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A intrincada luta pela África: o legado da União Soviética versus o colonialismo ocidental

Ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov (dir.) encontra o Ministro das Relações Exteriores da Etiópia Demeke Mekonnen (esq.) na Embaixada da Rússia em Adis Abeba, Etiópia, em 27 de julho de 2022. [Minasse Wondimu Hailu /Agência Anadolu]
Ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov (dir.) encontra o Ministro das Relações Exteriores da Etiópia Demeke Mekonnen (esq.) na Embaixada da Rússia em Adis Abeba, Etiópia, em 27 de julho de 2022. [Minasse Wondimu Hailu /Agência Anadolu]

A recente viagem do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, à África pretendia ser um divisor de águas, não apenas em termos das relações da Rússia com o continente, mas na luta pelo poder global envolvendo os EUA, Europa, China, Índia, Turquia e outros.

Muitas reportagens e análises da mídia colocaram a visita de Lavrov ao Egito, República do Congo, Uganda e Etiópia dentro do contexto político óbvio da guerra Rússia-Ucrânia. Jason Burka, do site britânico The Guardian, resumiu a visita de Lavrov nestas palavras: “Lavrov está tentando convencer os líderes africanos e, em menor grau, as pessoas comuns de que Moscou não pode ser culpada nem pelo conflito nem pela crise alimentar”.

Embora seja verdade, há mais em jogo.

A importância da África para o cabo de guerra geoestratégico não é um fenômeno novo. Governos ocidentais, grupos de reflexão e reportagens da mídia têm, por muito tempo, dedicado muita atenção à África devido aos sucessos da China e da Rússia em alterar o mapa da política externa de muitos países africanos. Durante anos, o Ocidente vem tentando recuperar o atraso, mas com sucesso limitado.

A revista inglesa The Economist discutiu ‘a nova corrida pela África’ em um artigo de maio de 2019, que relatou sobre “governos e empresas de todo o mundo” que estão “correndo” para o continente em busca de “vastas oportunidades” que lá aguardam. Entre 2010 e 2016, 320 embaixadas estrangeiras foram abertas na África, o que, segundo a revista, é “provavelmente o maior boom de construção de embaixadas de todos os tempos”.

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Embora a China tenha sido frequentemente retratada como um país que busca apenas oportunidades econômicas, a natureza e a evolução das relações de Pequim com a África provam o contrário. Pequim é supostamente o maior fornecedor de armas para a África Subsaariana, e sua tecnologia de defesa permeia quase todo o continente. Em 2017, a China estabeleceu sua primeira base militar em Djibuti, no Chifre da África.

A influência militar da Rússia na África também está crescendo exponencialmente, e o poder de Moscou está desafiando o da França, EUA e outros em vários espaços estratégicos, principalmente nas regiões da África Oriental.

Mas, ao contrário dos EUA e de outros estados ocidentais, países como China, Rússia e Índia têm sido cautelosos ao tentar encontrar o equilíbrio perfeito entre engajamento militar, desenvolvimento econômico e linguagem política.

O ‘Quartz Africa’ informou que o comércio entre a África e a China “atingiu um recorde” em 2021. O salto foi enorme: 35% entre 2020 e 2021, atingindo um total de US$ 254 bilhões.

Agora que as restrições do Covid-19 foram amplamente suspensas, o comércio entre a África e a China provavelmente atingirá níveis astronômicos nos próximos anos. Tendo em mente a recessão econômica e a possível recessão no Ocidente, é improvável que a expansão econômica de Pequim desacelere, apesar da óbvia frustração de Washington, Londres e Bruxelas. Deve ser dito que a China já é o maior parceiro comercial da África, e de longe.

Os fortes laços Rússia-China-África estão rendendo dividendos no cenário internacional. Quase metade das abstenções na votação da Resolução das Nações Unidas ES-11/1 em 2 de março, condenando a ação militar da Rússia na Ucrânia, veio apenas da África. A Eritreia votou contra. Isso atesta a capacidade da Rússia de promover novas alianças no continente. Também demonstra a influência da China – o principal aliado da Rússia na atual disputa geopolítica – também.

No entanto, há mais na posição da África do que mero interesse em equipamento militar e expansão do comércio. A história é mais crítica.

Na primeira “corrida pela África”, a Europa cortou e dividiu o continente em colônias e áreas de influência. A exploração e brutalização que se seguiram continuam sendo um dos capítulos mais sórdidos da história humana moderna.

O que a Economist chama de “segunda corrida pela África” ​​durante a Guerra Fria foi a tentativa da União Soviética de demolir os paradigmas coloniais e neocoloniais existentes estabelecidos pelos países ocidentais ao longo dos séculos.

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O colapso da União Soviética há mais de três décadas mudou essa dinâmica, resultando em um inevitável recuo russo e no retorno ao domínio ocidental incontestável. Esse status quo não durou muito, no entanto, quando a China e, eventualmente, Rússia, Índia, Turquia, países árabes e outros começaram a desafiar a supremacia ocidental.

Lavrov e seus colegas africanos entendem perfeitamente esse contexto. Embora a Rússia não seja mais um estado comunista, Lavrov fez referência à era soviética, portanto, o relacionamento único que Moscou tem com a África, em seus discursos. Por exemplo, antes de sua visita ao Congo, Lavrov disse em uma entrevista que a Rússia tinha “boas relações de longa data com a África desde os dias da União Soviética”.

Tal linguagem não pode ser simplesmente designada como oportunista ou meramente compelida pela urgência política. Faz parte de um discurso complexo e superestrutura enraizada, indicando que Moscou – junto com Pequim – está se preparando para um confronto geopolítico de longo prazo na África.

Considerando o angustiante passado colonial do Ocidente e a associação histórica da Rússia com vários movimentos de libertação no continente, muitos estados africanos, intelectuais e pessoas comuns estão ansiosos para se libertar das garras da hegemonia ocidental.

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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