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Tudo que se sabe parece irreal, menos a matança e a sede pela destruição de Gaza

Uma vista dos edifícios destruídos na Faixa de Gaza após os ataques aéreos israelenses que continuam no sétimo dia na Cidade de Gaza, Gaza, em 13 de outubro de 2023 [Abed Rahim Khatib – Agência Anadolu]

Quem poderia imaginar a Inteligência de Israel que tudo monitora, no mundo todo, com suas tecnologias avançadíssimas de espionagem, sendo pega de surpresa pelas forças do Hamas? E coloque inteligência aí – Mossad, espionagem militar, o Shin Bet, sem falar da ajuda internacional – de países amigos na vizinhança aos Estados Unidos com seus braços da CIA.

Quem acharia razoável que justamente três balões de observação usados pelas Forças de Defesa de Israel para monitorar a fronteira de Gaza tenham sido danificados nas últimas semanas, mas não substituídos por descuido enquanto o Hamas preparava o grande assalto?

E ele aconteceu de uma vez só, arrasando a barreira, adentrando os territórios ocupados por Israel em 1948, até seu interior. E foi assim que acompanhamos a motivação de Israel para revidar e atacar Gaza, mas não sem doses de crueldade transmitidas o tempo todo até não haver mais estômago para revirar-se.

Os ataques do Hamas foram noticiados quase em tempo real, e seu retrato foram os corpos jogados pelo caminho e reféns sendo arrastados de uma festa de música eletrônica organizada quase ao lado da  Faixa de Gaza. Ali, israelenses felizes dançavam na segurança de um Exército poderoso e feroz, confiantes de que seus soldados e espiões vigiavam cada centímetro da vida e da liberdade de cada cidadão de Gaza, enquanto os foguetes do Hamas eram armados aos milhares sem ninguém saber.

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Ali começou também a guerra das narrativas e de propagandas de guerra.  O Hamas diz não ter feito a carnificina contra civis que assistimos. Mas Israel nos brindou com as imagens de corpos cobertos sem esconder totalmente os vestidos estampados de senhoras mortas e os tênis all star de jovens executados no show do Universo Paralelo.

Israel sofreu de cara mais de mil mortes nesse arrastão ‘inesperado’, e logo divulgou haver 1500 corpos de terroristas palestinos mortos na fronteira de Gaza. Depois o assunto morreu porque não havia esses corpos palestinos para exibir. Ou não havia ainda.

Enquanto Israel prometia vingança e mandava cortar água, luz e comida da população de Gaza, já sob bombardeio, a guerra mirava também nossa comoção. A mídia e  as redes sociais já traziam informações pavorosas de bebês israelenses decapitados, crianças em gaiolas, crimes atribuídos aos palestinos. Isso em resposta à circulação de posts palestinos mostrando as pilhas de bebês de Gaza mortos pelas bombas atribuídas a Israel .  Vídeos gritavam o desespero de bebês feridos, esperneando aos berros, ensanguentados, queimados, repentinamente órfãos e sem socorro. Informações  e imagens desse tipo foram divulgadas e desmentidas, eliminadas por fact checking e de novo confirmadas. E não pararam de circular,  reais ou produzidas, não importa – o fato é que a vida humana e a imagem do seu sofrimento restou como munição em uma guerra inconcebível.

É medonho que longe de lá, mas no coração do país que sustenta a ocupação palestina por  Israel, um Conselho de Segurança das Nações Unidas, que leva esse nome para intervir quando não há diplomacia possível, não atue com as armas que tem para barrar a matança – como não atuou em 75 anos para impedir que as coisas chegassem ao pé em que estão. Nesse universo paralelo do direito de um Estado ocupante defender-se do povo ocupado,  é admissível que 2.5 milhões de pessoas enjauladas a céu aberto, na verdade emparedadas por muros e acuadas por mísseis, sem água, teto, calor ou comida, sejam avisadas para se esconder ou fugir para lugar nenhum – porque não há para onde fugir – e que vão morrer.

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Jovens que já participaram dos treinos de Israel – e são todos os que têm cidadania israelense no mundo – estão sendo convocados para pegar em armas. Mães enlouquecidas se encarregam de comprar coletes de segurança, capacetes e tudo que acham que poderá proteger seus despreparados soldados, voluntários ou não, das forças de Gaza em frangalhos.

Países se orgulham por retirar os seus de Israel e Gaza. Os palestinos não são vistos como humanos, disse Najla Said, filha de Edward. A esta altura, nem a vida dos reféns parece contar. Não esqueçamos que Israel tem seu protocolo atípico quanto ao resgate de militares sequestrados. E levando ao pé da letra, cada israelense com menos de 40  é um militar ativo ou na reserva.

Na insanidade da guerra, como bem nomeou o presidente Lula, a loucura tomou o lugar das consciências, e Gaza tornou-se a nova arena romana dos leões famintos, a nova fogueira da Inquisição, o novo holocausto programado – um espetáculo que o resto do planeta é convidado a assistir com sangue nos olhos. Hoje, tem até hora marcada – 24h impossíveis foram dadas para que a população se desloque para o sul.

A Human Rigts Watch e a Anistia Internacional, organizações mundias que já denunciaram o apartheid, divulgaram a constatação do uso por Israel de fósforo branco como munição, arma de guerra cruel e proibida  Quem se importa? Israel tem a mídia para dizer que não é verdade.

A única coisa certa em tudo isso é que não há limites para o que está sendo feito contra a população de Gaza, a mais duradoura perversão colonial aceita com um pouquinho de pena pela comunidade internacional.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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