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Visita de premiê israelense ao Bahrein é uma afronta à memória do levante

Primeiro-Ministro de Israel Naftali Bennett discursa durante visita a Manama, capital do Bahrein, 15 de fevereiro de 2022 [GUILLAUME LAVALLEE/AFP via Getty Images]

A primeira visita de um premiê israelense ao Bahrein representou um momento histórico e o ápice da normalização das relações entre ambos os países, até então, sob acordo promovido pelos Estados Unidos que também incluiu os Emirados Árabes Unidos, Marrocos e Sudão.

Durante as 24 horas nas quais visitou a capital Manama, o primeiro-ministro Naftali Bennett foi recebido pelo chanceler barenita Abdullatif bin Rashid al-Zayani, além do Ministro de Indústria, Comércio e Turismo, Zayed Rashid al-Zayani, antes de encontrar-se com seu homólogo árabe e príncipe herdeiro, Salman bin Hamad al-Khalifa, junto de seu pai, o Rei Hamad.

Segundo o gabinete de Bennett, o encontro deve focar no fortalecimento dos laços bilaterais, uma semana após Tel Aviv despachar um agente naval a um posto oficial na pequena monarquia do Golfo, que abriga a 5ª Frota da Marinha dos Estados Unidos. A medida tornará o Bahrein o primeiro estado árabe a receber abertamente um dignitário do exército israelense. Além disso, sucede um novo acordo de cooperação de segurança, assinado neste mês, durante cerimônia na qual o Ministro da Defesa de Israel, Benny Gantz, descreveu a parceria com o regime árabe como “robusta” e mais importante do que nunca.

A aproximação também ocorreu em meio a apreensões mútuas sobre o Irã e suas ambições atômicas, conforme a insistência de Washington em restaurar o acordo nuclear de 2015, o qual preferiu abandonar sob a gestão anterior de Donald Trump. Em entrevista ao jornal barenita Al-Ayam, Bennett reiterou que ambos os países enfrentam “grandes desafios de segurança”, devido às ações da república islâmica, ao acusá-la então de desestabilizar toda a região.

“Não permitiremos isso”, enfatizou o premiê, notório por sua postura beligerante de extrema-direita. “Combateremos o Irã e seus comparsas na região dia e noite e ajudaremos nossos amigos ao promover a paz, a segurança e a estabilidade, sempre que requisitados”.

Embora a visita de Bennett em 14 de fevereiro realmente não tenha precedentes na história do Bahrein, o momento na qual ocorreu também chama atenção, dado que sua chegada coincidiu com o 11° aniversário do Levante Barenita, esmagado por uma intervenção militar liderada pela Arábia Saudita. A viagem pode ter o intuito de aproximar os países, mas também demonstra um grave insulto à revolução frustrada de uma década atrás. O levante não obteve êxito em evoluir a mudanças substanciais, mas o sentimento permanece entrincheirado entre a maioria árabe xiita, comunidades étnicas bahrani e cidadãos de origem persa, governados desde o século XVIII pela dinastia sunita Al-Khalifa, por sua vez, oriunda da região saudita de Najd.

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Israel, que possui seu histórico próprio e bastante documentado de opressão contra a população nativa, isto é, o povo palestino, deverá obter consenso neste assunto com seu novo aliado, para além dos interesses de segurança referentes a Teerã. Segundo um recente artigo de opinião, ironicamente publicado pela “Fundação para Defesa das Democracias”, este último marco reflete um alinhamento da monarquia do Golfo com Israel, como contraponto a uma “submissão” ao Irã. Ainda assim, embora haja menção de reivindicações iranianas sobre a soberania do Bahrein — além do apoio ao governo houthi no Iêmen, que escalou ataques retaliatórios ao território vizinho dos Emirados Árabes Unidos —, não há qualquer referência ao aniversário dos protestos pacíficos por democracia, suas causas ou mesmo a conjuntura atual.

A visita de Bennett foi rejeitada pela maioria xiita e condenada pelo principal partido de oposição, al-Wefaq, criminalizado pela coroa barenita. Apesar de uma ameaça perene de brutalidade e repressão pelas autoridades, protestos foram convocados em diversas aldeias xiitas contra a presença do líder sionista, em solidariedade aos palestinos. Segundo informações, Hossein al-Dihi, vice-secretário-geral do al-Wefaq, comentou: “Nós, o povo do Bahrein, continuaremos a defender a causa palestina e não aceitaremos qualquer normalização com o regime ocupante”.

Comícios também foram organizados para marcar o aniversário do levante, como ocorre ano após ano desde 2011, além de uma campanha online por conscientização. Neste entremeio, o aiatolá Isa Qassim, clérigo e dissidente barenita, exilado em solo iraniano, reafirmou seus apelos por uma insurreição popular e pela instauração de um sistema constitucional de democracia representativa, em lugar da dinastia al-Khalifa. Em 2017, o Rei Hamad finalmente ratificou a constituição de 2002, medida criticada pela Anistia Internacional como forma de abrir caminho para julgar civis em cortes militares, descrita como “desastre” para a justiça no país.

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Durante sua viagem, Bennett também se reuniu com membros da pequena comunidade judaica no estado do Golfo, na única sinagoga do país, recentemente reformada. Supostos avanços na tolerância religiosa no Bahrein incluem obras para a maior igreja católica na Península Árabe e para um templo hindu, o segundo a ser estabelecido na região, após medidas semelhantes dos Emirados Árabes Unidos. Contudo, tamanha tolerância parece não chegar ainda à maioria xiita no país, que testemunhou casos de vandalismo contra 53 mesquitas e a destruição completa de outros 23 santuários islâmicos durante o levante, de modo que as autoridades se recusaram a reconstruí-las, apesar de promessas para fazê-lo.

A decisão do Bahrein de opor-se a Teerã e juntar-se a uma coalizão sionista de estados árabes não somente reafirma uma ideia de suposta polarização entre forças regionais, mas também demonstra falta de tato da coroa sobre seus súditos, que condenam a normalização entre seu governo e a ocupação israelense, mas também rejeitam as políticas injustas e discriminatórias que sucederam seu “Levante Esquecido”, em meio à ilustre Primavera Árabe.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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