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A vida e o martírio de Malcolm X

Malcolm X, líder do movimento negro por direitos civis nos Estados Unidos, foi assassinado aos 39 anos em 21 de fevereiro de 1965, durante evento da Organização de União Afro-Americana, no Salão Audubon, em Nova York. Seu legado mantém uma profunda influência sobre questões como educação, liberdade e justiça.

Fevereiro marca o Mês da Consciência Negra nos Estados Unidos, celebração anual que compõe o calendário de diversos outros países, em diversos outros momentos, na anglosfera, em honra às contribuições, conquistas e desafios da diáspora africana. Uma figura proeminente, contudo, se destaca ano após ano, cuja influência criou raízes nas comemorações, não apenas lembrado por seu impacto revolucionário entre jovens afro-americanos, como também no Sul Global. De fato, o Mês da Consciência Negra coincide tragicamente com a data de morte de Malcolm X.

Em 21 de fevereiro de 1965, durante um evento da Organização de União Afro-Americana, no Salão Audubon, no bairro do Harlem, em Nova York, Malcolm X — também conhecido por seu nome islâmico El-Hajj Malik El-Shabazz — foi assassinado ao discursar ao público. Na ocasião de sua morte, Malcolm X tinha apenas 39 anos.

El-Shabazz sabia que era um homem marcado, sob constante vigilância do Escritório Federal de Investigação dos Estados Unidos, o FBI, além de autoridades locais e ameaças de grupos com os quais rompeu, como a chamada Nação do Islã.

No livro A Autobiografia de Malcolm X (The Autobiography of Malcolm X), organizado por Alex Hayley, El-Shabazz reafirma: “Sempre foi minha crença que eu, também, morreria pelas mãos da violência”. O livro abre seus relatos com uma de suas primeiras memórias de infância: fugir de sua família de um ataque de supremacistas brancos da Ku Klux Klan (KKK), que incendiaram sua casa e executaram seu pai, um eloquente pastor batista influenciado pelo panafricanista Marcus Garvey.

Apesar de crescer em Lansing, no estado de Michigan, El-Shabazz nasceu Malcolm Little, em 19 de maio de 1925, na cidade de Omaha, em Nebraska. Curiosamente, seu nascimento antecedeu em um ano o feriado predecessor do Mês da Consciência Negra: a Semana da História Negra, de criação do educador e pesquisador afro-americano Carter G. Woodson.

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Após o assassinato do marido, a saúde mental da mãe de El-Shabazz se deteriorou, o que levou o menino e seus irmãos a orfanatos. Ainda jovem, diante do abandono do Estado, Malcolm se envolveu no ambiente de criminalidade em Boston, antes de criar raízes no bairro do Harlem — considerado a “Meca Negra” de Nova York. Eventualmente, foi preso e encarcerado.

Na ocasião, outros jovens o apelidaram de “Satã”, por seu ponto de vista antirreligioso. Todavia, na prisão, Malcolm passou por uma jornada de transformação. Até então analfabeto, decidiu se instruir, ao abrir sua mente ao conhecimento e a um novo senso de pertencimento por meio da Nação do Islã, quando seu irmão mais velho, Wilfred, o recrutou ao grupo.

“Eu colocaria a prisão apenas depois da faculdade, como melhor lugar para um homem ir, caso precise pensar um pouco”, refletiu Malcolm sobre sua experiência atrás das grades. “Com certa motivação, a prisão pode certamente mudar sua vida”.

Malcolm X então ascendeu nas fileiras da organização como seu porta-voz nacional, resultando em um surto na filiação ao grupo entre as décadas de 1950 e 1960, o que incitou relatos de que estaria eclipsando a popularidade de seu líder, Elijah Muhammad. Com sermões contundentes, incrível talento para oratória e resolutos apelos revolucionários, Malcolm passou a ser descrito por detratores como o “negro mais furioso da América”. Apesar das críticas, inspirou incontáveis jovens afro-americanos a um posicionamento mais firme em nome de seus direitos.

Sua mensagem ecoou ainda entre aqueles que criam que o Islã poderia favorecer um senso de identidade na busca por suas aspirações, em contraponto a um cristianismo branco, que os teria pacificado injustamente.

Ninguém pode lhes dar a liberdade. Ninguém pode lhes dar a igualdade, a justiça, nada. É preciso tomá-las.

A abordagem de Malcolm parecia contrastar com o movimento de não-violência por direitos de Martin Luther King, ao alertar, certa vez, que “sua única revolução parece ser amar seu inimigo”. Para Malcolm, todas as revoluções — revoluções de verdade — tragicamente teriam de passar por “derramamento de sangue”. Diante da vagarosa concessão do establishment americano aos direitos dos negros, este favoreceu a perspectiva de King, ao preterir Malcolm como uma maior ameaça. Ambos, todavia, foram assassinados, com suspeitas verossímeis de envolvimento das agências de governo.

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Em 1964, Malcolm anunciou sua ruptura com a Nação do Islã, sobretudo após escândalos que envolviam a liderança de Elijah Muhammad. Em seguida, realizou um tour por países do Oriente Médio, África e Europa, incluindo numerosas localidades de maioria islâmica. Como El-Shabazz, realizou a peregrinação islâmica, o Hajj, à cidade de Meca, onde adotou seu novo nome.

A viagem resultou em uma nova mudança em seu sistema de crenças, ao testemunhar em Meca “peregrinos de todas as cores, de todos os cantos do planeta, demonstrando um espírito unido de irmandade como jamais vi antes”. Sua ruptura com a Nação do Islã, porém, dividiu também a organização, acompanhado por diversos colegas, incluindo até mesmo o filho de Elijah, Warith Deen Mohammed. O mais célebre muçulmano afro-americano, senão uma das personalidades mais famosas da era moderna, o boxeador Muhammad Ali, rompeu relações com El-Shabazz na ocasião, mas arrependeu-se mais tarde ao também aderir a sua corrente do Islã, sem a chance, no entanto, de uma reconciliação.

Suas viagens, de certo modo, moderaram a perspectiva de El-Shabaaz, incluindo sobre a divisão entre negros e brancos nos Estados Unidos e o nacionalismo negro — sem jamais, porém, fazer concessões de direitos. Malcolm abraçou então uma espécie de internacionalismo, incluindo ao tornar-se mais e mais eloquente nas críticas ao sionismo como ideologia supremacista e àquilo que descreveu como ocupação “ilógica” da Palestina histórica. Vale notar que ele visitou Gaza, em particular o campo de refugiados de Khan Yunis, hoje bombardeado por Tel Aviv em meio à campanha de genocídio e expropriação do território à força no enclave costeiro.

Ao escrever para a Gazeta do Egito em 1964, El-Shabazz declarou: “Por acaso os sionistas têm o direito legal ou moral de invadir a Palestina, expulsar os cidadãos de suas casas e confiscar suas terras com base apenas em uma reivindicação ‘religiosa’ de seus ancestrais viveram na área há milhares de anos? Somente mil anos atrás, os mouros viviam na Espanha. Poderiam eles invadir hoje a Península Ibérica, expulsar os cidadãos espanhóis e estabelecer uma nova nação … como fizeram os sionistas europeus a nossos irmãos e irmãs na Palestina?”.

Em suma, o argumento sionista para justificar a presente ocupação da Palestina não tem qualquer base legal ou intelectual na história … sequer no judaísmo.

Pouco após voltar aos Estados Unidos, El-Shabazz assumiu a missão de unir os povos oprimidos do mundo e propagar a mensagem ética que aprendeu com o Islã. No entanto, foi assassinado. Muitos — inclusive ele mesmo — apontaram para uma inevitável conspiração do FBI, dadas as limitações da Nação do Islã, movimento que reivindicou sua morte.

Mesmo hoje, as circunstâncias exatas do assassinato continuam vagas, em particular, após dois de seus supostos assassinos serem absolvidos. Um documentário do Netflix, lançado em 2020 com o título Quem matou Malcolm X? (Who Killed Malcolm X?) sugeriu que um dos assassinos foi William Bradley, também conhecido como Al-Mustafa Shabazz, que vivia em Newark, Nova Jersey, e que fugiu imediatamente da cena do crime, apesar de seu envolvimento se tornar uma espécie de “segredo público” em sua própria comunidade. Bradley morreu dois anos antes da equipe do documentário conseguir reunir recursos para entrevistá-lo. Indícios de envolvimento da Casa Branca e suas agências persistem até hoje.

No ano passado, no 58° aniversário da morte de El-Shabazz, uma de suas filhas, Ilyasah Shabazz, anunciou intenções de processar o FBI, assim como a Diretoria de Inteligência Central (CIA) e o Departamento de Polícia de Nova York (NYPD), dentre outras agências, por intervir e obscurecer o processo sobre sua morte. As agências de Estado são acusadas de omitir e fraudar provas que mostrariam uma “conspiração para assassinar Malcolm X”.

O legado de El-Shabazz ainda tem hoje um profundo impacto, contudo, em moldar a mente de muitos jovens sobre temas críticos, como educação, liberdade e justiça. Com o atual enfoque na injustiça e na tirania imposta pelo Estado racista de Israel ao povo palestino nativo, as ideias de Malcolm X — El-Hajj Malik El-Shabazz — parecem mais pertinentes do que nunca, ao reafirmar que a revolução pela libertação da Palestina deve se dar por “quaisquer meios necessários” — incluindo o direito à luta armada, consagrado na lei internacional. Neste contexto, uma frase de Malcolm X parece transcender o tempo: “Não podemos separar paz de liberdade pois ninguém pode viver em paz a menos que seja livre”.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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