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Eleições na Turquia atrai interesses regionais e internacionais

Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan [Mustafa Kamaci/Agência Anadolu]
Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan [Mustafa Kamaci/Agência Anadolu]

O partido Justiça e Desenvolvimento (AK), que detém o governo na Turquia, conduz atualmente uma campanha em todo o país para encorajar a população a reeleger o presidente Recep Tayyip Erdogan. Reuniões de campanha não têm jingles ou canções, em respeito às famílias enlutadas que perderam entes queridos nos devastadores terremotos de fevereiro, que mataram mais de 50 mil pessoas na Síria e na Turquia.

Embora o partido AK realize eventos eleitorais em silêncio, há bastante ruído sobre o assunto em todo o mundo. Sob Erdogan, a Turquia se tornou matéria de atenção e interesse de líderes e governos mundiais. O partido governa o país há 21 anos e Erdogan busca agora um terceiro mandato, no pleito previsto para 14 de maio. As eleições presidenciais e parlamentares serão realizadas no mesmo dia.

Detratores buscam se livrar de Erdogan há anos e anos, mas o presidente mantém uma base popular sólida, após introduzir reformas econômicas e administrativas com intuito de converter a Turquia em uma superpotência. Isso tudo torna as eleições turcas muito interessantes tanto para amigos quanto para inimigos do atual governo.

Embora sejam aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), os Estados Unidos não vêem a Turquia como amigo próximo, em parte, por causa das raízes islâmicas do partido AK. “O que penso que devemos fazer”, disse Joe Biden antes de chegar à Casa Branca, “é adotar uma abordagem diferente em relação a ele [Erdogan], deixando claro que apoiamos a liderança da oposição”. Biden insistiu que Erdogan teria de “pagar o preço” por suas políticas.

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Assim como outros, Biden gostaria de ver o retorno dos secularistas ao poder. Lideranças ocidentais devem, neste contexto, encorajar uma vitória da oposição, declarou o presidente americano ao jornal The New York Times em 2020. Já na Casa Branca, Biden ordenou seu embaixador em Ancara, Jeff Flake, a se encontrar com o principal adversário de Erdogan, Kemal Kilicdaroglu, líder do Partido Popular Republicano (CHP) e candidato presidencial de um bloco de seis partidos oposicionistas. Flake descreveu a reunião como “parte de conversas contínuas com partidos políticos sobre questões de interesse mútuo entre os países”.

A ação, no entanto, recebeu críticas de Erdogan, taxada de ingerência estrangeira no processo eleitoral. “Precisamos dar uma lição a Washington nesta eleição”, reagiu Erdogan.

Conforme analistas, a eventualidade de uma nova potência islâmica no Oriente Médio é vista pelos Estados Unidos como ameaça a seus interesses. Apesar das divergências contundentes entre os países islâmicos, tamanha eventual potência poderia catalisar uma guinada contra a influência e interferência ocidental na região.

O retorno dos secularistas ao poder – ideologicamente distantes de outros regimes islâmicos – poderia frustrar os sonhos da Turquia de se tornar uma superpotência. Historicamente, quando os secularistas governam uma nação muçulmana, dependem de apoio estrangeiro. Na Turquia, poderiam se tornar fantoches dos Estados Unidos e seus aliados, o que porventura explica tanto interesse internacional nas eleições nacionais turcas.

Estados e líderes árabes e islâmicos também estão atentos aos resultados na Turquia. Países vizinhos têm relações complexas com os governantes em Ancara. Alguns mantêm uma espécie de “zona neutra” sobre suas relações com o governo turco, para que preservem certo espaço de manobra, não importa quem vença a eleição presidencial do próximo mês.

Os habitantes majoritariamente muçulmanos do Oriente Médio querem ver uma democracia bem sucedida na Turquia, como um dos principais países islâmicos em ascensão no planeta. De fato, muitos esperam que o sucesso da Turquia tenha uma influência positiva para mudanças em seus próprios países.

Refugiados palestinos, egípcios, iraquianos e sírios na Turquia aguardam ansiosamente, cada qual à sua maneira, os resultados das eleições. Muitos desejam ver outra vitória de Erdogan, sob promessas do atual presidente de lhes manter respeito e abordagem positiva. Em contraste, secularistas mais ligados à Europa prometem enviar refugiados de volta para a casa. O próprio Kilicdaroglu, por exemplo, insistiu que enviaria refugiados à Síria devastada pela guerra, ainda governada pelo mesmo regime que destruiu o país. A Turquia abriga hoje cerca de quatro milhões de refugiados árabes, dentre os quais 3,5 milhões de sírios.

Sob Erdogan, a Turquia se tornou um local seguro para turismo, residência e investimentos. Os árabes em geral não ficariam felizes em vê-lo perder. “As nações árabes são amigas dos turcos”, disse o presidente. “O mesmo vale para nossos irmãos na Ásia Central, nos Bálcãs, no Cáucaso e em outras partes do mundo.” Erdogan insiste também em defender a causa palestina, questão central para árabes e muçulmanos – nem sempre para seus governos.

“Recentemente, Erdogan se tornou uma pessoa com impacto internacional”, disse o analista político turco Mahmet Ajet à rede Al Jazeera. “Além de seu histórico doméstico, há um extenso histórico em termos de política externa, na arena internacional”. Ajet argumenta que Erdogan colocou a Turquia em nível equivalente de superpotências no que se refere a setores como agricultura, indústria, energia e defesa.

No início do ano, Flake – o emissário americano – incitou vários embaixadores ocidentais a fechar consulados em Istambul para criar uma imagem de instabilidade e prejudicar a próspera indústria do turismo do país. Em fevereiro, o ministro do Interior da Turquia, Suleyman Soylu, criticou o embaixador dos Estados Unidos após a Casa Branca emitir uma advertência a Ancara sobre a exportação de produtos químicos, microchips e outros itens para a Rússia. “Tire suas mãos sujas da Turquia”, declarou Soylu. “Estou sendo muito claro. Sei muito bem como vocês gostariam de criar discórdia na Turquia.” Todos os emissários americanos que chegam ao país tentam conspirar pelo êxito de um golpe de estado em solo turco, alegou um iracundo Soylu.

Os principais agentes regionais e internacionais estão de olho nas eleições na Turquia porque os resultados podem consolidar um governo islâmico independente dos Estados Unidos ou mesmo entregar o país a um regime fantoche ocidentalizado. Humores regionais e internacionais sobre as eleições na Turquia podem deixar um contragosto amargo em toda a região.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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