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Em seis meses de genocídio, a única coisa que falta é Netanyahu ganhar o Nobel da Paz!

Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, diante da medalha de Alfred Nobel, representando o Prêmio Nobel da Paz [Lucas Siqueira/Reprodução]

Uma das imagens mais icônicas na história palestina é aquela em que Yasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), aperta as mãos do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin nos gramados verdejantes da Casa Branca, enquanto ao fundo sorri gentilmente Bill Clinton. Nesse momento, Arafat e Rabin acabavam de firmar o primeiro Acordo de Oslo, mediado pelos noruegueses — sem qualquer participação direta de Clinton. Após a assinatura dos Acordos de Oslo I e II, Arafat, Rabin e Shimon Peres (então ministro da Defesa) foram conjuntamente agraciados com o Prêmio Nobel da Paz. Não foram os únicos. Após restabelecer relações com o Egito, o primeiro-ministro Menachem Begin e o presidente egípcio, Anwar Sadat, também ganharam um. Agora só falta Netanyahu.

O presidente dos EUA Bill Clinton entre o líder da OLP Yasser Arafat e o primeiro-ministro israelense Yitzahk Rabin enquanto eles apertam as mãos pela primeira vez, na Casa Branca em Washington DC em 13 de setembro de 1993 [Foto de J. David Ake/AFP via Getty Images]

Se você acha que, considerar Netanyahu para um Nobel da Paz é um ato de insanidade por parte do autor, então considere os fatos a seguir:

Yitzhak Rabin

Por ser laureado com o Prêmio Nobel e por sua assinatura nos “acordos de paz” podemos ter a impressão de que Rabin era um pacifista. Entretanto, ao recordarmos o histórico militar do “soldado da paz”, título de sua biografia, torna-se evidente que Rabin não o era. Durante sua carreira militar no alto escalão do Palmach — uma unidade de elite da milícia Haganah —, Rabin esteve envolvido no Plano Dalet (1947), o prelúdio para a Nakba (1948), evento que os israelenses denominam como a sua “independência”. Foi durante esses dois anos que Rabin teve um genocídio para chamar de seu.

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Os israelenses recorrem à falácia de que, durante a Nakba, os palestinos deixaram suas aldeias e cidades por vontade própria. Contudo, as revelações de Yitzhak Rabin apresentam uma realidade bem diferente. Quando já ocupava o cargo de primeiro-ministro, Rabin admitiu que os palestinos não abandonaram suas terras por escolha própria, mas sim sob coação, com armas apontadas e tiros disparados contra eles. Rabin revelou ainda ter supervisionado marchas nas quais os palestinos foram forçados a percorrer longas distâncias sob o sol escaldante, sem acesso a água, levando à morte de centenas de idosos e crianças por sede e exaustão. Em relatos concedidos ao ghost writer Dov Goldstein, Rabin detalhou a invasão das vilas palestinas e o deslocamento interno forçado de milhares de pessoas.

A expulsão do povo palestino para criação do Estado de Israel (reprodução)

Por “razões de segurança”, o comitê governamental encarregado da preservação histórica de Israel, ordenou que esse trecho fosse excluído da biografia de Rabin. Segundo relatos de Goldstein, o chefe do comitê admitiu que a história era verdadeira e conhecida; no entanto, não poderia ser contada por alguém considerado um herói nacional, que ocupou o cargo de primeiro-ministro, pois contradiria a narrativa de que a ação foi conduzida com humanidade. Segundo Goldstein, Rabin ficou chateado, mas acabou concordando em remover o trecho de seu livro.

Os atos condenáveis do chamado “soldado da paz” não se limitam a um único episódio. Durante a Primeira Intifada (1987-1993), os relatos de violência perpetrada pelo exército israelense, sob a liderança de Rabin — então como ministro de Defesa e posteriormente como primeiro-ministro –, são chocantes. Jovens e crianças palestinas eram admitidos em hospitais com as costas dilaceradas e os braços quebrados. Durante as manifestações da Intifada, Rabin endossou uma estratégia de “força, poder e espancamento”, ao permitir, ainda que de forma não-oficial, que o exército quebrasse os braços de suspeitos de lançarem pedras.

“Os rebeldes devem sair dali cheios de contusões e é bom que haja feridos!”, declarou o “soldado da paz”.

Shimon Peres

Rabin foi assassinado por um fundamentalista judeu que se opunha aos “acordos de paz” estabelecidos com os palestinos. Após sua morte, Shimon Peres assumiu o cargo de primeiro-ministro. A lista de controvérsias envolvendo Peres, também laureado com o Nobel da Paz, é extensa, incluindo acusações de abuso sexual, feitas mais de uma vez e por mais de uma vítima. Durante seus dois mandatos como primeiro-ministro (1984 a 1986 e de 1995 a 1996), Peres também enfrentou outras manifestações palestinas, no qual suas ordens não foram tão diferentes das instruções de Rabin.

Menachem Begin

Agora, voltando ao passado sombrio, vamos examinar Menachem Begin, que talvez rivalize com Netanyahu pelo título de maior genocida. Begin nasceu na Bielorrússia e tornou-se líder do Irgun em 1947. Nessa época, ainda com os britânicos em solo palestino, orquestrou um ataque entre os dias 9 e 11 de abril. Begin junto com milícias do Irgun Zvai Leumi e da Gangue Stern —designadas pelo Reino Unido como organizações terroristas devido a seus atentados contra civis, como o trágico incidente no Hotel King David que resultou na morte de 91 pessoas —invadiram o vilarejo de Deir Yassin.

Os aproximadamente 400 habitantes de Deir Yassin foram surpreendidos com granadas lançadas contra suas casas. Com apoio do Haganah, as forças paramilitares passaram a disparar contra moradores desarmados. Relatos posteriores de soldados do Haganah confirmam que membros do Irgun e da Stern praticaram estupros, mutilações e queimaram os corpos das vítimas, além de saquearem suas casas. Após o massacre, os sobreviventes foram obrigados a marchar por bairros judeus em Jerusalém antes de serem assassinados. Menachem Begin, líder do Irgun, convocou a imprensa para exibir os cadáveres como troféus, com o objetivo de instilar o medo entre os palestinos.

O massacre de Deir Yassin ocorreu em 9 de abril de 1948, quando cerca de 120 combatentes dos grupos paramilitares sionistas Irgun e Lehi atacaram Deir Yassin, uma aldeia árabe palestina de cerca de 600 pessoas perto de Jerusalém.

O massacre de Deir Yassin ocorreu em 9 de abril de 1948, quando cerca de 120 terroristas dos grupos paramilitares sionistas Irgun e Lehi atacaram Deir Yassin, uma aldeia árabe palestina de cerca de 600 pessoas perto de Jerusalém.

Após a autoproclamação de Israel, Menachem Begin e o Irgun entraram em conflito com o exército israelense, resultando no naufrágio do Altalena, carregado com armas e imigrantes judeus. Durante o ataque, aproximadamente 20 judeus morreram entre tripulação e imigrantes — só não houve mais mortes porque os palestinos que trabalhavam no porto se lançaram ao mar para salvar os feridos e as crianças que não sabiam nadar.

Begin também foi um dos líderes responsáveis pela coalizão que fundou o Likud, partido ao qual pertence Netanyahu. Begin tornou-se primeiro-ministro de Israel de 1977 a 1983. Em 1977, negociou os Acordos de Camp David com o então presidente do Egito, Muhammad Anwar al-Sadat, pelo qual ambos receberam o Prêmio Nobel da Paz em 1978.

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Com um Nobel na prateleira, Begin teve um dos mandatos mais violentos de Israel. Em 1981, ordenou o ataque ao reator nuclear Osiraq/Tammuz, no Iraque, ato que foi condenado pelo mundo, inclusive pelo então presidente americano Ronald Reagan. No ano seguinte, Begin autorizou a invasão ao Líbano e subsequentemente o massacre aos campos de refugiados de Sabra e Chatila.

Benjamin Netanyahu

Mesmo com o passar do tempo, aproximadamente 76 anos, o padrão de violência contra os palestinos — isto é, o modus operandi sionista — persiste inabalável. Sob o comando de líderes como Netanyahu, os militares israelenses continuam a perpetrar uma série de ações que ultrapassam todos os limites da barbárie, a ponto de deixar o estômago embrulhado até mesmo dos outros sádicos da história mundial — e tudo isso, em apenas seis meses.

É importante destacar que, em apenas seis meses, Netanyahu deu a ordem para despejar sobre os palestinos uma quantidade de bombas que ultrapassa o impacto das duas bombas atômicas que os Estados Unidos despejaram sobre a população civil de Hiroshima e Nagasaki, quando a Segunda Guerra Mundial já estava vencida. Durante esses seis meses, o número de crianças e mulheres mortas já excede o trágico saldo de vítimas — considerando o período — de mulheres e crianças assassinados por Adolf Hitler e os infames nazistas. Além disso, as forças da ocupação israelense foram responsáveis pelo assassinato de mais de 120 jornalistas: o dobro do número de jornalistas mortos por eles próprios desde 1948. Trata-se de mais um registro sombrio que Netanyahu estabeleceu em relação aos seus predecessores.

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A lista de atrocidades cometidas por Netanyahu e seus aliados sionistas é extensa e não se restringe apenas aos civis, considerados não-combatentes pela Quarta Convenção de Genebra. Nunca antes, em qualquer outro conflito, tantos funcionários da Organização das Nações Unidas (ONU) foram assassinados em apenas um semestre. O mesmo vale para trabalhadores humanitários, como os sete estrangeiros da World Central Kitchen (WCK), que estavam fornecendo comida aos famintos em Gaza. Nunca antes foram destruídas tantas mesquitas, nem mesmo durante as Cruzadas, e é importante ressaltar que igrejas cristãs datadas do cristianismo primitivo também foram reduzidas a escombros. Suas atrocidades também se aplicam a hospitais, universidades, parques, centros comerciais e, especialmente, casas palestinas. Em resumo, restou pouco, muito pouco; os palestinos que ainda sobrevivem em Gaza caminham sobre suas ruínas de pó, pedras e sobre os corpos de seus mártires.

Vista do Hospital Al-Shifa queimado e destruído devido aos ataques israelenses que continuam na Cidade de Gaza, Gaza, em 1º de abril de 2024 [Abdulqader Sabbah/Agência Anadolu]

No entanto, ainda há mais a considerar no currículo de Bibi. O que provavelmente deixaria Rabin, Peres e Begin boquiabertos é que Netanyahu ultrapassou em muito qualquer sionista, seja ele “trabalhista” ou revisionista. Desta vez, Israel bombardeou e matou pessoas no Líbano e encorajou os Estados Unidos a fazerem o mesmo no Iêmen, sem mencionar o recente ataque à embaixada do Irã na Síria, o que é um bônus de dois coelhos — sírios e iranianos — para sua única cajadada.

Considerando o histórico de como são escolhidos os agraciados pelo Nobel, infelizmente, me faz pensar que, quando o peso da opinião pública israelense realmente pesar sobre os ombros de Netanyahu ou quando não houver mais bombas para despejar sobre as cabeças dos palestinos, ou mesmo quando estiver velho demais para responder sobre os crimes de guerra e as violações aos trinta artigos da Declaração dos Direitos Humanos e a todos os outros da Convenção de Genebra, o primeiro-ministro israelense será agraciado com um Nobel, simplesmente por acabar com um genocídio, um massacre que ele mesmo começou, como foi com Rabin, Peres e Begin.

Como última observação, gostaria de frisar que Mahatma Gandhi ou Martin Luther King, dois dos pacifistas mais conhecidos no ocidente, nunca foram indicados pelo comitê do Parlamento norueguês, muito menos foram agraciados com o Nobel. Ao que parece, pelo menos no caso de Israel, o Nobel da Paz é concedido àqueles que cometem os crimes mais hediondos contra a humanidade e, nisso, Netanyahu, em apenas seis meses, já está anos-luz à frente de seus antecessores.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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