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O Dia da Vitória e o apagamento histórico pelo Ocidente

Celebração do fim da Segunda Guerra Mundial, em 9 de maio de 1945 [New Orleans/Museu Nacional]

O dia 9 de maio de 1945 é o ápice das comemorações russas do Dia da Vitória sobre o nazismo. Há décadas as potências ocidentais fizeram campanha de contra propaganda contra o esforço de guerra da antiga União Soviética (URSS) e depois do fim da Bipolaridade, continuam suas ações de mídia contra a Rússia. Quase toda a filmografia de Hollywood – que cresceu muito com as obras narrando a Guerra do Pacífico (o conflito entre Estados Unidos X Japão) – ignora solenemente a Frente Leste do nazismo, a ocupação da Europa Oriental e as enormes perdas de vidas nos países soviéticos. Ignorar o papel russo na derrota do Eixo Nazifascista é uma meta permanente desde 1947 (quando nominalmente inicia a Guerra Fria).

Nos conturbados anos 1990, a propaganda arrefeceu um pouco, em especial pela crise provocada visando à desvalorização do rublo e a dilapidação do patrimônio público soviético (através de uma aliança entre capitais voláteis e oligarcas). A partir da virada do século XXI com  a retomada do controle do aparato de Estado sobre os ativos mais importantes da economia da Federação Russa, o país continente voltou a ser um “inimigo visível”, incluindo as operações de propaganda e “cultura estratégica” (de acordo com o próprio manual da CIA), também visando ignorar o papel russo na vitória sobre o nazismo.

A partir do início do conflito interno na Ucrânia (fevereiro de 2014), a guerra contra os russos étnicos e a quebra dos Acordos de Misnk a situação se torna ainda mais tensa. Após fevereiro de 2022 e a deflagração do conflito russo-ucraniano, uma das bases de recrutamento e mobilização do governo de Kiev são justamente as formações paramilitares oscilando entre o ultranacionalismo e o filo-nazismo. O ressurgir de alas nazistas – que são financiadas pelo Ocidente – ou, pelo menos, ignoradas pelos países membros da Organização dos Países do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), faz parte de uma estratégia de apagamento da memória da segunda metade do século XX, atuando no conjunto dos chamados “espaços europeus pós-soviéticos”. Vale reforçar, o Ocidente ignora solenemente a presença filo-nazista na Ucrânia embora a legislação de vários países membros da União Europeia proíba a difusão destas mesmas idéias e valores.

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É um conflito “cultural” simultâneo com múltiplas frentes. No território sob controle de Estados pós-soviéticos, como os Estados bálticos e países do leste europeu (tomando como exemplo máximo a Polônia), continuam a destruir todos os monumentos e remover memoriais que documentaram por décadas o papel do Exército Vermelho na derrota do nazismo. Seria simplesmente impossível derrotar a máquina de guerra do III Reich sem a contra ofensiva soviética, a defesa de Stalingrado como perímetro de proteção da província petrolífera do Azerbaijão (com refinarias na própria capital azeri Baku). Com a derrota nazista na frente leste russa, o teatro de operações passa a ser o território ucraniano, onde as forças alemãs contavam com colaboradores nacionais. Após a derrota dos militares leais a Hitler na Ucrânia, o Exército Vermelho adentrou pela Polônia, liberando o país e acabando com os abomináveis campos de concentração.

A antiga URSS perdeu mais de 27 milhões de vidas na 2ª Guerra Mundial, o que hoje equivaleria a mais de 10% da população da Federação Russa. A 2ª Guerra Mundial é chamada de A Grande Guerra Patriótica, e era um evento fundamental da coalizão interna das repúblicas soviéticas e do conjunto dos países membros do antigo Pacto de Varsóvia. Há uma mácula profunda nesta história e precisa ser dita. Havia colaboradores pró-nazi e anti-russos (e também anti-soviéticos) apoiando a ocupação das forças hitleristas em todos os países europeus. A França teve o vergonhoso “governo de Vichy”; já na península dos eslavos do sul, a constituição da hoje extinta República Socialista Federativa da Iugoslávia foi fruto da vitória da guerra de libertação contra os nazistas e guerra civil antifascista. A Península Italiana se libertou da ocupação nazista após haver derrubado o nefasto governo do ditador Benito Mussolini. Mas, no auge da Guerra Fria no continente europeu, quase sempre a OTAN apoiou as frações de extrema direita – antigas colaboradoras ou aliadas fundamentais do III Reich – no intuito de ampliar o “corredor sanitário” anti-soviético.

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Os dois anos posteriores a derrota hitlerista pelo Exército Vermelho junto aos à época os aliados ocidentais marcaram uma virada na relação entre os países membros da OTAN e os antigos adversários nazistas ou fascistas. As oposições dos países sob influência soviética contavam com diversos matizes – incluindo forças à esquerda da linha de Moscou – mas também sempre havia alguma fração de antigos colaboradores do III Reich. A vergonhosa trajetória também se deu concomitante ao Plano Marshall de reconstrução da Europa ocidental, em países como a Itália, onde a força política herdeira do fascismo, no pós-guerra da década de 1940 – então conhecido como MSI -, contou com amplo apoio da CIA nas eleições de 1948.

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Outro exemplo de aliança entre os aliados ocidentais e colaboradores da ocupação nazista se deu na guerra civil grega (1946-1949), contou com as linhas de suprimento e apoio logístico de Estados Unidos e Inglaterra no suporte das forças da extrema direita daquele país. Menos de vinte anos depois, um golpe de Estado (1967-1974) culmina com uma guerra entre países membros da OTAN, no conflito entre Grécia e Turquia. A meta de fundo era estabelecer a “última linha” de defesa anti-soviética, para além das bases militares da OTAN, cujos contingentes majoritários eram de origem estadunidense (como são até os dias de hoje, incluindo os “consultores militares que treinaram mais de 400 mil ucranianos de 2014 a 2022). A famigerada Rede Gladio foi responsável pelo intento de golpe fascista – de antigos apoiadores de Mussolini (o Golpe Borghese, dezembro de 1970) – e contou com a inteligência ocidental para tal intento.

Como se não bastasse, ainda houve a aliança de fato entre a OTAN e os regimes fascistas de Portugal (com Antonio Salazar e Marcelo Caetano, no Estado Novo português, de 1933 a 1974) e as falanges de Francisco Franco e seus herdeiros (1939-1975). Ao contrário do que se propagava na Resistência Francesa, não houve avanço das forças conjuntas de Franceses Livres e militares anglo-saxões, indo ao encontro das populações vítimas dos aliados de Hitler na Península Ibérica.  Foi justamente ao contrário, com apoio, negócios, bases militares e raras conexões entre ex-nazistas e o comércio de armas junto ao Estado Colonial do Apartheid Sionista. Qualquer semelhança com as tenebrosas relações do “ocidente” e a República Sul-Africana supremacista não são nenhuma coincidência.

Voltando ao dia da vitória, em 09 de maio de 1945, houve a rendição das forças nazistas ao Exército Vermelho (o primeiro a entrar em Berlim). Os demais “aliados” então comandados por Grã Bretanha e Estados Unidos celebram no dia anterior, em 08 de maio. Havia a tradição de comemorar a data nos demais países do Pacto de Varsóvia e as repúblicas membro da URSS. Como existe um esforço da guerra de propaganda da OTAN de apagar a memória histórica da segunda metade do século XX, as gerações mais jovens e os espaços públicos do Leste Europeu não aprendem sobre antifascismo e menos ainda são informadas a respeito das vergonhosas relações entre o “ocidente” e os aliados do nazifascismo após a derrota hitlerista na 2ª Guerra Mundial.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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