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Por que o apoio do Ocidente a Israel não é uma exceção?

A história do apoio ocidental à África do Sul e à Rodésia mostra que o apoio a Israel não é único, tampouco inédito
Protesto por cessar-fogo em Gaza no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, sinalizando os crimes de guerra israelense com apoio americano, em 1° de fevereiro de 2024 [Celal Gunes/Agência Anadolu via Getty Images]

Vez ou outra, surge a ideia de que Israel é uma exceção na política dos países ocidentais — sobretudo os Estados Unidos — no que diz respeito à assistência econômica, diplomática e militar a uma colônia supremacista.

De fato, em meio ao genocídio em curso contra o povo palestino, que matou ao menos 34 mil pessoas até então, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, proclamou que “não há linha vermelha” ao Estado israelense, à medida que sua gestão na Casa Branca continua a defender a ocupação de eventuais sanções internacionais. Em meados de abril, a Câmara dos Representantes, sob esforços bipartidários e apoio da gestão democrata, aprovou uma lei que garantiu a Israel outros US$26 bilhões.

Mas seria uma exceção? Vejamos a história do apoio ocidental a alguns dos mais notórios regimes coloniais europeus do último século, que mostra de maneira inequívoca o caráter nada único ou sem precedentes do apoio a Israel, mesmo que varie em alguns detalhes.

É uma verdade histórica que muitas pessoas que apoiaram a luta anticolonial na Argélia se negaram a ecoar o apoio ao povo palestino. O mesmo vale para a luta contra o apartheid sul-africano. Ainda assim, o oposto é ainda mais concreto: a extensa maioria daqueles que apoiaram a Argélia Francesa, a Rodésia e a África do Sul do apartheid no Ocidente — para tomar três exemplos célebres — apoia igualmente o Estado supremacista de Israel.

Aliança supremacista

No ápice da repressão colonial francesa durante a luta argelina por independência, Estados Unidos e Europa apoiaram a França, inclusive ao protegê-la de sanções na Organização das Nações Unidas (ONU) e difamar os revolucionários argelinos como “terroristas”.

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Apoio similar se deferiu ao supremacismo branco no Estado de apartheid da África do Sul, também protegido de sanções nos fóruns internacionais a partir da década de 1960 até o fim dos anos 1980. Igualmente, para a ocupação ilegal, também racista, do mesmo regime sul-africano na Namíbia, que durou até 1990.

Foi assim na Rodésia, onde os britânicos protegeram firmemente sua colônia supremacista branca de qualquer eventual embargo internacional antes e depois dos colonos, chefiados por Ian Smith, emitirem uma Declaração Unilateral de Independência (UDI), em 1965, para salvaguardar seu regime.

A partir de 1962, o Conselho de Segurança, a Assembleia Geral e o Comitê Especial sobre o Colonialismo das Nações Unidas assumiram um papel ativo em exigir da Grã-Bretanha que desse fim ao supremacismo branco na Rodésia, incluindo uma resolução naquele mesmo ano. Os britânicos, no entanto, ignoraram os apelos. Em setembro de 1963, vetaram uma resolução do Conselho de Segurança que lhes pedia para não transferir a Força Aérea Real da Rodésia ao governo local.

Protesto contra o imperialismo britânico e sua relação com o regime na Rodésia (Zimbábue) em Dar Es Salaam, na Tanzânia, em 5 de março de 1965 [Bettmann via Getty Images]

Em abril de 1965, o Conselho de Segurança adotou outra resolução pedindo a Londres que impedisse a UDI. Em outubro, a Assembleia Geral aprovou uma resolução para que o país desse uso a “todos as medidas possíveis” para impedi-la. Seis dias antes da declaração ser promulgada, outra resolução da Assembleia Geral foi aprovada para instar ao Reino Unido novamente que “usasse todos os meios necessários, incluindo a força militar” para evitar que os colonos proclamassem a independência.

Após ser emitida a UDI, a Grã-Bretanha, sob pressão internacional, expulsou a Rodésia da área de Sterling e removeu o colonato de numerosos acordos de prioridade econômica da Comunidade das Nações. Importações foram banidas e £9 milhões (US$25.2 milhões) em recursos da Rodésia em bancos britânicos foram congelados.

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A Assembleia Geral e o Conselho de Segurança aprovaram resoluções imediatamente após a UDI, ao condená-la e pedir aos Estados-membros que não reconhecessem sua validade, ao “evitar ações que possam auxiliar ou encorajar o regime ilegal … além de revogar atos que o abasteçam com armas, equipamentos e suprimentos militares [e] romper todas as relações econômicas”.

O Conselho de Segurança, em sua resolução, chegou a pedir um embargo de petróleo. Na mesma conjuntura, nove nações africanas suspenderam relações com a Grã-Bretanha por permitir que a UDI viesse à luz.

Londres tentou negociar novamente com o regime ilegal em dezembro de 1966 e outubro de 1968 sobre navios no alto-mar, contudo, sem aval. Foi apenas em 1968 que o governo britânico finalmente pediu às Nações Unidas que impusessem sanções internacionais aos recalcitrantes colonizadores, que, desde 1965, transferiam seus recursos do Reino Unido a bancos sul-africanos, a fim de salvaguardá-los.

Desafio aberto

Em março de 1970, quando o Conselho de Segurança votou por uma nova resolução para condenar o Reino Unido por se recusar a utilizar a força contra o regime ilegal da Rodésia, Londres e Washington vetaram a medida. O Reino Unido voltou a recorrer ao veto contra uma ação similar em fevereiro de 1972.

Neste entremeio, deputados conservadores britânicos se mostraram enfurecidos com as sanções internacionais de 1966. De fato, “todos os homens razoáveis”, disse um deputado, poderiam ver o viés das Nações Unidas contra a Rodésia, à medida que sanções similares não haviam sido empregues contra Hungria, Tibet, Zanzibar e outros “regimes tirânicos de vários tipos”.

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Nos Estados Unidos, o ex-secretário de Estado, Dean Acheson, fez coro contra a ONU.

A assistência que o regime instaurado onde hoje é o Zimbábue recebeu da África do Sul e Portugal — potência colonial que ocupava Angola e Moçambique na ocasião — foi crucial para a sobrevivência do colonato supremacista branco. Que Alemanha Ocidental, Estados Unidos, França e Japão tenham descaradamente desrespeitado o embargo adotado pelas Nações Unidas, de natureza vinculativa, também contribuiu a sua longevidade.

Quando o novo governo conservador britânico de Edward Heath chegou ao poder, no ano de 1970, logo retomou negociações com o regime da Rodésia. Em 24 de novembro do ano seguinte, chegou a um acordo denominado Proposta de Assentamento Anglo-Rodésia, sob o qual Londres aceitou a independência do regime e assegurou seu regime supremacista até, na pior das hipóteses, 2035.

Os Estados Unidos, que, a princípio, acatou displicentemente o boicote, mudou de ideia no ano de 1972, conforme acordo com a Grã-Bretanha. O presidente Richard Nixon, em clara violação das resoluções da ONU, decidiu importar minerais da Rodésia para uso militar, ao se juntar assim à África do Sul e a Portugal, em desafio aberto à lei internacional.

Soldado da Rodésia interroga cidadãos negros sob a mira de um revólver, perto da fronteira com Botswana, em setembro de 1977 [J. Ross Baughman/Domínio Público]

Apoio resoluto

No caso da África do Sul, em 1963, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Alemanha Ocidental, entre outros países da Europa, se recusaram a cumprir uma proibição supostamente não-vinculativa do Conselho de Segurança à venda de armas ao regime de apartheid.

Em 1973, a Assembleia Geral reconheceu o apartheid como “crime de lesa-humanidade”. Ainda assim, países ocidentais não cederam em seu apoio, ao investir cada vez mais, tanto em termos econômicos quanto militares.

A derrota dos colonizadores portugueses em Angola e Moçambique, pela resistência dos revolucionários africanos contra o supremacismo branco, em 1975, se mostrou o primeiro desastre internacional ao regime de apartheid.

Em 1980, a Rodésia foi substituída pelo Zimbábue e a guerra revolucionária pela libertação da Namíbia tomou tração. A África do Sul se viu então como último bastião supremacista branco no continente. Naquele instante, seus únicos grandes aliados remanescentes, além de Estados Unidos e Europa Ocidental, eram o colonato irmão na forma de Israel e Taiwan governada pelo Kuomintang anticomunista.

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Quando a ONU enfim aprovou um embargo de armas internacional mandatório contra o país, em novembro de 1977, dois meses após se descobrir que a polícia sul-africana havia matado Steve Biko, liderança antiapartheid, Israel e Taiwan se recusaram a cumpri-lo, ao manter o envio de armas. Era a primeira vez que a ONU impunha esse tipo de embargo a um Estado-membro.

Em termos econômicos, em 1978, os americanos foram o maior parceiro do apartheid na África do Sul, seguidos por Grã-Bretanha, Japão, Alemanha Ocidental e outros Estados do continente europeu. Quando o investimento estrangeiro no país superou US$26 bilhões, naquele mesmo ano, no entanto, um total de 40% compreendia recursos britânicos, com 20% de recursos americanos e 10% da Alemanha Ocidental. Os investimentos tiveram alta taxa de retorno nas décadas de 1960 e 1970.

De fato, a indiferença dos Estados Unidos no sofrimento da população negra na África do Sul era tamanha que John Hurd, embaixador americano e magnata do petróleo do Texas, costumava caçar faisões na Ilha Robben, onde Nelson Mandela e outros líderes africanos estavam presos. Hurd viajou acompanhado do então ministro dos Transportes da África do Sul, Ben Schoeman, e usou os prisioneiros políticos como batedores. O Departamento de Estado lamentou a aventura, ao descrevê-la apenas como um “lapso”.

Descaramento ocidental

Internacionalmente, em meados da década de 1980, a recusa do regime sul-africano em fazer concessões levou a um aumento da condenação internacional. Os Estados Unidos — sob pressão de um movimento doméstico de massa por desinvestimento no apartheid —, assim como muitos países da Europa e da comunidade britânica, ampliaram suas ações de embargo econômico ao país.

A última correligionária era Margaret Thatcher, que defendia o comércio com o apartheid. Contudo, quando uma delegação da Comunidade das Nações visitou a África do Sul, para analisar a situação, em maio de 1986, os brancos sul-africanos se negaram a capitular aos pedidos para mitigar sua agressão.

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Com a delegação britânica no país, a África do Sul invadiu supostas bases do Congresso Nacional Africano no Zimbábue, em Zâmbia e em Botswana. O resultado foi mais e mais repúdio — desta vez, até mesmo de Thatcher. Segundo o comitê britânico, entre 1980 e 1989, as invasões sul-africanas e seu apoio direto a entidades contrarrevolucionárias que deflagraram guerras civis nos países vizinhos levaram à morte de um milhão de pessoas, desabrigaram outras três milhões e causaram danos estimados em US$35 bilhões.

O regime de apartheid começou a fazer concessões ao atenuar o palavreado de suas leis racistas e eventualmente revogá-las, no mesmo contexto do colapso da União Soviética. O episódio parecia remover da África do Sul o “fantasma vermelho”, utilizado como pretexto dos países imperialistas para investir no apartheid.

Foi apenas então que as potências ocidentais exerceram pressão suficiente ao regime da África do Sul para descriminalizar o CNA e libertar seus presos políticos. À medida que a febre neoliberal tomava o mundo, o momento parecia mais do que oportuno para integrar o CNA ao novo arranjo. Mandela suspendeu a luta armada e lançou mão de negociações. As sanções econômicas e os boicotes esportivos foram atenuados.

Dia Internacional de Nelson Mandela [Sabaaneh]

Revisitar essa história é fundamental àqueles que apoiam ou observam hoje a conjuntura na Palestina e parecem surpresos diante do descaramento do Ocidente em seu prevalente apoio a Israel, muito embora o genocídio seja gritante.

É a mesma falta de vergonha que esses apoiadores tiveram quando contribuíram de forma ativa com o supremacismo branco na Argélia Francesa, na Rodésia e na África do Sul sob Estado de apartheid. Os crimes são os mesmos. Israel não é exceção alguma nessa história indigna.

Este artigo foi publicado originalmente em inglês em 30 de abril de 2024 pela rede Middle East Eye.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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