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Jenin e o Brasil – por onde vai a solidariedade?

O gatilho para que várias entidades se reunissem no Sindicato dos Advogados de São Paulo  foi a inação brasileira e internacional frente à barbárie em Jenin.

O presidente Lula já criticou a ONU por não ter atuado para assegurar o Estado Palestino.  A fala foi lembrada pelo relator da ONU para assuntos da Síria, Paulo Sérgio Pinheiro, durante encontro realizado em São Paulo, na última quinta-feira, em solidariedade ao povo de Jenin.  Mas será que essa manifestação de Lula, cobrando a reforma da ONU, está orientando as relações do governo com Israel e Palestina? A questão foi levantada em várias intervenções de lideranças que participaram da reunião.

O gatilho para que várias entidades se reunissem no Sindicato dos Advogados de São Paulo  foi a inação da comunidade brasileira frente à barbárie em Jenin. A declaração do Itamaraty, conjunta com Argentina e México, deixou a desejar, quase que equiparando direitos de estado ocupante e povo ocupado.  A reunião política foi convocada pela Frente em Defesa do Povo Palestino.

A cidade palestina de Jenin abriga um campo de refugiados do mesmo nome, que já foi outras vezes barbarizado, especialmente no massacre de 2002.  Ali, uma juventude que nasceu depois da segunda intifada vem se levantando para que Israel pare de se intrometer em terras que não são suas e matar pessoas que o Estado sionista não controla.  Alguns desses meninos, que só viveram  16, 17 ou 18 anos, estão entre os 12 palestinos mortos por Israel na última segunda-feira, taxados de terroristas. Ações espontâneas contra Israel são geralmente seguidas de punições coletivas. Jenin viveu um dia de terror entre a fumaça das bombas, o barulho dos helicópteros, os gritos, as invasões e os tiros mortais dos soldados invasores. Para os palestinos, os mortos eram parte da resistência desesperada da sua juventude à terrível realidade de nascer e viver sob ocupação, sem jamais saber o que existe do lado de fora.

Soraya Misleh, jornalista palestino-brasileira moderadora do encontro, explicou que o chamado da Frente busca decisões conjuntas sobre o que se pode fazer. A cobrança de justiça para o povo palestino é desde o século passado uma agenda comum ao campo democrático, mas hoje parece acanhada na cena política institucional. E isso foi questionado por participantes. Pessoas de todos os partidos do campo da  esquerda, com atuação em setoriais, trouxeram ideias e propostas, mas, sintomaticamente,  representantes oficiais das maiores legendas – PT , PSol (à exceção da corrente MES) e PCdoB não vieram.

Mohamad Kadri, que é do PT, mas participou como presidente do Fórum Latino Palestino (FLP),  informou que há um grupo no partido chamado Diálogos para a Ação, que deve se reunir ainda este mês para discutir a proposta de que o PT se some à defesa palestina de um Estado único e democrático para todos – abandonando a fictícia solução de dois Estados.   É o que defendem integrantes do FLP, uma  frente formada por parlamentares e lideranças da América Latina que está trabalhando para que governos e casas legislativas do continente adotem posições contra o apartheid, que é crime previsto no direito  internacional, adotado em Israel no processo de limpeza étnica do povo palestino.

Este posicionamento, na opinião  dos participantes, precisa se traduzir em suspensão de acordos de compra de armas de Israel, sabendo-se que são usadas pela repressão aos jovens palestinos lá e aos jovens negros e indígenas do lado de cá.  O Brasil é considerado um povo irmão e solidário pelos palestinos, que por sinal festejaram a vitória do atual presidente Lula contra o sionista Jair Bolsonaro. No entanto, esses acordos avançam, abastecendo e treinando polícias brasileiras.

Especialmente no Brasil, participantes consideram que acordos que alimentam a ocupação são  influenciados pelo acesso de seus apoiadores, especialmente os chamados sionistas de esquerda aos espaços de poder e de tomada de decisões. Para os palestinos, a suposição de que seja possível um sionismo de esquerda soa como acreditar em apartheid de esquerda, colonização de esquerda ou limpeza étnica de esquerda.

A força do lobby em meio às esquerdas foi apontada pelo professor Reginaldo Nasser, da PUC, que no entanto vê mudanças no exterior, como o fato de que a própria ONU marcou a passagem do Dia da Nakba, a despeito dos protestos sionistas. Ele também observa novidades editoriais, como um artigo no New York Times, sobre a inviabilidade da solução dois Estados, que faz parte da retórica que imobiliza a comunidade internacional.

A lentidão do Tribunal Penal Internacional em investigar as denúncias contra Israel contrasta com a celeridade do seu promotor em visitar já por 4 vezes a Ucrânia, mostrando uma incrível seletividade sobre o que deve ser investigado. Mas isso hoje é testemunhado rapidamente pela velocidade da comunicação, convencendo até quem em tese seria beneficiário da ocupação. O militante da central sindical Conlutas Fábio Bosco cita resultado de  pesquisa demonstrando que 55% dos judeus nos Estados Unidos não consideram Israel como Estado que os represente, o que também é fato novo e ruidoso na sustentação do projeto sionista.

 

A  professora Francirosy Campos Barbosa, da USP, vê no Brasil muita distorção e desconhecimento da situação palestina e sua gravidade. E esse alienamento é algo produzido, alimentado na política e na academia. Ela diz que os sionistas não dormem, impõem suas narrativas e se apresentam como democráticos e civilizados.

De fato, se a entrevista feita pelo canal Inteligência Ltda com o agente da Inteligência israelense , André Lajts em contraponto ao professor pró-palestina, da FGV, Salem Nasser, for uma mostra do que ela diz, o sionismo consegue falar de matança com um sorriso gentil nos lábios.

Na entrevista, o educado agente israelense explicou que esteve pessoalmente participando da área de controle de uma operação que deixou Gaza em escombros, algo que para ele foi “cirúrgico” para eliminar um terrorista – mas que matou  famílias com crianças e derrubou instalações de mídia, como lembrou Nasser, além de infraestrutura básica da população de Gaza.  Qualquer apoiador do BDS – movimento de boicote a Israel até que a ocupação acabe – poderia ter repetido o que fez certa vez o ator Pedro Cardoso ao sair de uma entrevista ao vivo, por solidariedade aos grevistas da emissora (a EBC) que protestavam na porta. O movimento BDS, na verdade, advoga por não dar palco aos propagandistas da ocupação e lembra que há sempre um palestino silenciado pela ocupação, quando esta é lavada pela narrativa cordial.

A difícil eficácia do desejo de solidariedade no Brasil pode ser também resultado de equívocos da própria esquerda em situações de poder. Reginaldo Nasser e Bruno Huberman estão investigando, para um futuro livro, os fatores que facilitaram a transição do Brasil dos primeiros governos do PT para o país que se colocou a serviço dos interesses sionistas no governo de Bolsonaro. Desde os governos Lula e Dilma, o que eles veem é uma curva ascendente de acordos com Israel.

As recomendações  que sairam do encontro demandam muito mais trabalho das entidades, da produção de conteúdos midiáticos e didáticos à realização de conferências com lideranças brasileiras e  figuras estratégicas que investigam a situação palestina. Foram mencionadas a Anistia Internacional, Human Rights Watch, as deputadas democratas Ilhan Omar e Rashida Tlaib, dos Estados Unidos e a própria relatora especial da ONU sobre direitos humanos nos territórios ocupados, Francesca Albanese. Como diz Paulo Sergio Pinheiro, não há no pessoal da ONU quem não reconheça o apartheid palestino. Falta efetivar essa compreensão em medidas eficazes da comunidade internacional. O mesmo vale para o governo brasileiro e o Itamaraty. E para os governos da América Latina que o FPL busca sensibilizar.

Militantes de organizações e redes como o Movimento Brasil Popular,  MST, Movimento Mulheres em Luta, Coletivo Ana Montenegro, Progressistas Árabes, BDS, Associação Islâmica de São Paulo e de partidos como PCB, PSTU, PT e PSOL, e acadêmicos presentes se comprometeram com o fortalecimento da Frente e ações conjuntas por uma Palestina livre.  Do rio ao mar, como frisou Soraya Misleh. Para ela, as pressões virão mesmo dos movimentos populares que se identificam com o sofrimento palestino. Mas a política institucional entrou claramente na mira das cobranças.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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