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Em São Paulo, unir as lutas contra a privatização da Sabesp e o apartheid israelense

O Governador Rodrigo Garcia [Governo do Estado de São Paulo-Flickr]
O Governador Rodrigo Garcia [Governo do Estado de São Paulo-Flickr]

Maior empresa de saneamento da América Latina e terceira maior do mundo, a Sabesp está na mira das privatizações do governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas. E para completar o circo de horrores, a empresa foi apresentada ao Estado racista de Israel pelo atual mandatário do Estado, Rodrigo Garcia, como uma vitrine de bons negócios.

Um escárnio. Os paulistanos veem a água, bem essencial, ser transformada dia a dia em mercadoria. Enquanto isso, o sofrimento do povo palestino – que enfrenta colonização e apartheid na contínua Nakba (catástrofe desde a formação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada) – é solenemente ignorado, num lavar as mãos vergonhoso. A apresentação ocorreu no Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino – 29 de novembro.

Na data, o governo paulista, que tem se esmerado na cumplicidade com o apartheid israelense, recebia nada menos que uma comitiva de embaixadores de Israel na América Latina. A reunião, no Palácio dos Bandeirantes, na capital de São Paulo, visava, segundo notícia no portal oficial, apresentar o Estado e seu “potencial de investimentos”. Para essa exposição, além de secretários de governo e do vice-presidente da InvesteSP, Gustavo Ley, estava presente ninguém menos que o presidente da Sabesp, Benedito Braga. Ele falou sobre “a estrutura da companhia e os investimentos em saneamento que são feitos no Estado de São Paulo”.

Já Rodrigo Garcia saudou o Estado de apartheid como “um exemplo de democracia”, expressando satisfação e gratidão pela parceria e acordo bilateral. Em outubro deste ano, seu governo assinou protocolo de intenções entre o Estado de São Paulo e Israel, visando cooperação para ações em inovação em áreas como agricultura, ciência e tecnologia, recursos hídricos e segurança pública.

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“Após a assinatura do protocolo de intenções há alguns meses, este encontro de embaixadores aqui em São Paulo é o primeiro passo para que possamos concretizar, nos anos que se seguem, mas sobretudo em 2023, iniciativas entre o Estado de São Paulo e Israel”, afirmou o cônsul-geral de Israel em São Paulo, Rafael Erdreich. A declaração consta da notícia no portal oficial.

Para o próximo ano, está colocada a tarefa às organizações de direitos humanos, movimentos sociais e populares de fortalecer a mobilização nesse estado por boicote, desinvestimento e sanções (BDS) a Israel, exigindo o cancelamento do protocolo de intenções e de todos os acordos com o apartheid. E nesse marco, garantir que Israel tire suas mãos sujas de sangue palestino da Sabesp.

Mobilização urgente

Nessa direção, é preciso unir as lutas para impedir que uma tragédia anunciada se consolide. Tarcísio de Freitas afirmou no início deste mês que a Sabesp será sua grande privatização. Nada justifica a entrega do patrimônio público, pelo contrário, será um desastre para avançar na universalização do saneamento, haverá aumento de tarifas e queda na qualidade do serviço, como especialistas têm apontado há tempos. A empresa é lucrativa, eficiente e referência internacional. Garante, através do mecanismo do subsídio cruzado, que o serviço seja fornecido a pequenos municípios, via recursos arrecadados na capital e outras grandes cidades.

Exemplos no País não deixam dúvidas: os pequenos municípios, que não dão lucro, serão abandonados na privatização, assim como a população mais pobre, que mais precisa de garantia de investimentos em água e esgoto. No mundo, o saneamento foi reestatizado em 270 cidades de vários países, diante do fracasso das privatizações. A proposta de Tarcísio de Freitas vai na contramão.

Também não se justifica a aproximação da empresa com Israel. A Sabesp, cujo corpo técnico é de excelência, não necessita de supostas soluções tecnológicas, nem mesmo para dessalinização – propaganda preferida do Estado sionista na busca por parcerias com companhias de saneamento, na mentira deslavada de que fez “florescer o deserto”. São Paulo e o Brasil já contam com tecnologias para dessalinização. Quanto ao mito de que Israel fez “florescer o deserto”, basta um olhar sobre a história para comprovar que o que Israel fez foi destruir o meio ambiente e o modo de vida do povo palestino, que cultivava uma terra fértil e foi expulsa violentamente. E isso continua a ocorrer.

Como revela informe publicado em março de 2020 pela Al Haq, organização palestina de direitos humanos, o “acesso dos palestinos à água na Cisjordânia ocupada é negado em favor do fornecimento a assentamentos israelenses ilegais. Assim, quase 50 mil palestinos que residem na Área C [sob controle militar sionista, na divisão feita pelos desastrosos acordos de Oslo em 1993] vivem sem acesso à água limpa. Além disso, são impedidos de construir e renovar sua própria infraestrutura de água por meio de severas restrições de construção impostas pela administração israelense, tornando difícil ter água suficiente para consumo doméstico e para manter a autossuficiência e independência alimentar”.

E segue: “Diante disso, em 2016, os palestinos na Cisjordânia ocupada consumiam em média apenas 73 litros de água por dia, bem abaixo dos 100 litros recomendados pela OMS [Organização Mundial da Saúde], enquanto os colonos israelenses consumiam aproximadamente 369 litros por dia, mais de três vezes a média recomendada.” Segundo a organização, esses residentes ilegais consomem três a oito vezes mais água do que toda a população palestina da Cisjordânia.

A situação na Faixa de Gaza, em que vivem 2 milhões de palestinos sob cerco israelense desumano há 15 anos, como continua a organização, é “particularmente preocupante”. Em seu texto, demonstra: “De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a partir de 2019, somente uma em cada dez famílias de Gaza tinha acesso à água limpa e segura. Apenas 5% do abastecimento na Faixa de Gaza é fornecido por Israel, a potência ocupante, enquanto o restante vem do aquífero costeiro, que está amplamente contaminado, ou de poços privados, inacessíveis para a maioria dos palestinos. Além disso, menos de 4% da água doce de Gaza é própria para uso e consumo humano.”

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A empresa israelense responsável pelo apartheid da água é a Mekorot, que tem buscado acordos de cooperação técnica com companhias estaduais brasileiras, como a Sabesp. No ano de 2014, a campanha por boicote, desinvestimento e sanções (BDS) a Israel arrancou importante vitória. Após requerimento de informações à companhia sobre acordo com a Mekorot, a resposta foi que o memorando de entendimento se tornara “sem efeito”. Em outras palavras, estava anulado.

O Estado sionista, contudo, não desistiu de suas investidas. Em janeiro de 2018, uma notícia no portal Saneamento ambiental revelava que a Sabesp utilizara tecnologia israelense em tubulações. Algo absolutamente estranho e injustificável, dada a expertise dos técnicos da companhia. E agora, a Sabesp é apresentada aos embaixadores de Israel na América Latina.

Urge retomar, ao acender das luzes de 2023, a mobilização para barrar acordos entre Israel e a empresa. Defender a Sabesp pública – e livre de apartheid.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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