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Solidariedade com a Palestina substitui tendência pró-Israel com a posse de esquerdistas na América do Sul

Marcha de abertura do Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto Alegre [Foto Lina Bakr, 28/11/2012]
Marcha de abertura do Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto Alegre [Foto Lina Bakr, 28/11/2012]

O anúncio do Chile de que abrirá uma embaixada na Palestina e o novo governo do Brasil abandonando a política externa pró-Israel de seu antecessor aumentaram as esperanças na América Latina sobre mudanças nas posições regionais sobre o conflito israelense-palestino.

Apenas um dia após a posse do presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro, o Brasil anunciou uma mudança radical em sua diplomacia.

O novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, mencionou a questão palestina em seu discurso de posse, dizendo que o Brasil “retomará sua postura tradicional e equilibrada mantida por mais de sete décadas” e apoiará a solução de dois Estados “completamente viáveis, coexistindo com segurança lado a lado com fronteiras reconhecidas internacionalmente”.

A América Latina esteve fortemente dividida entre Israel e Palestina durante a maior parte do último meio século.

Os regimes conservadores se concentravam em valores judaico-cristãos compartilhados, relações comerciais e cooperação militar com Israel, enquanto a esquerda defendia o nacionalismo, o anticolonialismo, a luta pela liberdade e uma história compartilhada com a diáspora palestina.

Em 5 de janeiro, durante uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para discutir a visita provocativa do ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, ao complexo da Mesquita Al-Aqsa em Jerusalém, a delegação do Brasil disse que o ato era “profundamente alarmante” e poderia aumentar a violência na região.

Essa foi uma grande transformação na política brasileira, uma vez que o ex-presidente de direita Jair Bolsonaro era um forte aliado de Israel e até planejava mudar a embaixada de seu país de Tel Aviv para Jerusalém.

Ele abandonou a ideia após protestos de países árabes que prejudicavam o comércio brasileiro com os mundos árabe e muçulmano.

A nova diplomacia do Brasil foi proclamada apenas quinze dias depois que o presidente esquerdista do Chile, Gabriel Boric, divulgou seu plano de transformar o escritório de representação de seu país na cidade palestina de Ramallah em uma embaixada.

LEIA: A nova política externa de Lula: Itamaraty demite embaixador a Israel

Ele revelou sua intenção durante uma festa de Natal em 21 de dezembro no Club Deportivo Palestino, organização esportiva social criada por imigrantes palestinos em 1920.

Durante anos, comunidades na América Latina se uniram para denunciar a ocupação da Palestina por Israel.

A forte solidariedade com a Palestina no continente pressionou os governos a denunciar as ações de Israel.

O Chile tem a maior comunidade palestina do mundo fora do Oriente Médio, com cerca de 500.000 pessoas.

“Não podemos esquecer uma comunidade que sofre com uma ocupação ilegal, uma comunidade que resiste, uma comunidade que tem seus direitos e sua dignidade violados todos os dias, e que isso é absolutamente injusto”, disse Boric.

No dia seguinte, a ministra das Relações Exteriores do Chile, Antonia Urrejola, reafirmou o plano da embaixada, mas não forneceu um cronograma.

Especialistas veem a decisão de Boric como um convite para que outros países latino-americanos façam o mesmo. “Essa não foi apenas uma ação visando intensificar as relações entre os dois países (Chile e Palestina) e reconhecer plenamente o direito do povo palestino à autodeterminação, mas também um gesto que pode ser imitado por outros líderes regionais”, disse ao Arab News o analista político palestino-chileno Jaime Abedrapo.

Ele disse que o Ministério das Relações Exteriores do Chile vem avançando gradualmente em direção a esse plano ao longo dos anos, e amplos segmentos da sociedade apoiam o anúncio de Boric, incluindo políticos de direita.

“Devemos enfatizar que a comunidade judaica chilena reconheceu a legitimidade da medida”, acrescentou Abedrapo.

Para ele, o fato de o Brasil voltar a aderir à agenda de Lula para o Oriente Médio é de grande relevância dada a importância do país na América Latina.

Diáspora palestina na América Latina em números:

– 500 mil no Chile

– 250 mil em Honduras

– 200 mil na Guatemala

– 70 mil em El Salvador

– 70 mil no Brasil

A eleição de Lula e de outros esquerdistas do continente é vista como um momento auspicioso para a adoção de medidas que possam beneficiar o povo palestino.

“Por que Boric anunciou seu plano agora? Porque há condições propícias para isso”, disse Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil, ao Arab News. “Mesmo antes da posse de Lula, sua postura política sobre Palestina e Israel já impactava o cenário diplomático latino-americano.”

LEIA: O Chile de Boric e da diáspora palestina

Rabah compara a situação atual com a de 2010, quando o então presidente Lula reconheceu o Estado da Palestina nas fronteiras em 1967. Outros países latino-americanos seguiram o exemplo.

“Boric teve sensibilidade política para perceber isso e agir”, disse Rabah, expressando sua crença de que Lula consolidará as políticas que lançou durante seus dois mandatos (entre 2003 e 2010) e que foram congeladas depois.

Eles incluem quatro acordos de cooperação assinados entre Brasil e Palestina em 2010 sobre livre comércio, educação, cultura e tecnologia.

“Esses negócios foram obstruídos por extremistas, incluindo o deputado Eduardo Bolsonaro (filho de Jair Bolsonaro), durante o processo no Congresso”, disse Rabah. “Tivemos que trabalhar muito para vê-los aprovados agora. Tenho certeza que Lula vai ratificá-los.”

Tais acordos aumentarão o intercâmbio de pessoas e bens entre os dois países e fortalecerão seu relacionamento.

Chilenos e brasileiros envolvidos com a causa palestina desejam ver mais avanços nos próximos anos.

Abedrapo disse que espera “passos coerentes e consistentes”, incluindo o estabelecimento de uma Embaixada do Chile em Belém ou Jerusalém. “Isso teria um grande impacto simbólico”, acrescentou.

Rabah disse que ele e outros ativistas estão pressionando o governo brasileiro a assumir “uma voz clara contra o apartheid (israelense) na Palestina”.

Ele acrescentou: “Queremos que o governo brasileiro corte relações com empresas e instituições israelenses direta ou indiretamente envolvidas na invasão de territórios na Palestina, por exemplo”.

Mas Reginaldo Nasser, professor de relações exteriores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, disse que embora as medidas de Boric e Lula tragam progresso, esperar por grandes transformações agora é irreal.

LEIA: O retorno à tradição diplomática brasileira e a questão palestina

“Lula tinha uma relação ambígua com a Palestina, já que durante seus governos anteriores ele promoveu iniciativas importantes para os palestinos, mas também intensificou as relações de seu país com Israel”, disse Nasser ao Arab News, acrescentando que uma mudança real “exige mais do que medidas simbólicas”.

Ele disse: “O Brasil baseia sua diplomacia no direito internacional, mas Israel vai muito além disso e coloca colonos para dominar uma região”.

Na opinião de Nasser, o governo brasileiro deveria entender que não há simetria entre Palestina e Israel, mas uma situação de colonialismo.

“Se as políticas brasileiras não levarem isso em consideração, nada pode realmente mudar. O Brasil continuará agindo como parceiro de Israel”, disse ele, acrescentando que a pressão pró-Israel será forte no Brasil e na América Latina como um todo, se mais medidas forem tomadas.

“Os custos de ir contra as políticas de Israel são altos. É por isso que os palestinos estão sozinhos há tanto tempo na arena internacional”, disse Nasser.

* Matéria publicada originalmente em 10/01 no Arab News. Tradução livre FEPAL

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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