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O Estado sionista e a ofensiva política no Brasil

Da esquerda para a direita: governador Ronaldo Caiado (Goiás), primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e governador Tarcísio de Freitas (São Paulo) [Reprodução]

Após o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, comparar o genocídio palestino em Gaza ao Holocausto (Shoah), crime perpetrado pelo regime nazista contra a população europeia de fé judaica e outros grupos considerados “subalternos”, a hipocrisia colonial reagiu. O premiê do Estado sionista, Benjamin Netanyahu, considerou-o “persona non grata” no território do apartheid colonial na Palestina ocupada. Na sequência, partiu para uma ofensiva na diplomacia pública e na paradiplomacia brasileira.

Na esteira da desavença pública entre o chanceler sionista, Israel Katz, atacando a imagem do Brasil e do governo de coalizão comandado pela socialdemocracia, três governadores de estados brasileiros teriam sido convidados por Tel Aviv para realizar um visita. Foram eles, Ronaldo Caiado (União – Goiás), Tarcísio de Freitas (Republicano – São Paulo) e Romeu Zema (Novo – Minas Gerais). Sabendo que a diferença eleitoral entre Lula e Bolsonaro foi de apenas 1,8% do total de votos válidos, a meta permanente do sionismo é construir uma hegemonia eleitoral através da aliança com o neoliberalismo mais agressivo, a nova extrema-direita (neofascista) e o apelo das “igrejas” neocalvinistas (evangélicas avivadas que professam a Teologia do Domínio). Aumentar a presença “pelas bordas” — através dos governos estaduais — é sempre uma saída viável para o colonialismo.

Na tática de “hit and run” (bater e correr, ou dar o tapa e esconder a mão), Tel Aviv negou ter convidado os governadores aliados da extrema-direita. Segundo o portal Último Segundo, a ida para o Estado colonialista foi a convite da “sociedade civil”. Quais entidades? Quem financiou? E a agenda com as autoridades do apartheid, quem montou?

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Na CNN Brasil (a franquia da rede estadunidense sob controle acionário de Rubens Menin, do dono da empresa MRV de construção civil), a versão do convite veio através da Kehilat Or Israel — a maior comunidade brasileira em Israel — e a Gmach Brasil — grupo da comunidade judaica brasileira. Segundo essas entidades sionistas (pois existem expressões judaicas não sionistas, como o importante coletivo Vozes Judaicas por Libertação) o convite foi feito com o objetivo de “permitir visitar e registrar diretamente os resultados do ataque terrorista que atingiu o Estado de Israel em 7 de outubro”, além de entender os impactos sociais e econômicos da guerra em Gaza.

Já o governador do estado paulista, a meta é “sem ideologia e sem política”. Ou seja, uma alegação tecnicista, como o argumento expresso por Hannah Arendt ao interpretar os burocratas do genocídio na Shoah, no livro Eichmann em Jerusalém.

No programa CNN Talks (edição de segunda-feira, 11 de março), o aliado de Bolsonaro disse que a meta é o “intercâmbio”. Vejamos, segundo o próprio Tarcísio (o engenheiro militar formado pelo IME que pelo visto não tem interesse na indústria brasileira de defesa), a profundidade da penetração das áreas sensíveis do sionismo dentro do mais importante governo subnacional do país:

Não tem nada a ver. Acho que primeiro, a gente não vai lá para fazer política. A gente tem uma parceria com o governo de Israel, parcerias importantes, compra de equipamentos, recebemos um convite. A gente tem uma excelente relação, estamos aceitando um convite e pronto. Sem ideologia e sem política”.

A relação é direta com a ocupação de territórios palestinos. Uma das organizadoras da viagem, Kehilat Or Israel, tem uma campanha permanente em seu site que afirma:

Em meio a regiões assoladas pela guerra, nossa missão é clara: fornecer ajuda vital a famílias deslocadas e equipamentos táticos aos soldados corajosos. Distribuímos alimentos e suprimentos essenciais para aliviar a vulnerabilidade das famílias afetadas, enquanto investimos em equipamentos táticos de qualidade para fortalecer a segurança e eficácia operacional das forças armadas.

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Uma das linhas de campanhas é para:

Apoio aos Soldados nas Linhas de Frente: reconhecemos a coragem e o sacrifício dos soldados que enfrentam desafios extraordinários para proteger suas comunidades e promover a paz. Estamos investindo na aquisição de equipamentos táticos de alta qualidade para melhorar a segurança e a eficácia operacional das forças armadas.

No pedido de “doações”, os apoiadores do colonialismo na Palestina ocupada pedem recursos para a compra de capacetes táticos padrão 1755 e um colete contra projéteis e estilhaços, padrão 2925. Chega a ter uma conta em banco brasileiro para receber o “donativo”. Ou seja, mesmo condenado pelo direito internacional a ocupação da Cisjordânia pelas forças sionistas, existe uma arrecadação pública e com o aval do governador do estado mais populoso do Brasil. O mesmo vale para o titular do Poder Executivo de Goiás, um dos líderes do agronegócio, e ele próprio fundador da UDR, a União Democrática Ruralista (força de extrema-direita latifundiária).

Funeral a palestinos mortos por bombardeio israelense ao campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia ocupada, em 20 de março de 2024 [Nedal Eshtayah/Agência Anadolu]

Como se não bastasse a lealdade junto a um país que existe porque cometeu limpeza étnica e tem no seu primeiro-ministro um criminoso internacional, Tarcísio e Caiado também incentivaram a desindustrialização e a perda de capacidade da indústria brasileira de alto valor agregado. No programa anunciado, em uma visita que não seria oficial, o governador paulista foi a centros de produção de material bélico, da indústria cibernética, aeroespacial e a própria sede da pasta da Defesa do apartheid colonial.

Segundo a Gazeta de São Paulo, na quarta-feira (20 de março), Tarcísio conheceu a sede da Indústrias Aeroespaciais Israelenses, que fornece tecnologias para defesa espacial, aérea, terrestre, naval, cibernética e interna. Já na quinta-feira (21 de março), a visita ao Ministério da Defesa de Israel para um encontro com representantes do Sibat, e um almoço no Ministério das Relações Exteriores do país. No mesmo dia, ele visitou as sedes das startups OrCam, que atua em acessibilidade, e Mobileye, voltada a inovações em mobilidade. É tudo muito, mas muito grave.

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Teremos de retomar esse tema — o da presença de material bélico, softwares e programas espiões sionistas e os convênios com os estados brasileiros — em outro momento. Como sugestão de leitura, vejam o material do jornalista André Lobão, hoje o maior especialista no tema atuando no Brasil.

 A ofensiva sionista continua

 De acordo com o portal G1, a defesa de Jair Bolsonaro (PL) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), na última semana, a devolução do passaporte do ex-presidente, apreendido em fevereiro durante operação da Polícia Federal. Na solicitação, os advogados de defesa do ex-presidente defendem a autorização para que Bolsonaro viaje a Israel, entre os dias 12 e 18 de maio. Segundo os advogados, Jair Bolsonaro recebeu, recentemente, o convite do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para visitar o país, mas ainda aguarda autorização do Supremo. Diante da velocidade vertiginosa dos acontecimentos jurídicos e políticos no que diz respeito a Bolsonaro, não sabemos se essa meta será atingida e nem se o ex-presidente possa vir a ser preso no curto prazo. Mas, que há uma contínua relação entre Netanyahu e o pior mandatário da história do Brasil, isso é inegável. E, tal relação apenas revela uma trama ainda mais complexa.

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Estamos diante da presença permanente dos agentes sionistas, a aliança estratégica com o ex-presidente que tentou um golpe de Estado, a relação com os setores neofascistas e o conjunto de instituições de proselitismo da fé neocalvinista e neopentecostal apontam para a formação de um bloco de poder dentro do Brasil. Desta forma, o Estado sionista opera como um interventor em nossa política doméstica, contando com setores consideráveis do eleitorado defendendo a ocupação da Palestina e o genocídio de seu povo. Logo, reagir a essa ameaça é uma tarefa urgente, imediata e necessária.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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