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Esqueça o discurso de liberdade: Alemanha reprime a solidariedade palestina

Primeiro-Ministro da Autoridade Palestina Mohammad Shtayyeh encontra-se com o chanceler alemão Oliver Ovica em Ramallah, na Cisjordânia ocupada, em 15 de setembro de 2021 [Abbas Momani/AFP via Getty Images]

Na Alemanha supostamente democrática – o país reunificado pela queda do Muro de Berlim –, ativistas de direitos humanos que manifestam solidariedade à Palestina sofrem discriminação e perseguição sob pretexto da luta contra o “antissemitismo”. De muitas formas, a supressão das liberdades de expressão aos ativistas pró-Palestina em solo alemão é pior do que ocorre dentro até mesmo do Estado de Israel.

De que outra maneira poderíamos interpretar a perseguição que palestinos-alemães e cidadãos de status similar sofrem nas mãos do estado alemão, pelo único “crime” de organizar atividades pacíficas em solidariedade com a Palestina ocupada? Embora tais atos sejam consagrados pela Constituição e por numerosas cartas de direitos humanos, a perseguição pública é violenta ao ponto de punir indivíduos meramente por “curtir” postagens no Facebook e em outras redes.

Pouco tempo atrás, um homem solicitou residência permanente na Alemanha, mas foi obrigado a deixar o país por sua solidariedade civil ao povo palestino. Em 2019, autoridades se recusaram a renovar o visto de residência do escritor palestino Khaled Barakat e lhe deram apenas um mês para sair do país, após ele ser preso e impedido de falar em um simpósio em Berlim. O pretexto foi que Barakat envolveu-se em atividades “anti-Israel” e que povo alemão, por inferência, teria de ser “protegido” de suas ações. Barakat foi proibido de estar presente em toda e qualquer assembleia com mais de dez pessoas em território alemão – até mesmo reuniões familiares.

A jornalista palestina Maram Salim foi demitida de seu emprego no jornal Süddeutsche Zeitung. A exoneração foi escusada por Salim ter admitido receios de censura, em sua conta pessoal do Facebook, ao deletar algumas postagens. Seu empregador pressupôs arbitrariamente que Salim escrevera mensagens “antissemitas”, posteriormente apagadas.

Nima al-Hassan nasceu na Alemanha de pais nativos do Líbano e da Palestina e venceu diversos prêmios de prestígio. Tornou-se alvo após uma reportagem de 2014, na qual apareceu com um hijab (véu islâmico) e um keffiyeh (lenço palestino), em um ato em apoio a Jerusalém na cidade de Berlim. A foto foi difundida por um jornal local sete anos depois e levou a uma campanha de difamação contra al-Hassan, sob a qual foi rotulada como “antissemita”. Sob veemente assédio, al-Hassan preferiu desculpar-se por participar da marcha; os ataques, porém, jamais cessaram.

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A perseguição histriônica contra tudo e todos que negam a alegação de que opor-se aos crimes israelenses na Palestina ocupada equivale a “antissemitismo” alcança até judeus antissionistas. Judeus que repudiam o sionismo são também designados “antissemitas”, apesar de sua própria identidade religiosa, sobretudo pelas forças policiais da Alemanha. Além disso, enfrentam grave pressão do lobby sionista na imprensa e nos círculos políticos em todo o país.

Parlamentares no Bundestag criminalizaram o movimento pacífico de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS). Igualmente, recordar o Dia da Nakba – aniversário da “catástrofe”, quando foi criado o Estado de Israel mediante limpeza étnica da Palestina histórica, em 15 de maio de 1948 – foi proibido no país, assim como protestos com a bandeira palestina.

A Alemanha – tão democrática – é a maior doadora da Autoridade Palestina, muito embora os recursos sejam restritos à colaboração entre Ramallah e a ocupação israelense conforme os Acordos de Oslo. Ao monitorarmos os processos de tomada de decisão em Berlim, podemos ter ciência de que isso jamais ocorreria sem o aval de Tel Aviv.

É fascinante como o governo alemão consegue retratar a si mesmo como suposto embaixador dos direitos humanos ao redor do planeta, sempre pronto a punir países que desrespeitem tais liberdades. Ao mesmo tempo – sob enorme hipocrisia –, ninguém na Alemanha pode expressar seu apoio legítimo e pacífico aos direitos palestinos e à luta por libertação perante violações cotidianas de direitos humanos, civis e políticos e da lei internacional perpetradas pelo regime da ocupação e do apartheid israelense.

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Organizações internacionais de direitos humanos costumam lavar as mãos sobre as violações da Alemanha instituídas contra os direitos de manifestar solidariedade ao povo palestino. De fato, são cúmplices em seu silêncio e sua dupla moral sobre direitos humanos. Tamanha hipocrisia do Ocidente é evidente na campanha contra o Catar como país-sede da Copa do Mundo; no apoio à resistência ucraniana contra a ocupação da Rússia, comparada a designação de “terroristas” aos ativistas palestinos; e na indiferença a quaisquer golpes de estado conduzidos por ditaduras do Terceiro Mundo, onde quer que os interesses das grandes nações possam ser ameaçados justamente pela democracia.

Não obstante, tudo que acontece não deve desencorajar a solidariedade palestina na Alemanha ou qualquer lugar do mundo. É preciso continuar a trabalhar e lutar pacificamente por justiça e liberdade na Palestina ocupada. Liberdade de expressão é, afinal, um valor consagrado por lei em todas as nações ocidentais.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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