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No fogo cruzado e com a economia em frangalhos, milhões no Sudão tentam sobreviver

Refugiados da guerra no Sudão recebem assistência na região de fronteira, em 20 de setembro de 2023 [Abdulmonam Eassa/Getty Images]

Dois meses depois de confrontos violentos em torno de sua casa o obrigarem a fugir, Sherif Abdelmoneim (36) se viu diante de uma nova angústia quando a carestia dos aluguéis e dos alimentos forçou sua família a voltar à capital sudanesa Cartum, ainda assolada pela guerra.

As informações são da agência de notícias Reuters.

A maioria daqueles que deixaram Cartum desde 15 de abril, quando eclodiu o conflito entre as Forças Armadas e as Forças de Suporte Rápido (FSR), não regressou. Milhões sofrem com desnutrição, enchentes e escorpiões, enquanto dependem de doações e ajuda humanitária para sobreviver.

Neste entremeio, países anfitriões se tornam cada vez mais hostis.

Mais de 5.25 milhões dos 49 milhões de sudaneses foram desarraigados desde então, alerta a Organização das Nações Unidas (ONU). Mais de um milhão destes atravessou a fronteira a países vizinhos, enquanto 4.1 milhões permanecem no Sudão, que acumula crises militares, políticas, sociais e econômicas.

“Os outros estados estão seguros, mas os preços são altos e não podemos continuar assim”, reportou Abdelmoneim por telefonema, da cidade de Omdurman, satélite de Cartum, onde alugou uma casa cujo bairro ainda escuta disparos, apesar dos confrontos se distanciarem.

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O conflito levou a economia estagnada do Sudão ao pleno colapso, ao obstruir o comércio e o transporte, prejudicar colheitas, suspender pagamentos e devastar a infraestrutura. O país se vê diante de apelos para atrair recursos magros que possam ajudar de alguma forma sua população deslocada mais uma vez.

Conflitos anteriores chegaram a desabrigar quase 7.1 milhões de pessoas, recorde mundial de indivíduos sem teto em um único país.

Trabalhadores assistenciais nos albergues esperam chegada cada vez maior de pessoas que fogem da capital; os recursos, no entanto, estão se esgotando.

“Somos um povo hospitaleiro, mas é mais do que podemos suportar”, disse Omar Othman, oficial do governo em Kassala, onde os aluguéis decolam. “Se continuar a guerra, as pessoas precisarão de abrigo porque o pouco que trouxeram consigo vai acabar”.

Paralisia no mercado de trabalho

Comunidades anfitriãs nas áreas menos afetadas também sofrem o impacto da guerra.

Em Rabak, a cerca de 275 km ao sul de Cartum, jovens tentavam ganhar a vida nas fábricas e até mesmo viajavam à capital para trabalhar antes dos confrontos.

“O mercado de trabalho está paralisado”, comentou o residente Fadeel Omer. “Cartum era a força motriz para o restante do país”.

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Deslocados que não conseguem arcar com os aluguéis são amontoados nos albergues, sob rachaduras e escorpiões, à medida que crianças desnutridas morrem diariamente. Algumas pessoas decidiram tentar a sorte e voltar a Cartum.

Em Merowe, a 340 km ao norte da capital, camponeses e assalariados viram a renda secar e voluntários locais lutam para providenciar refeições à comunidade. Muitos deslocados têm de dormir em sofás ou mesas improvisadas, segundo Izdihar Jumma, advogado e voluntário.

Danos à infraestrutura nas três áreas mais afetadas — Cartum, Darfur e Cordofão — podem chegar a US$60 bilhões, ou 10% do valor total, destacou Ibrahim al-Badawi, ex-ministro das Finanças do Sudão e pesquisador em ciências econômicas.

Al-Badawi estima que o produto interno bruto (PIB) deve minguar em 20% neste ano.

“Mesmo que acabe a guerra, o Sudão depende de apoio emergencial de até 10 bilhões para retomar sua economia”, advertiu al-Badawi em entrevista à Reuters, concedida em Dubai. “A continuidade da guerra levará a destruição da economia e do Estado”.

Socorro em queda livre

Desde o início da guerra, os preços de diversos produtos decolaram. A moeda desvalorizou a 900 libras por dólar, no mercado clandestino de Porto Sudão, no mar Vermelho — terminal a  agentes públicos e trabalhadores humanitários. Em abril, cada dólar valia 560 libras.

Envios da diáspora sudanesa representam hoje uma corda de salvação à população, explicou Omar Khalil, que fugiu de Omdurman a Porto Sudão em junho, com a esposa e os três filhos. O casal — ex-professores de arte — faz sorvete em casa para sobreviver.

A assistência internacional ao Sudão sofre de grave subfinanciamento. Até agosto, menos de 25% dos US$2.5 bilhões necessários para cobrir as demandas deste ano foram angariados, segundo as Nações Unidas.

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Trabalhadores humanitários advertem ainda que as operações são frustradas por restrições do governo e o colapso no setor de serviços e logística ao redor da capital.

Autoridades se sentem aflitas sobre campanhas assistenciais de voluntários locais e querem que os deslocados sejam reunidos em campos, mas não há recursos suficientes para cobrir a escala do problema, reiterou Will Carter, do Conselho de Refugiados da Noruega.

Em todo Sudão, deslocados que recorrem a aluguel sofrem despejo, embora muitas famílias abriguem consigo parentes mais distantes ou mesmo estranhos.

“Estamos diante de um impasse”, alertou Carter. “Pessoas em situação irregular se tornarão indigentes nas cidades sudanesas”.

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