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Solidariedades conectadas – a missão do Fórum Latino Palestino

Vozes solidárias com o povo palestino são ouvidas com frequência, vindas de organizações e pessoas imbuídas da certeza de que a situação de apartheid na Palestina precisa ter fim. Mas é interessante que a primeira reunião do Conselho de Curadores do Fórum Latino Palestino tenha apontado o problema da  fragmentação. Conectar solidariedade para ações concretas e mais eficazes é uma proposta sincera das entidades que carregam a bandeira da Palestina livre. Mas o instrumental para isso precisa de reforços.

O Fórum Latino Palestino, nascido da participação na Liga Mundial de Parlamentares por Al-Quds (Jerusalém), tem o propósito de acrescentar uma visão latino-americana à criação de estratégias. E foi saudado na primeira reunião de seu Conselho de Curadores, realizada   no dia 13 de junho de 2023, como iniciativa que deve cumprir um papel aglutinador na região. O encontro teve participantes de dez países do continente, além do palestino Mohammad Balaawi, representante da Liga por Al-Quds. A urgência de uma jornada presencial intensiva de trabalhos foi sinalizada por vários parlamentares, como a deputada do Mercosul Julia Argentina Periê  e a vereadora Cristina Heredia, ambas da Argentina, a senadora uruguaia  Sandra Lazo e o deputado venezuelano Júlio Chávez.

A situação da Palestina se agrava com os ataques deliberados de Israel, e com um histórico internacional de apoio incondicional às práticas das forças ocupantes que culminaram na ascensão uma extrema direita que já manifestou mais de uma vez o desejo de ver-se livre da existência palestina.

Ainda que a gênese desse fórum seja a experiência da  Liga por Al-Quds, onde as conexões visam ações parlamentares com foco na proteção de Jerusalém, a composição do Conselho de Curadores indica que a  América Latina pode ter conexões mais heterogêneas, indo além da política e o ativismo social para inserir-se no universo da cultura, pesquisa e academia. Além disso, o FPL é parte formal no Brasil da Associação Fórum Latino-americano de Solidariedade entre os Povos, que prioriza as ligações entre os povos originários ou diaspóricos que, em pleno século XXI, ainda lutam contra o colonialismo . Os laços incluem lutas indígenas e negras pela terra e contra o racismo. O campo de trabalho é amplíssimo e algumas prioridades foram estabelecidas já nessa primeira reunião.

O diplomata e defensor dos Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro pediu atenção às universidades, onde a solidariedade está presente, mas dispersa. E quando se torna visível, como foi o caso do ato realizado na Unicamp contra o comércio de armas com Israel, há repressão. Nessas circunstâncias, é preciso um instrumento que agregue solidariedade efetiva não apenas com o povo palestino, mas com quem o defenda, impedindo que alunos sejam perseguidos por suas manifestações. Também professores se queixam de censura, como denunciou a professora da USP, Francirosy Campos Barbosa, que já teve um artigo sobre a questão palestina vetado pela universidade. É algo que ela atribui ao lobby acadêmico sionista. Menciona, por exemplo,  a criação de um Israel Corner no Centro Intercultural Internacional (CII) da USP no final de 2021, e a não existência de um Palestine Corner.  Fruto dessas intervenções, o FPL deve fortalecer relações com acadêmicos da América Latina interessados na construção de agendas comuns.  Reuniões continentais, envolvendo governos da região, também devem ser vistas e aproveitadas como oportunidades de sensibilização.

LEIA: O Fórum Latino Palestino visitou Brasília para discutir sobre a causa palestina

Para além dos diálogos, o FPL precisa tornar claro o que defende e propõe. Uma demanda trazida à reunião é a de trabalhar para que a alternativa “dois Estados” seja desmistificada e por fim retirada dos discursos políticos de parlamentares, governos e lideranças. A professora Arlene Clemesha, da USP, argumenta que não é mais cabível aceitar a formulação “dois Estados” como solução, com a qual o povo palestino é levado em banho-maria, enquanto Israel avança sobre o que resta de suas terras e sua identidade. É uma alternativa que, lembra a professora, não convence mais ninguém. No entanto, toda manifestação de solidariedade de autoridades importantes ainda traz a  frase em apoio a uma solução falida que só ajuda a arrastar uma ocupação reconhecida como apartheid.

Como disse o professor Reginaldo Nasser, duas importantes organizações internacionais já declararam formalmente que há aparheid- Human Rights Watch (HRW) e Anistia Internacional. Se o Brasil respeita e reconhece autoridade nessas organizações, ele argumenta, é natural que o governo subscreva esses relatórios. E o FPL deve ter esse papel de pressão.

O venezuelano Julio Chávez, que se orgulha da resistência de seu país às sanções impostas pelos Estados Unidos, mantendo laços de solidariedade com povos e governos anti-imperialistas, aponta ocasiões de encontros de autoridades da esquerda latino-americana, como a reunião do Foro de São Paulo, para reverberar a pauta palestina e os apelos à solidariedade. O grupo de partidos e organizações de esquerda está programado para reunir-se entre os dias 29 de junho e 2 de julho  em Brasília e deve discutir a integração dos países latino-americanos e caribenhos e também suas relações internacionais em momento de disputas anti-hegemônicas. Chávez e outros integrantes do do FPL esperam participar.

O presidente do FPL, Mohamad El Kadri, acredita que é preciso incidir no cenário internacional para fazer frente à ótica ocidental – de manter olhos grandes para a invasão da Ucrânia mas olhos fechados para o assalto à Palestina. Essa situação de dois pesos e duas medidas, que se repete quando Irã é condenado por desenvolver uma tecnologia nuclear que outros já têm sem questionamentos, é parte de uma hegemonia dos Estados Unidos que vem sendo questionada, como lembra o diretor internacional do MEMO, Daud Abdullah. A sociedade civil e suas organizações, ele adverte, devem cumprir um papel preponderante.

A questão palestina está no centro da disputa por outro mundo possível, na qual os povos da América Latina também se inserem. O Fórum Latino-Palestino é instrumento bem-vindo e pode fazer diferença ao jogar esforços na solidariedade entre essas lutas contra-hegemônicas e anticoloniais.

LEIA: Histórias e conflitos diplomáticos da resistência palestina no livro de Daud Abdullah

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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Palestina: quatro mil anos de história
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