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Petro e Francia enfrentam neste domingo de eleições o ódio da direita armada na Colômbia

Gustavo Petro e Francia Márquez, do Pacto Histórico, em campanha eleitoral pelo governo da Colômbia [Campanha eleitoral via Vermelho]
Gustavo Petro e Francia Márquez, do Pacto Histórico, em campanha eleitoral pelo governo da Colômbia [Campanha eleitoral via Vermelho]

As eleições na Colômbia, neste domingo, em que as pesquisas apontam preferência pela chapa de Gustavo Petro e Francia Márquez, do Pacto Histórico,  poderão redefinir o mapa político na América Latina. Isso, não apenas por ser mais um país da região com grandes chances de vitória de uma chapa de esquerda. Mas por tratar-se da Colômbia, que abriu as portas para a militarização da região andina pelos Estados Unidos, em nome do combate ao narcotráfico, e que tem uma história de acolhida de agentes externos, especialmente israelenses, para treinamentos associados aos crimes de Estado arquitetados para eliminar a oposição. Nas duas décadas passadas, a Colômbia não teve o mesmo histórico de viradas democráticas seguidas de golpes  na vizinhança latino-americana. Mas ao final delas, viu sua juventude rebelar-se sem recuo diante da repressão brutal.

Na primeira década do milênio, com a eleição de governos democrático-populares na América Latina, esperava-se que os anos seguintes fossem de aprofundamento das transformações sociais, com reformas radicais no modelo econômico, fundiário, de justiça e de avanço das democracias sobre as dominações coloniais, patriarcais, raciais e religiosas.

Mas a segunda década foi de revanche e reacomodação das forças de direita e extrema-direita, a serviço dos interesses externos, culminando com a eleição de Iván Duque, na Colômbia, e Jair Bolsonaro, no Brasil. Mas foi também um período de revoltas e retomada das ruas por movimentos populares, principalmente liderados pela juventude, as mulheres, os movimentos negros e indígenas em vários países, com novas possibilidades de mudança.

A Colômbia foi um caso à parte.  Depositária dos velhos interesses norte-americanos, aprofundados com o Plan Colombia de militarização da região, não houve nos anos 2000 qualquer giro no país que acompanhasse as tendências populares verificadas na Bolívia, com a eleição de Evo Morales, na Venezuela – com a derrota de uma tentativa de golpe contra Hugo Chávez -, e a eleição e reeleição de Lula no Brasil. Já na segunda década, marcada pela resistência aos  golpes e às chamadas guerras híbridas que recolocaram a direita no comando de vários governos, a Colômbia estava às voltas com o chamado acordo de paz com as FARC de 2016 e  também às criticas pelo seu descumprimento nos anos seguintes, com mais de mil  líderes do campo e da cidade assassinados, incluindo  227 ex-guerrilheiros que já haviam deixado armas. Só em 2020, no governo de Iván Duque, mais de 60 massacres foram registrados.

Os protestos da virada da década, até 2021 foram sustentados pela juventude com uma intensidade inédita no país. Mas a sua repressão foi das mais violentas na América Latina. Lembrando os tempos da ditadura Argentina, mães saíram de casa para ocupar o lugar de filhos mortos ou desaparecidos nos protestos.

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As manifestações populares ficaram marcadas com muito sangue e resiliência na memória colombiana. Foi um fator para que  forças de orientação política distintas dentro da oposição  se reunissem no Pacto Histórico que consolidou as candidaturas de Gustavo Petro, para a Presidência, e Francia Márquez, para vice, disputando neste domingo as eleições nacionais.

Nascido em Córdoba, na costa caribenha, em 1960, Petro militou ainda jovem no M-19, grupo guerrilheiro urbano M-19, fundado em protesto contra o suposto roubo das eleições de 1970, vencidas pelo candidato conservador Misael Pastrana. Foi preso, torturado, exilado. Voltou à Colômbia, elegeu-se parlamentar, prefeito de Bogotá e por fim senador.

Caso eleito presidente, o ex-guerrilheiro será também o chefe das Forças Armadas da Colômbia. A possibilidade tem deixado os militares ariscos. Em abril, comentando o assassinato de seis soldados pelo grupo narcotraficante Clan del Golfo, Petro irritou o chefe do Exército, Eduardo Zapatero, ao mencionar vínculos ilícitos com o crime.

“Enquanto os soldados estão sendo mortos pelo clã do Golfo, alguns dos generais estão na folha de pagamento do clã. A liderança se corrompe quando são os políticos do narcotráfico que acabam sendo promovidos a generais”, disse o candidato do Pacto Histórico. Minutos depois recebeu uma resposta de Zapateiro, afirmando que “todos os membros do Exército ficam feridos com a morte de qualquer soldado” e que Petro estaria fazendo campanha em cima do caso.  As reações vieram e o general corre o risco de aposentadoria compulsória, por ter violado regra militar, que o impede de manifestar-se politicamente.

As ameaças à Francia Márquez incluem vários outros elementos: a misoginia, o racismo, além dos interesses do crime organizado. A candidata representa segmentos que nunca participaram da lógica de poder na Colômbia, a população afrocolombiana e particularmente as mulheres negras e pobres. Com elas, Márquez enfrentou interesses poderosos.

Nascida na região de Cauca, no Oeste da Colômbia, a advogada, feminista e ambientalista tornou-se conhecida ao denunciar a mineração ilegal de ouro, no rio Ovejas e afetando seu ecossistema e mais de 250 mil pessoas de sua comunidade. Em 2018, chamou a atenção internacional ao convocar e caminhar por 10 dias e cerca de 350 quilômetros com 80 mulheres de sua região até Bogotá para denunciar o crime ambiental.

Em março deste ano,  Márquez teve seu nome citado em dois planfletos do grupo paramilitar Aguias Negras,que a ameaça de morte e também a outros  militantes de direitos humanos: “todo aquele que intervenha nos seus propósitos será erradicado do mapa”.  O grupo diz no panfleto conhecer bem a rota de seus alvos.

No último sábado, Francia Márquez precisou ser retirada às pressas, do comício que realizava pelo dia da afrocolombianidade no Parque dos Jornalistas, Gabriel Garcia Márquez, no centro de Bogotá, quando um laser mirou em sua direção a partir de um prédio. Os seguranças a cercaram e a retiraram do local.

A eleição na Colômbia é acompanhada com interesse internacional. A ativista americana Angela Davis gravou depoimento em seu apoio afirmando que “Francia Márquez tem estado na linha de frente da luta ambiental, as lutas contra o racismo e a misoginia, e nas lutas contra a pobreza”, chamando-a de irmã e amiga.

Um vídeo com mensagem de apoio da ex-presidenta brasileira Dilma Rousseff também foi exibido no dia da afrocolombianidade, assim como mensagens do ex-presidente e atual candidato Lula pedem o voto na chapa Petro e Francia.

No topo das preferências apuradas pelas pesquisas eleitorais, a dupla do Pacto Histórico ainda tem pela frente a possibilidade de um segundo turno com adversário incerto e as relações internacionais podem pesar na disputa.

A Colômbia é desde 2017 o único parceiro global-latino-americano da OTAN. E em abril passado, o presidente dos Estados Unidos, Joe Bioden,  designou a Colômbia como um aliado estratégico fora da OTAN. Gustavo Petro sempre olhou com reservas os afagos interesseiros, chegando a declarar em 2013: “A OTAN significa Aliança do Atlântico Norte. Somos do Caribe e do Pacífico e muito, muito latino-americanos.”

As relações com Israel também sofrem ressalvas do candidato. De acordo com declarações do  presidente Ivan Duque, em 2019,  “Israel sabe que a Colômbia é seu aliado número um na América Latina, e nossas capacidades de inteligência foram construídas ao longo do tempo, dedicadas a identificar o terrorismo, incluindo o Hezbollah, na América Latina”.

Em um post, em 2021, Gustavo Petro cobrou: “De Israel vieram Klein e Eitan, aquele para preparar os paramilitares e o segundo para iniciar o genocídio da União Patriótica. Israel deveria explicar ao povo colombiano a interferência de seus agentes. Juntos devemos ir atrás dos novos nazistas desencadeados”.

Petro se referia a um dos espiões mais condecorados da história de Israel, Rafael  ‘Rafi’ Eitan, e ao mercenário israelense  chamado Yair Klein que atuaram na Colômbia no combate às lideranças saídas das FARC, dizimadas. Uma Reportagem de Dan Cohen trata do genocídio político arquitetado de modo a eliminar lideranças de esquerda por toda Colômbia.  Foram necessários quase 40 anos para a oposição vislumbrar a chance de governar o país.

LEIA: Revelações sobre o papel de agentes israelenses no genocídio político na Colômbia

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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