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Primeiro turno no Equador: violência política e fragmentação da direita

Luiza Gonzáles, em votação na Asamblea Nacional del Ecuador em Quito, Ecuador, em 19 de julho de 2022 [Asamblea Nacional del Ecuador]

O trágico governo do banqueiro Guillermo Lasso terminou de fato em 17 de maio, quando o político neoliberal proclamou a “morte cruzada”, dissolvendo a Assembleia Nacional após esta desaprovar as contas e o relatório de seu segundo ano de governo. Esta decisão traz o elemento legal de impedimento (juízo político). Como Lasso se recusou a defender seu mandato, decretou o fim da legislatura o que levou à antecipação do calendário eleitoral do país. Desta forma, o especulador financeiro encurta seu próprio governo em dois anos, e leva à necessidade de eleição de 137 cadeiras de um parlamento unicameral.

A consequência direta foi a aprovação pelo Conselho Nacional Eleitoral pela renovação dos representantes parlamentares além do presidente ou presidenta e vice. Três meses após o decreto de “morte cruzada”, portanto, no domingo 20 de agosto, o Equador foi às urnas. Lasso afirmou que ao deixar o governo estaria “pondo fim a um confronto político”. O segundo turno está marcado para o 15 de outubro e a posse da nova administração nacional em 23 de novembro de 2023.

A campanha foi marcada pela violência política – o ano de 2023 como um todo, tendo alvos a candidatos, representantes locais e prefeitos – incluindo a execução pública de um dos postulantes à Presidência. O país se vê em crise social e dos poderes legais, considerando que a falta de segurança é endêmica, assim como a transnacionalização dos capitais ilegais – ou complementares dos conglomerados agro-exportadores. Se nota a concorrência – a balas e tiroteios – dos territórios fronteiriços com a Colômbia (como a região de Las Esmeraldas) e a zona retroportuária de Guyaquil – onde teria havido um atentado também. A cadeia de valor do narcotráfico (no caso equatoriano, no sistema logístico) e da mineração é uma disputa permanente, havendo a participação de carteis mexicanos, e a vertente albanesa da máfia Adriática.

Falta informação e base conceitual a respeito da política equatoriana 

Tem circulado pela mídia brasileira um mapa das posições políticas dos mais conhecidos candidatos ao primeiro turno presidencial do Equador. Em geral, os erros são grandes.

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O candidato assassinado, Fernando Villavicencio, vem sendo caracterizado como sendo de “centro-esquerda”, enquanto, na verdade, seu comportamento é a favor do Lawfare, sendo inclusive elogiado publicamente por Sergio Moro. Villavicencio foi o terceiro colocado, pois seu rosto estava na lista eleitoral. Os votos foram atribuídos para seu substituto, Christian Zurita.

Luisa González representa o correismo, a centro-esquerda do Revolución Ciudadana (mesma posição do PT no Brasil), sendo chamada pela esquerda equatoriana de “progressismo”. Ou então de “melhorismo”. A candidata de Rafael Correa fechou na frente o primeiro turno, liderando em nove pontos e meio diante do segundo colocado, além de outros vários candidatos de direita ou centro-direita.

Já o candidato indígena Yaku Perez é um economista neoliberal, rachou seu partido Pachakutik e a CONAIE (a Confederação Indígena) e é o grande responsável pela vitória de Guillermo Lasso (o atual banqueiro presidente), que perdeu os direitos políticos e antecipou as eleições.

O milionário Jan Topic tem dupla nacionalidade – adquirida após misteriosamente servir como mercenário na Legião Estrangeira francesa – e é da mesma linha de Bukele, de El Salvador (quer militarizar a sociedade no intuito de “combater o crime”). Seu pai é um empresário que se fez multimilionário na privatização das comunicações e no avanço da internet no país.

Topic está vinculado aos chamados “capitais da Costa” e ao clã Bucaram (do ex-presidente deposto por uma rebelião popular após aplicar o plano de  Domingo Felipe Cavallo – ele mesmo – em 1998). Esse plano de Cavallo e Bucaram deu base para a dolarização promovida pelo desastroso governo de  Jamil Mahuad – que, de fato, conseguiu avançar no padrão dólar e veio igualmente a ser derrubado por uma rebelião popular.

O segundo colocado no primeiro turno do Equador, Daniel Noboa, é multimilionário e filho de um dos maiores exportadores de banana do país. Sofreu suposto na quinta-feira, dia 17 de agosto, algo não confirmado pelas forças policiais. A declaração oficial disse que houve uma “provável troca de tiros entre facções do narcotráfico”. Já o candidato multimilionário afirmou que sofrera um “atentado”. Em sua campanha circulou um vídeo editado de modo a mostrar que realmente ocorreu uma tentativa de execução. Enfim, o empresário faturou eleitoralmente?

Se ninguém explica o que ocorre e menos ainda faz a correlação entre a costa do Pacífico equatoriano como plataforma de circulação das rotas do narcotráfico, fica muito difícil gerar algum grau de compreensão das eleições antecipadas no Equador.

Isso sem falar que estão plebiscitando a proibição de mineração na Amazônia, mas podem liberar na região andina (está tudo sendo jogado em eleições simultâneas), incluindo a exploração nas Ilhas Galápagos. 137 assentos na Assembleia Nacional do Equador – parlamento unicameral – estão em jogo também, para formar maioria parlamentar e impedir um novo juízo político.

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Outro resultado importante que ocorreu em simultâneo ao primeiro turno das eleições foi o plebiscito acima citado, para interromper ou não a exploração de petróleo na Amazônia equatoriana. O Parque Nacional do Yasuní é uma potencial província petrolífera já em operação. Com a escolha da cidadania, com 58,9% pelo SIM (na pergunta invertida, contra a exploração de combustível fóssil) e NÃO (pelo prosseguimento das atividades extrativistas). Importante dizer que no voto impresso, a totalização de 100% demora muito para contabilizar em função de populações que vivem em regiões mais afastadas, seja dos Andes ou da Amazônia profunda. Com o resultado, as companhias que já tinham licença provisória e maquinário instalado se vêem obrigadas a retirar equipamentos e pessoal da área de preservação, com presença de nacionalidades indígenas equatorianas.

Totais eleitorais

O primeiro turno teve um competição fragmentada, que pode ainda vir a ser atingida pelos fatores de violência política. Na quase totalização das urnas, a lista das candidaturas mais votadas (as que ultrapassam 1%) é a seguinte:

Luisa González, Revolución Ciudadana (correismo) – 33,33%.

Daniel Noboa, Acción Democrática Nacional (direita) – 23,64%.

Christian Zurita, Movimiento Construye (herdeiro de Fernando Villavicencio, centro e apoiador da Lawfare) – 16,5%.

Jan Topic, Alianza por un país sin miedo (extrema direita) – 14,68%.

Otto Sonnenholzner, Actuemos (centro-direita) – 7,06%.

Yaku Perez, Claro que se puede (liderança indígena de corte liberal, rompida com a CONAIE) – 3,94%.

Linhas conclusivas

A América Latina como um todo está diante de uma nova ameaça: como um ataque triplo pela via técnico jurídica, como ocorreu com a Lava Jato (e o primeiro turno da Guatemala), o avanço do controle do capitalismo criminal e a decorrente militarização, como por exemplo El Salvador e Equador, e como gangorra geoeconômica entre a dolarização e o desenvolvimento econômico através dos BRICS.

No caso específico do Equador, a violência política entra como um fator determinante, colocando o imponderável como elemento permanente. A tarefa da social-democracia ao tentar retomar o Poder Executivo é muito complicada, caso haja alguma unidade entre o fragmentado voto mais à direita. Caso não ocorra esse movimento e se mantenha a polarização, é possível a vitória de Luisa González nas urnas, mas ainda muito distante estará de formar uma maioria social capaz de garantir o mínimo de governabilidade. Para a direita, o caos societário e a consequente militarização é a mais “viável” das alternativas.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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