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Após denunciar abuso sexual, mexicana é condenada por “adultério” no Catar e agressor é inocentado

Paola Schietekat Sedas [Reprodução/Twitter/paola7kat]

A mexicana Paola Schietekat Sedas, de 27 anos, trabalhava como economista comportamental para o Comitê Supremo de Entrega e Legado, responsável pela organização da Copa do Mundo de 2022 no Catar, quando sofreu abuso sexual. Entretanto, após a denúncia, o agressor foi absolvido e a vítima foi condenada a sete anos de prisão e cem chicotadas por ter tido um “caso extraconjugal” com o homem que a estuprou.

Segundo o Diario de Cuyo, a sentença apenas não se concretizou porque a jovem conseguiu sair de Doha e voltar ao México. Após um encontro da economista Sedas com Marcelo Ebrard, ministro de Relações Exteriores do México, na última sexta-feira (19), o governo do México anunciou que irá assumir a defesa e representação legal de Sedas. Uma audiência sobre o caso está marcada para 6 de março e ela tentará anular a sentença imposta para retornar ao Catar e recuperar seu emprego dos sonhos.

A agressão aconteceu em 6 de junho de 2021, e foi divulgada por Schietekat Sedas em um artigo intitulado “Um mundo que parece odiar as mulheres”, publicado no site do jornalista Julio Astillero, onde ela dá detalhes sobre a violência sofrida no Catar.

“Naquela noite, um conhecido, que eu considerava um amigo, da comunidade latina em Doha, invadiu meu apartamento à noite, enquanto eu dormia. Devo ressaltar que, em Doha, sendo uma das cidades mais seguras do mundo, muitas pessoas deixam sua porta destrancada e confiam na segurança do edifício”, contou ela. “Depois de uma breve luta, como sua força estava além da minha, acabei no chão. Horas depois, eu tinha hematomas em todo o meu braço esquerdo, ombro e costas. Mantive a cabeça fria: disse à minha mãe, a uma colega de trabalho e documentei tudo com fotos, para que minha memória, numa tentativa de autoproteção, não minimizasse os eventos ou apagasse completamente partes deles”.

Com um atestado médico comprovando a agressão, ela foi à polícia com o cônsul mexicano no Catar, Luis Ancona. Mais tarde, às nove da noite, ela foi chamada de volta à delegacia sozinha e colocada frente ao seu agressor.

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“Foram três horas de interrogatório em árabe, e em certo ponto exigiram um teste de virgindade. Por alguma razão eu tinha me tornado a acusada. Quando perguntei por que exigiam que eu lhes desse meu telefone celular, eles me asseguraram que não havia nenhuma acusação contra mim, que só queriam verificar se não havia nenhuma relação romântica entre nós, pois o agressor se defendeu contra a acusação dizendo que eu era sua namorada”, ela conta. No Catar, manter  relações extraconjugais é crime punível com até cem chibatadas e sete anos de prisão.

“De repente, minha queixa não importava mais. A polícia encaminhou o caso ao Ministério Público, o único lugar onde eu tinha um tradutor. Tudo centrado em torno do caso extraconjugal, enquanto sob minha abaya, o manto que me aconselharam a usar para parecer uma ‘mulher de boa moral’, as marcas permaneciam, roxas, quase pretas. Meu advogado mal falou. No final, tive que entregar meu telefone, destrancado, às autoridades, se não quisesse ir para a cadeia.”

Ela conseguiu deixar o país em 25 de junho com a ajuda do Comitê Organizador da Copa do Mundo e da Human Rights Watch. No México, ela afirma que as autoridades não lhe deram nenhum apoio até a divulgação do artigo.

“O caso foi encaminhado ao tribunal criminal, e quando finalmente recebi o processo, que obviamente omitiu todas as irregularidades cometidas pelas autoridades do Catar, minhas mãos congelaram e tremeram ao ver que meu agressor foi absolvido da acusação de agressão porque, apesar do relatório médico, ‘não havia câmeras apontando diretamente para a porta, então não havia como provar que a agressão aconteceu’”, escreveu. “Mas as acusações de ter um relacionamento fora do casamento ainda se mantinham, impedindo-me de voltar ao Catar e forçando-me a pagar ainda mais pela representação legal. A solução dada a mim por meu advogado e pelo representante legal do meu agressor foi relativamente simples: casar com ele. Para encerrar o caso que o Estado do Catar havia aberto contra mim, tudo o que eu tinha que fazer era casar com meu agressor”.

A jovem criticou a pouca preparação da embaixada mexicana em seu caso, falhando em fornecer um tradutor árabe desde o início e dando conselhos sem conhecimento das leis do país, e afirmou que agora evitará dar mais detalhes sobre o processo. Atualmente, ela está na casa de sua família na Cidade do México.

Segundo O Globo, em 14 de fevereiro, ela foi chamada para uma segunda audiência em um tribunal criminal de Doha, mas nem seu advogado particular nem qualquer representante consular mexicano compareceram. Em 16 de fevereiro, o Ministério das Relações Exteriores do México publicou um comunicado afirmando ter prestado o apoio necessário à mexicana, afirmando que não ofereceram um tradutor, porque Paola “fala árabe fluentemente”, algo que ela negou.

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Após o encontro com Paola, na última sexta-feira (18), o ministério mexicano das Relações Exteriores delegou seu consultor jurídico para defendê-la.

“A Consultora Jurídica da Secretaria de Relações Exteriores, nossa melhor advogada, se encarregará de defendê-la e garantir que todos os seus direitos como cidadã mexicana sejam respeitados. Reconheci sua coragem e determinação”, escreveu o ministro no Twitter.

“O que foi alcançado hoje é importante não só para a resolução do meu caso, mas também para o fortalecimento da Secretaria de Relações Exteriores do México e de todas as nossas instituições. Empurrar quando a pressão é necessária é fundamental para o funcionamento da democracia”, escreveu Sedas em suas redes sociais.

 

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