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Da rendição em Oslo às esperanças do fim do colonialismo israelense

A luta palestina ainda em curso contra o projeto colonial sionista se converteu em uma guerra entre dois grupos: os esperançosos e os desesperados
Pessoas se reúnem no Brooklyn para protestar em apoio aos palestinos na cidade de Nova York, Estados Unidos, em 15 de maio de 2021 [Tayfun Coşkun - Agência Anadolu]

Este mês marca o 30° aniversário do tratado de rendição da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) à ocupação israelense, sob sua rubrica aos chamados Acordos de Oslo. Em setembro de 1993, o povo palestino se enchia de esperanças devido ao sucesso de sua firme resistência ao colonialismo sionista representada por uma resiliente revolta desde dezembro de 1987, conhecida mundialmente como Intifada. A OLP, então radicada em Túnis, contudo, estava desesperada.

30 anos depois de Oslo, será que a AP simplesmente consolidou a ocupação? [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio].

Após perder o apoio diplomático do Bloco Oriental devido à queda da União Soviética, assim como o apoio financeiro das autocracias árabes, devido à Guerra do Golfo de 1990 a 1991, a liderança desalentada da OLP se viu diante de uma cartada derradeira: colaborar com Israel, seus aliados regionais e seus mecenas imperiais para suprimir a Intifada.

A luta nacional palestina, ainda em curso contra o projeto colonial sionista, se converteu em uma guerra entre dois grupos distintos: os esperançosos e os desesperados. É precisamente a balança de poder entre os dois grupos que caracteriza o vai e vem da resistência palestina desde sua origem em meados de 1880, quando se deparou com os primeiros colonizadores europeus sionistas.

Os palestinos esperançosos estão sempre na vanguarda da resistência, que se tornou mais organizada na década de 1920. Contudo, os desesperados, que colaboraram com o Mandato Britânico, e os mais desesperados ainda, que até hoje colaboram com os sionistas, também se mostraram poderosos e bem organizados.

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Na década de 1930, os esperançosos mobilizaram sua maior ação de resistência até então, a chamada Grande Revolta Palestina de 1936 a 1939. No entanto, os desesperados da ocasião, assistidos pelos britânicos e sionistas, estabeleceram gangues contrarrevolucionárias sob a alcunha de “bandas da paz”. Sua missão era matar rebeldes esperançosos.

‘Abandonai a esperança’

Desde os primórdios, o movimento sionista apostou na aquiescência não somente das elites consolidadas na Palestina, mas também de camponeses e intelectuais, em seus planos para expropriar o povo palestino de suas terras em benefício de colonos judeus.

Vladimir Jabotinsky, líder sionista que fundou a corrente direitista do Sionismo Revisionista, compreendeu logo em 1923 que a capitulação palestina seria conquistada apenas quando os colonos fossem capazes de extinguir qualquer esperança de vitória de uma luta anticolonial do coração dos palestinos. “Todo povo originário resistirá a colonos estrangeiros enquanto enxergar esperanças de se livrar do perigo do assentamento externo”, escreveu Jabotinsky.

De fato, os palestinos já resistiam à colonização sionista na ocasião — “insistirão em fazê-lo enquanto restar uma fagulha solitária de esperança de que poderão impedir a conversão da ‘Palestina’ em nossa ‘Terra de Israel’”. A compreensão de Jabotinsky sobre as estratégias de longo prazo do projeto sionista é reveladora: “Isso não significa que qualquer tipo de acordo [com os palestinos] é impossível, mas apenas que um acordo voluntário não é possível”. Isso se deve ao seguinte fato, nas palavras de Jabotinsky: “Enquanto houver qualquer fagulha de esperança de que podem se livrar de nós, não venderão essa esperança”.

“Um povo vivo somente fará concessões desta escala, sobre questões tão incontornáveis, se não houver nenhuma esperança restante”, acrescentou. A tarefa diante do projeto sionista, portanto, seria consistentemente coagir os palestinos — e mesmo seus irmãos árabes — a abandonar a esperança que repousa em seus corações, sobretudo a esperança de derrotar o colonialismo externo. Não importa o quanto tentaram, o sionismo fracassou até então nesta missão fundamental.

O esquema sionista cuja salvaguarda era “se é impossível obter apoio dos árabe-palestinos, temos de buscá-la entre os árabes da Síria, do Iraque, da Arábia Saudita e, talvez, do Egito” não convencia Jabotinsky. “Mesmo que seja viável, isso não mudará a situação elementar. Não mudará a atitude dos árabes de Israel sobre nós”, argumentou em alusão à persistente esperança dos palestinos em vencer o sionismo — pouco importa se os egípcios, iraquianos, sírios e sauditas houvessem capitulado a Israel.

“Um acordo com os árabes fora da Terra de Israel é também um delírio”, insistiu Jabotinsky. Para extinguir a esperança dos países árabes em derrotar o colonialismo sionista, “temos de oferecê-los algo de valor e só temos duas coisas a oferecer: dinheiro e assistência política — ou ambos”. Precisamente aqui vacilou Jabotinsky, ao crer que não havia dinheiro suficiente sequer ao próprio projeto sionista.

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“Dez vezes mais delirante é proporcionar nosso apoio político às aspirações árabes”, alertou  Jabotinsky, operando sob a prodigiosa ilusão de que os países árabes eram governados por líderes anticolonialistas e não por figuras que colaboravam por décadas com o imperialismo ocidental. Precisamente por essa crença, Jabotinsky se sentiu fiel ao colonialismo europeu: “Não podemos conspirar para remover o Reino Unido do Canal de Suez e do Golfo Pérsico e para eliminar o domínio colonial da França e Itália sobre o território árabe. Este jogo duplo não pode ser considerado em hipótese alguma”.

O que Jabotinsky foi incapaz de perceber é que os sionistas poderiam sim ofertar assistência política aos regimes árabes sem se opor à influência colonial; ao contrário, ao preservá-la e intensificar seu papel em proteger a coroa dos antigos monarcas. Mesmo repúblicas recém fundadas buscaram quase imediatamente algum patrocínio de forças externas, uma vez que seus fundadores progressistas foram depostos. Isso se aplica ao Egito de Anwar Sadat como às monarquias na Jordânia, no Marrocos e na maior parte do Golfo.

Nas últimas duas décadas, líderes de países como Líbia, Iraque, Sudão e Tunísia também se aliaram a Israel ou — no mínimo — conduziram conversas de bastidores sobre as chances de normalização. Foi justamente a “assistência política” que esmagou a esperança dos regimes árabes de libertar a Palestina histórica, ao alimentar seus anseios de se perpetuar no poder ao servir aos interesses imperiais.

Não obstante, a exposição de Jabotinsky sobre os planos do movimento sionista claramente se articulavam com base no contexto político do começo da década de 1920. Dado que um “acordo voluntário” por parte dos palestinos está fora de cogitação, “a colonização sionista, mesmo em sua forma mais restrita, deve ser concluída ou executada em desacato à vontade da população nativa”. Em alusão a Reino Unido e Liga das Nações — após a Segunda Guerra Mundial, a Estados Unidos, Nações Unidas e boa parte da Europa —, proclamou Jabotinsky: “Esta colonização pode, portanto, avançar e se desenvolver apenas sob a proteção de forças independentes da população local”.

Concessões

Em 1948, quando Israel emitiu sua Declaração de criação do Estado judaico, seus ideólogos celebraram sua conquista como a materialização das esperanças sionistas — ao associá-la de forma direta a supostas esperanças judaicas. “Exilado da Palestina, o povo judeu prevaleceu fiel à terra em todos os países aos quais se dispersou, sem jamais deixar de orar e aguardar seu retorno e a restauração de suas liberdades nacionais”.

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De fato, o conceito está consagrado no próprio título do hino nacional sionista, Ha-Tikvah — isto é, “A Esperança”, cuja letra diz: “Nossa esperança, nossa esperança de dois mil anos, não se perdeu: ser um povo livre em nossa terra, na terra do Sião e de Jerusalém”.

Infelizmente para ideólogos, o Ha-Tikvah foi composto por um sionista fracassado, o colono judeu austríaco-ucraniano Naphtali Herz Imber, que chegou à Palestina em 1882 e trabalhou com o protestante sionista britânico Lawrence Oliphant — que, por sua vez, esquematizou planos para criar colônias agrárias destinadas a judeus europeus na Palestina histórica. Sete anos depois, em 1889, Herz Imber perdeu as esperanças tanto nos planos coloniais judaicos quanto protestantes e deixou os pastos verdes da Palestina para emigrar a outra colônia de assentamento europeia, os Estados Unidos, onde morou até o fim da vida. Grande parte dos sionistas, no entanto, permaneceu confiante em poder extinguir as esperanças legítimas do povo palestino em resistir a sua ocupação.

Ao antever as condições que culminaram na queda da OLP em Oslo, Jabotinsky insistiu que apenas com o fim da esperança, “apenas quando grupos extremos perderem sua influência a grupos moderados; apenas então, tais grupos moderados chegarão até nós com propostas de concessões recíprocas; apenas então, os moderados apontarão para concessões práticas como garantias contra a expulsão, a igualdade e a autonomia nacional”. Essencialmente, é o

que a OLP e seus apoiadores ofertaram a Israel no processo de Oslo, muito embora Israel não tenha lhes dado nenhuma contrapartida efetiva.

Jabotinsky foi bastante presciente sobre a transformação do movimento nacional palestino que começou em meados da década de 1970 e levou, em último caso, à degradação da OLP a sua face atual e colaboracionista, a Autoridade Palestina, em 1994. Entretanto, o que não esperava era o fracasso contundente de Israel e seus parceiros árabes e mesmo palestinos em extinguir a esperança do coração dos palestinos.

Desde o fim da década de 1980, os “grupos extremos” — ou seja, aqueles que conservam a esperança de dar fim ao colonialismo estrangeiro — somente ganharam em popularidade e continuam a avançar cada vez mais em instilar a crença entre os palestinos de que é possível derrotar o projeto sionista.

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É verdade que o grosso dos intelectuais liberais palestinos, deveras desesperados, apoiaram Oslo e o regime incipiente da Autoridade Palestina desde os primórdios e mesmo serviram como ministros em seu gabinete por anos e anos antes de desertá-lo e criticá-lo, enquanto outros continuam a servi-lo. Alguns apoiadores, porém, pouco a pouco, embora de maneira consistente, perderam seu encanto com as promessas de Oslo nos últimos 30 anos.

Nesta semana, um grupo de intelectuais críticos da Autoridade Palestina se sentiu impelido a condenar abertamente comentários generalistas e ofensivos de seu presidente Mahmoud Abbas a judeus europeus — muito embora prefira o silêncio, nos últimos dois meses, diante da colaboração crescente com Tel Aviv desde o massacre a Jenin, na Cisjordânia, incluindo a campanha assassina da Autoridade contra a resistência em nome da ocupação. A carta, pelo que ignora, foi bastante criticada por outros palestinos.

Não obstante, o que decidirá o resultado da luta palestina contra o colonialismo israelense é a esperança que ainda inspira gerações e gerações da resistência palestina, uma esperança reacendida, uma e outra vez, pela brutal opressão sem fim do regime de apartheid contra as comunidades ancestrais palestinas.

São esses palestinos esperançosos que resistem à colonização na Faixa de Gaza sitiada, na Cisjordânia ocupada e mesmo no território designado Israel — isto é, expropriado em 1948, durante a Nakba ou “catástrofe”, via limpeza étnica. São esses os palestinos que insistem em resistir mesmo após a rendição de Oslo. É sua esperança que conterrâneos desesperados, colaboracionistas árabes, colonizadores israelenses e seus mecenas imperiais jamais foram capazes de derrotar.

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Artigo publicado originalmente pela rede Middle East Eye, em 14 de setembro de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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