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O que uma derrota de Bolsonaro significa para Israel?

Jair Bolsonaro, presidente brasileiro e candidato à reeleição em São Paulo, Brasil, 23 de agosto de 2022 [Paulo Lopes/Anadolu Agência]

Em 2019, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro desembarcou no Aeroporto Ben Gurion de Israel recitando a frase hebraica “Ani ohev et Israel” – “Eu amo Israel”. Durante seus quatro anos no cargo, Bolsonaro conseguiu expressar seu amor por Israel de várias maneiras. O ex-primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu estava certo quando disse em dezembro de 2018 que o governo de Jair Bolsonaro trará “uma nova era” nas relações entre Israel e “a grande potência” Brasil. Isto é exatamente o que aconteceu. A presidência de Bolsonaro exibiu uma abordagem diferente em relação às relações com Israel, afastando-se das políticas de governos anteriores de esquerda. Das promessas de mudança da Embaixada do Brasil para Jerusalém ocupada; pedindo a ajuda de Israel para sair da crise do coronavírus; levantando a bandeira israelense e acenando publicamente, o Bolsonaro de extrema-direita transformou o Brasil no novo melhor amigo de Israel.

Assim, ele enfrentou uma crise quando perdeu o primeiro turno das eleições presidenciais recentemente. A eleição no país mais poderoso e populoso da região agora terá um segundo turno em 30 de outubro entre Bolsonaro e Lula da Silva, que recebeu 48,4% dos votos expressos, em comparação com 43,23% do titular. Pesquisas e analistas têm quase certeza de que Lula vencerá o segundo turno. Se isso acontecer, e Lula voltar como o último presidente do Brasil, o que Israel fará sem seu melhor amigo? O que a perda de Bolsonaro significa para o estado de ocupação?

Desde o início de sua presidência, Bolsonaro era visto por Israel como um novo aliado. “Eu o parabenizei por sua vitória”, tuitou Netanyahu com entusiasmo. Algumas semanas depois, o líder israelense voou para o Brasil para participar da posse de Bolsonaro. As promessas de transferir a Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém tinham como objetivo permitir que Bolsonaro se aproximasse dos EUA e de Israel. Ele visitou o estado de ocupação em março de 2019 e esperava-se que anunciasse a mudança da embaixada enquanto estivesse lá. Em vez disso, anunciou que o Brasil abriria um escritório comercial em Jerusalém.

Desde então, ele levantou muitos slogans sem perceber a impossibilidade de cumpri-los devido à relação histórica do Brasil com o povo palestino e sua causa legítima. Bolsonaro enfrentou oposição a seus planos pró-Israel de muitas figuras políticas no Brasil, até mesmo de suas almas gêmeas políticas na extrema direita. Além disso, ele não podia ignorar os principais parceiros comerciais árabes. Os US$ 24,3 bilhões por ano em exportações para os países árabes demonstram que o que o Brasil ganha com os países árabes excede em muito os benefícios que poderia obter de Israel.

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De acordo com o especialista em assuntos israelenses Adnan Abu Amer, o Brasil tem dimensões políticas e geográficas que o tornaram atraente para os israelenses. Como resultado, o estado de ocupação tem feito esforços conjuntos para fortalecer suas relações ao longo do tempo de Bolsonaro no cargo.

“Não há dúvida de que Bolsonaro e Netanyahu trabalharam juntos para unificar suas políticas nos campos político, militar e econômico, o que resultou em benefícios sem precedentes para Israel”, explicou Abu Amer. “Durante a era Bolsonaro, o Brasil se tornou um defensor público aberto da ocupação em uma transgressão notável da tradicional política brasileira de apoiar a causa palestina”. Israel não pode esconder seu medo sobre o retorno da esquerda na América Latina, acrescentou. “Este é um grande revés para o governo de Israel em termos de sua política externa em todo o continente, particularmente no Brasil.”

Em meio ao colapso do setor de saúde do Brasil devido à Covid-19 no ano passado, o ex-governador de São Paulo, João Doria, realizou um leilão para adquirir armas de Israel ao custo de R$ 2 milhões. Enquanto faltavam tubos de oxigênio para salvar milhares de vidas, ele comprava armas israelenses.

Sob Bolsonaro, o Brasil abriu negociações com Israel para adquirir e trocar tecnologias científicas e de defesa. Seis acordos foram assinados para tecnologia de defesa, como mísseis, radares e câmeras de vigilância de alta tecnologia, que podem ajudar a modernizar as agências militares e policiais do Brasil. Globalmente, o Brasil é um dos maiores compradores de tecnologias de guerra israelenses, com aquisições de armas feitas por meio de empresas privadas em acordos fechados.

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“Quando eu era Ministro da Defesa, eu sempre disse ao nosso pessoal nas forças armadas que eles deveriam ter cuidado”, disse o ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim em uma entrevista anterior ao MEMO. “Não sou contra Israel em si, mas o problema é que podemos enfrentar restrições por conta das nossas posições em relação à Palestina.”  No que diz respeito à preocupação de Amorim, há uma dependência excessiva do governo brasileiro da tecnologia militar israelense, principalmente as usadas em aeronaves, satélites e drones, por exemplo.

A relação de Bolsonaro com Israel não é uma coisa do momento; é muito profunda. Enquanto o Senado brasileiro estava preocupado com a votação do impeachment contra a presidenta de esquerda Dilma Rousseff em 12 de maio de 2016, o então deputado federal Bolsonaro,  durante uma viagem a Israel,  expressou sua satisfação com a situação dela. “Do Mar da Galiléia Israel, Bolsonaro parabeniza todos os brasileiros que lutaram por este momento”, disse. Ele claramente se sentia em casa no estado de ocupação.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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