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O assassinato de um candidato presidencial. O que se sabe sobre as gangues mafiosas no Equador?

Fernando Villavicencio, candidato presidencial do Equador assassinado em 9 de agosto de 2023 [Foto da campanha Eleitoral/via Al Jazeera]

O assassinato do candidato presidencial  após uma festa eleitoral na capital, Quito, na última quarta-feira, lançou luz sobre as quadrilhas criminosas, sua influência e sua relação com as autoridades do país.

Fernando Villavicencio foi assassinado depois de receber claras ameaças de morte, como ele afirmara pessoalmente, do líder do cartel “Los Chorenos”, José Adolfo Macias Vigamar, detido na prisão de “Guayaquil” desde 2008, antes de ser transferido para o Prisão “La Roca”.

Los Chorenos é considerada a primeira máfia do país em termos de tamanho e força, e os seus membros variam entre 12.000 e 20.000 membros. É uma gangue ligada à poderosa máfia mexicana conhecida como “Cartel de Sinaloa” e atua na área de drogas, crime organizado e lavagem de dinheiro.

A máfia realmente matou Vicencio e por quê?

Em entrevista exclusiva à Al Jazeera Net, Diego Cano, colega de Vicencio – que anteriormente chefiou o sindicato dos trabalhadores da Petro Equador (companhia petrolífera estatal), e trabalharam juntos – diz que durante os últimos dois anos, e na qualidade de chefe da comissão de fiscalização da Assembleia Nacional, Vicencio denunciou a relação entre as gangues, o tráfico de drogas e o Estado e, antes de morrer, recebeu ameaças dessas gangues.

Cano acrescenta que Vicencio, como sindicalista da Petro Equador, foi constantemente perseguido por condenar a corrupção, recebeu ameaças, foi processado e, depois, foi expulso da empresa e forçado a buscar refúgio na região amazônica e no exterior. Diz que o colega de sindicato sentia-se perseguido pelo governo do ex-presidente equatoriano Rafael Correa e pessoas próximas a ele.

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O pesquisador de sociologia Miguel Marino Serrano conta que Vicencio foi diversas vezes ameaçado de morte. Na sua opinião, a sua morte teve um grande impacto no apoio ao discurso das forças de direita – que exigem o reforço das forças de segurança e o combate ao crime com mão de ferro – “e no esquecimento das causas sociais da violência e na ignorância dos direitos humanos”.

O investigador social equatoriano – em entrevista à Al Jazeera Net – aponta os efeitos negativos dos crimes ao exacerbar o sentimento de medo, desamparo e incerteza entre a maioria da população, o que enfraquece a capacidade de protestar e lutar contra este caos.

Conseguirão as autoridades confrontar os sindicatos do crime e processar os assassinos de Vicencio?

Franklin Sarnerto Sanchez, jurista equatoriano e chefe do centro de formação política “Escuela Popular” especializado na defesa de movimentos e organizações sociais, diz que a resposta é complexa. “Se olhamos um pouco mais de perto, notamos que as forças de segurança não tomaram as posições que deveriam para proteger Vicencio. “Eles estavam relaxados ao seu redor. Parecia que não tinham força suficiente para deter os assassinos”.

Sanchez acrescenta -na entrevista à Al Jazeera Net que o candidato não estava protegido e saiu do prédio pela porta principal, o que foi um grande erro de segurança, pois deveria ter saído pela porta dos fundos, assim como outro candidato que estava presente ao mesmo tempo, um ex-policial. Isto levou a esposa de Vicencio a denunciar a “imprudência” das forças de segurança que o rodeavam.

Na sua opinião, não há soluções claras para o domínio das máfias, porque a maioria dos candidatos à presidência da república fala em apoiar e fortalecer as forças policiais e aumentar o seu número, mas não falam da pobreza e da miséria.

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Sanchez acrescenta: “Quase não há um único candidato que fale sobre os verdadeiros problemas que o povo enfrenta. Quero dizer: o desemprego, a pobreza, os baixos salários, a má e miserável realidade. é que a pobreza empurra uma parte da sociedade a emigrar, e outra parte.” A envolver-se no trabalho com estas máfias.”

Serrano volta e responde à mesma pergunta dizendo que o Equador não tem condições de punir assassinos e acabar com o tráfico de drogas, pois perdeu o controle das prisões, e muitos crimes permanecem impunes, devido à infiltração de grandes instituições estatais como o polícia, o exército e o judiciário por traficantes e contrabandistas de drogas.

Por que as gangues do crime organizado estão ativas no Equador?

“Durante décadas, as máfias trataram o Equador como um corredor para o tráfico de drogas, principalmente cocaína, da Colômbia e do Peru”, afirma o jurista Sanchez. Posteriormente, essas gangues começaram a cultivar e fabricar cocaína na região de Putumayo, na fronteira entre o Equador e a Colômbia, onde existem muitas florestas e selvas que facilitam as operações de fabricação e contrabando.

Entre outras razões que atraem as máfias a trabalhar no Equador – segundo Sánchez – é que o dólar é uma moeda nacional, o que facilita as operações de lavagem de dinheiro, e isto, claro, se soma à corrupção desenfreada nas agências estatais.

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Segundo Sanchez, a maioria dessas gangues vem principalmente da Colômbia e do México e trabalha em coordenação com as máfias locais.

A Embaixada dos EUA e a Drug Enforcement Administration em Quito denunciaram repetidamente o que descreveram como o “fracasso” e a “frouxidão” das agências estatais no confronto com as gangues do tráfico de drogas.

Existe uma relação entre gangues de traficantes e agências estatais?

O especialista em direito Sanchez responde: “Sim, existem relações claras entre eles. Ele acredita que “os massacres que ocorrem dentro das prisões” são o maior exemplo disso. “Só estas máfias têm autoridade dentro das prisões, enquanto a polícia não pode fazer nada. ” A maioria dos massacres ocorre nas prisões de Asuka, Manafi, Cuenca, Guayaquil.

Artigo publicado originalmente em árabe  na Al Jazeera

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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