Portuguese / English

Middle East Near You

Campanha de “Trump dos trópicos” tem xenofobia, racismo e bandeiras israelenses

Jair Bolsonaro e Donald Trump durante reunião do G20 em Osaka, no Japão [Alan Santos / PR]

A entrevista de Bolsonaro a um podcast no último dia 14 de outubro em que ele afirma que “pintou um clima” ao se deparar em 2021, andando de moto, com “menininhas bonitas, de 14, 15 anos” causou justa revolta nas redes sociais. “Bolsonaro pervertido” e “Bolsonaro pedófilo” estiveram entre os assuntos do momento no twitter à sequência. Mas um aspecto característico desse misógino representante da ultradireita, aliado explícito do Estado racista de Israel, passou ao largo: sua peculiar xenofobia, alimentada por declaração que sabia ser mentirosa, como é de seu costume. Depois do impacto negativo de sua repugnante declaração, viu-se obrigado a pedir desculpas, como tem sido seu hábito nessas campanhas eleitorais, tentando mostrar uma empatia que seu histórico e seu governo desmentem.

Após sentir que “pintou um clima”, ele afirma que pediu as meninas para ir à casa delas. Lá se deparou com dezenas de garotas, todas venezuelanas, que estavam se arrumando. Em mentira torpe, associou o local a uma casa de prostituição, quando se tratava simplesmente de uma ação social, um “dia de beleza”. A ideia que passou é que imigrantes e refugiadas não poderiam estar fazendo outra coisa.

Sua xenofobia, expressa nesse caso, na verdade é velha conhecida. Em entrevista no ano de 2015 ao Jornal Opção, de Goiás, quando ainda era deputado federal, Bolsonaro chamou os refugiados de “escória do mundo”, citando literalmente haitianos, senegaleses, bolivianos e sírios. “Como [se] nós não tivéssemos problemas demais para resolver”, disse o xenofóbico.

Sob esse “Trump dos trópicos”, o Brasil se retirou do Pacto Global para a Migração, capitaneado pela Organização das Nações Unidas (ONU), alinhando-se com, entre outros, Estados Unidos, Israel e Hungria. Em seu twitter à época, Bolsonaro justificou: “Não é qualquer um que entra na nossa casa.”

Em artigo publicado em abril de 2019 no portal Migramundo, a autora Bruna Kadletz traz mais sobre seu lamentável histórico: “Em visita oficial à Casa Branca em março de 2019, o presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro declarou apoio às desumanas políticas migratórias implementadas pela administração do presidente americano, Donald Trump.”

LEIA: O que uma derrota de Bolsonaro significa para Israel?

Ela acrescenta: “Em uma entrevista à rede de televisão americana Fox News no dia 18 de março, Bolsonaro reforçou publicamente o ardiloso estereótipo de que refugiados e imigrantes são uma ameaça à segurança nacional, herança cultural e ordem social ao declarar: ‘Grande maioria dos imigrantes não tem boas intenções nem quer fazer o bem aos americanos.’ Durante a mesma entrevista, o presidente demonstrou seu apoio ao plano da administração de Trump em construir um muro ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e México.” Vale lembrar que Trump chegou a enaltecer a expertise israelense nesse tipo de empreendimento – sobretudo com o muro do apartheid na Cisjordânia, Palestina ocupada – , a qual de fato passou a ser utilizada na construção da barreira EUA-México, que conta centenas de milhares de quilômetros.

“A linguagem populista de violência e xenofobia promove a ideia de que solicitantes de refúgio, refugiados e imigrantes vulneráveis poluem sociedades, contaminando relações sociais e econômicas, e que suas presenças deixam as ruas sujas. Esta linguagem e linha de pensamento normaliza o confinamento de tais populações em zonas de exclusão, seja nas periferias de sociedades, em campos de refugiados ou em centros de detenção”, escreve ainda Kadletz.

Agora, na campanha eleitoral, o rei das fake news tem afirmado a preocupação com a complicada situação no país vizinho, mas mentirosamente atrela a ausência de liberdades democráticas a um inexistente comunismo. O escárnio da vez é que fala contra ditadura, justo ele, que representa ameaça às liberdades democráticas no Brasil, duramente conquistadas, e fez inúmeras declarações ao longo de sua vida pública em favor do regime de exceção, além de ter chamado de herói e homenageado o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Criminalização

Outro grupo alvo do racismo de Bolsonaro são os nordestinos, que ele chamou de “analfabetos” e classificou como ignorantes logo após o resultado do primeiro turno das eleições, em que os votos na região foram majoritariamente para Lula. Como no caso das venezuelanas, depois referiu-se a eles como “irmãos” para tentar conter o malfeito que expressa o quão preconceituoso é.

Racismo que também tem demonstrado na campanha em relação aos moradores de favelas, os mesmos que enfrentam o genocídio pobre e negro com armas israelenses que matam palestinos todos os dias.

Com relação a estes últimos, não é segredo que Bolsonaro os considera nada menos do que parte da “escória do mundo” e “terroristas” por resistirem a uma ocupação criminosa. Vale lembrar que em maio de 2021, durante a ofensiva para a limpeza étnica em Sheikh Jarrah, Jerusalém, seguida dos bombardeios sionistas a Gaza que duraram 11 dias e mataram pelo menos 250 palestinos, o “Trump dos trópicos” se solidarizou com Israel.

LEIA: O olhar internacional sobre as eleições e a disputa pelo Brasil profundo

As bandeiras israelenses que povoam sua campanha eleitoral estiveram presentes durante seu governo e antes, assim como a diplomacia sob Bolsonaro alinhou-se com o regime de apartheid sionista. O então primeiro-ministro Benjamin Netanyahu veio pela primeira vez à posse de um presidente brasileiro em 1º. de janeiro de 2019, demonstrando o simbolismo dessa aliança explícita na cadeira do Planalto.

Antes de Bolsonaro a política externa brasileira era descrita como “pragmática”, promovendo uma separação entre diplomacia e economia. Tanto que o Brasil já havia se tornado, lamentavelmente, nos governos anteriores, um dos cinco maiores importadores de tecnologia militar israelense – acordos que foram renovados por Bolsonaro numa relação que se aprofundou, agora sob o verniz da forte propaganda ideológica em favor do regime de apartheid sionista.

Para além da diferença na diplomacia e retórica em favor dos palestinos, Lula sinalizou eventual revisão de uma política externa que infelizmente antes prevaleceu, de firmar acordos militares com o Estado racista de Israel. Em julho de 2020, ele foi um dos ex-presidentes na América Latina que assinaram o manifesto “Contra o roubo do século de Trump e Netanyahu – Sanções ao apartheid israelense”, em cujo texto constam, entre outros pontos, o compromisso e apoio ao “chamado do povo palestino pelo fim do comércio de armas e cooperação na área militar e de segurança com Israel; pela suspensão dos acordos de livre comércio; pela proibição do comércio com assentamentos ilegais israelenses; e pela exigência da responsabilização de indivíduos e atores corporativos, cúmplices deste regime de ocupação e de apartheid”.

Contra o xenofóbico, racista, aliado explícito do sionismo Bolsonaro e seu projeto que ameaça as liberdades democráticas no Brasil, a expectativa é de levar em 1º. de janeiro de 2023 a exigência a Lula de que cumpra esse compromisso e promova o embargo militar a Israel. Medida efetiva em apoio ao povo palestino, cuja parcela também brasileira nos territórios ocupados em 1967 garantiu a ele cerca de 90% dos votos, num rechaço correto e absoluto ao “Trump dos trópicos”.

LEIA: A presença árabe nas eleições gerais de 2022

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

Categorias
ArtigoÁsia & AméricasBrasilEstados UnidosIsraelOpiniãoOriente MédioPalestina
Show Comments
Palestina: quatro mil anos de história
Show Comments