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A coletiva mórbida e a narrativa insustentável de Israel

Performance do grupo Refúgio.Zero lembra as crianças que estão sendo mortas em Gaza, no Ato em Solidariedade à Palestina em São Paulo em 22 de outubro de 2023.[Lina Bakr/MEMO]

Não importa quantas pessoas expostas às bombas e tanques sejam mortas em Gaza, ou que a faixa sitiada se transforme em escombros, Israel  vai perdendo sua maior guerra.

A principal sustentação internacional ao poderio de Israel está, não nas armas, mas na narrativa – de um estado de salvação de judeus do holocausto, a invocação bíblica como história, o direito de defesa contra um povo terrorista . O discurso entrou em choque com o inferno que arde em Gaza.

O intelectual Salem Nasser, ao falar das injustiças do colonialismo israelense sobre a Palestina, diz no prefácio do livro do historiador Nur Masalha, Palestina – 4 mil anos de História:

“Como pode algo tão evidente, tão cristalino, tão flagrante, tão injusto, não ser percebido por quem olha? A esse fenômeno já dei o nome de cegueira seletiva, de apagão da consciência…”

Essa  consciência adormecida entrou em convulsão nas redes sociais com as notícias e imagens de Gaza que gritam: “o rei está nú”, fazendo engasgar aliados obrigados a enxergá-lo despido de qualquer compaixão humana.

A contrapor a isso,  a diplomacia de Israel tenta segurar o foco da midia no dia 7 de outubro, ainda que para tanto recorra à morbidez. Um convite do consulado isralense a seus convidados da imprensa, com local e hora marcada para esta quarta-feira, dia 1º, anunciava uma sessão ‘exclusiva ‘ em que seriam “exibidas imagens exclusivas do horrível ataque do Hamas em Israel…Esta filmagem só foi mostrada em exibições especiais da IDF (Forças de Defesa de Israel) em Israel e Nova Iorque … enfatizamos que as imagens são fortes e extremamente sensíveis, expondo sem censura cenas brutais de mortes com crueldade”.

Não há exclusividade na mostra que, na verdade, faz parte de uma campanha de exibições simultâneas  “para o mundo todo ver” O mesmo filme foi exibido ontem para  embaixadores de Israel.

O problema, para Israel, ao exibir o sofrimento das suas vítimas civis, é tentar com isto justificar e disputar com a realidade do genocídio que está sendo a ação em Gaza.

LEIA: Tudo que se sabe parece irreal, menos a matança e a sede pela destruição de Gaza

A narrativa hierarquiza o direito à vida. Com mais de 20 dias de guerra, o site israelense mais lido, The Jerusalém Post , mantém até hoje em destaque a contagem dos mortos na guerra: 1.400 israelenses. Nessa contabilidade seletiva, as vidas palestinas, as cerca de 9 mil vidas palestinas, tiradas por Israel, 70% mulheres e crianças, não importam. Em estado de guerra contra a faixa sitiada, o foco deve manter-se nas vítimas do Hamas.

O dia 7, porém, deixou muitas perguntas que ainda destoam dos argumentos de Israel. Vídeos e artigos se espalham pela internet, com base nos dados colhidos pela própria mídia israelenses, sugerindo que  o Hamas não esteve sozinho agindo naquele dia, talvez por protocolos de defesa de Israel que não priorizam a vida de reféns quando se trata de varrer o inimigo. Os conteúdos sugerem que bombas de impacto incendiário lançadas por aviões de guerra sobre casas com gente dentro teriam vindo de outros comandos.

O convencimento pela exposição ao choque não é uma técnica de hoje.  Existe um velho documentário, chamado Defamation, que mostra um cineasta israelense buscando provas do antissemitismo nos Estados Unidos. É um filme surpreendente. Especialmente quando mostra entidades sionistas levando crianças de hoje a fazerem imersões na memória do holocausto,  com intenção explícitada no documentário de reprodzir nelas o medo e o ódio a  inimigos que elas imaginam estar hoje por toda parte – um mundo antissemita sempre a ameaça-las.

Israel promove uma limpeza étnica dos palestinos há anos  com aparente apoio de sua população. O medo local do alegado terrorismo palestino se junta com o temor judaico-cristão, propagado em  igrejas evangélicas nas Américas, de questionar Israel em sua suposta guerra santa, na qual Deus teria um lado.

Judeus antissionistas  tem se levantado para dizer:  “Não em nosso nome”, e devem estar gritando  isso ao embaixador de Israel na ONU que colocou no peito uma estrela de Davi amarela, como a falar em  nome das milhares de vítimas do nazismo para contestar os pedidos de cessar-fogo em Gaza.

Foi vergonhoso ver um diplomata do Estado colonial, acusado de apartheid e de genocídio, iinvocar a tragédia das vítimas do nazismo e comparar-se com elas. Suas alegações não estão batendo com a história.  As memórias dos mortos do Holocausto também devem estar dizendo  hoje: Não em nosso nome!

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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