resolução que amplia direitos palestinos na ONU.

Está claro, porém, que a prioridade de Mulino será o mercado, o setor financeiro e o interesse privado.  Sobre política externa, ainda não disse nada além da intenção de cercar o país e barrar imigrantes.  Para o cargo de chanceler, ele escolheu  um economista, empresário do setor financeiro, especialista em leis bancárias, Javier Martinez Acha.  Para a futura equipe, o novo diplomata já avisou qual será a missão: “O Ministério das Relações Exteriores e os embaixadores ‘têm que entender’ que serão promotores do comércio panamenho e da atração de investimentos para o Panamá.”

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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