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Coerente é ser antissionista e repudiar o antissemitismo

Manifestantes participam de protestos em frente a uma reunião do Executivo Nacional do Partido Trabalhista Britânico, em 4 de setembro de 2018, em Londres, Inglaterra. [Dan Kitwood/Getty Images]
Manifestantes participam de protestos em frente a uma reunião do Executivo Nacional do Partido Trabalhista Britânico, em 4 de setembro de 2018, em Londres, Inglaterra. [Dan Kitwood/Getty Images]

Ao repúdio veemente às falas repugnantes do apresentador Bruno Aiub (Monark), durante a edição do Flow Podcast, no último dia 7 de fevereiro, e do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) no mesmo programa, bem como ao gesto abominável que repetia saudação nazista feito pelo comentarista da Jovem Pan, Adrilles Jorge, é preciso somar outro rechaço, igualmente sem titubeios: a chantagem do Estado de apartheid de Israel de colocar um sinal de igual entre antissionismo e antissemitismo.

Monark e Kataguiri propagaram que o nazismo não deveria ser tratado como crime e que, como afirmou o primeiro, tudo bem ser antijudeu. Não está nada bem defender opressão, racismo e discriminação. Não está, portanto, nada bem ser antissemita. Não se pode naturalizar preconceitos. Ao comentar sobre esse caso inaceitável, Adrilles fez ao final o gesto criminoso. Diferentemente de bolsonaristas que pedem cassação do deputado Kataguiri, mas defendem a recontratação do comentarista da Jovem Pan – justamente demitido –, não se pode ter dois pesos e duas medidas em relação à apologia a crimes contra a humanidade: é fundamental a condenação em todos os casos.

Igualmente, para ser coerente com a defesa de direitos humanos, contra a opressão e exploração em qualquer parte do mundo, é preciso seguir denunciando o apartheid a que estão submetidos os palestinos há décadas, reconhecido pelas organizações israelense Bet´Selem, bem como internacionais Human Rights Watch e agora Anistia Internacional, um crime contra a humanidade. Associar antissionismo a antissemitismo é a principal propaganda israelense para silenciar as legítimas críticas a um estado construído às custas de limpeza étnica deliberada, como reconhecem inclusive os chamados novos historiadores israelenses do porte de Ilan Pappé, para consolidar um projeto de colonização da Palestina que segue a todo vapor na contínua Nakba (catástrofe com a formação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948).

A mentira de associar a condenação justa a um projeto político colonial – o sionismo – com antissemitismo (discriminação contra semitas, inclusive judeus) foi o recurso usado por Kim Kataguiri em seu ridículo pedido de desculpas, tentando justificar o injustificável. Em vídeo nas suas redes sociais, ele saiu com a máxima de que não poderia ser antissemita porque “não tem ninguém mais pró-Israel dentro do Parlamento do que eu”, para emendar dizendo que considera “até engraçado pessoas anti-Israel me chamando agora de antissemita, de nazista”. Mais uma vez: não é engraçado, é coerente.

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Boicote ao apartheid x hipocrisia 

Na Nakba contínua, como denuncia Anistia Internacional, o regime é de apartheid, em “um sistema cruel de dominação e opressão que Israel inflige ao povo palestino, seja habitante de Israel ou dos territórios ocupados ou mesmo refugiados deslocados em outros países”. Um crime contra a humanidade, em que os palestinos vêm há décadas sendo tratados, segundo aponta também a Anistia Internacional, como “uma raça inferior”. A Bet´Selem descreve: “Toda a área que Israel controla entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo é governada por um único regime que trabalha para avançar e perpetuar a supremacia de um grupo sobre outro. Por meio da engenharia geográfica, demográfica e física do espaço, o regime permite que os judeus vivam em uma área contígua com plenos direitos, incluindo a autodeterminação, enquanto os palestinos vivem em unidades separadas e desfrutam de menos direitos. Isso se qualifica como um regime de apartheid, embora Israel seja comumente visto como uma democracia que mantém uma ocupação temporária.”

Nessa situação, descrita com detalhes no relatório tanto da Anistia Internacional como da Human Rights Watch e da Bet´Selem, os palestinos existem porque resistem heroicamente. E hoje a campanha central de solidariedade internacional é o BDS (boicote, desinvestimento e sanções), baseado no modelo da campanha de boicote que ajudou a pôr fim ao apartheid na África do Sul nos anos 1990, o qual traz as demandas fundamentais do povo palestino: fim da ocupação, direitos civis iguais e retorno dos refugiados as suas terras.

Sionistas, inclusive os que se afirmam “de esquerda” – o que é uma esquizofrenia, uma vez que defendem um projeto colonial enquanto usam retórica suave, contra as opressões –, têm se voltado contra o BDS. Também rechaçam os relatórios que demonstram que os palestinos estão submetidos a um regime de apartheid. As organizações são taxadas de antissemitas por Israel, como todos e todas aqueles que se levantam contra esse Estado racista.

Chama a atenção que, diante da atrocidade de defender a descriminalização do nazismo feita por Monark e Kataguiri, organizações sionistas tenham declarado que o programa deve ser boicotado, pedindo e alcançando a suspensão de patrocínios. “Ideologias que visam a eliminação de outros têm que ser proibidas. Racismo e perseguições a quaisquer identidades não são liberdade de expressão, afirmou o coletivo sionista Judeus pela Democracia em seu Twitter.

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A ideia é correta. Apologia ao nazismo deve ser rechaçada com todas as forças, sob todos os meios. Não obstante, causa indignação a hipocrisia, já que BDS não pode, é criminalizado e desqualificado. Não se pode denunciar o apartheid. Vidas palestinas, para estes, não importam, mesmo que digam o contrário.

O sionismo é fundado na eliminação do outro – via limpeza étnica, massacres, desumanização contínuos.  Ilan Pappé, em seu livro “A limpeza étnica da Palestina” (Editora Sundermann, 2016), não deixa dúvidas: “para muitos sionistas, a Palestina nem sequer era um lugar ‘ocupado’ quando começaram a transladar-se para lá em 1882, senão uma terra ‘vazia’: os palestinos nativos que viviam no lugar eram, em grande medida, invisíveis ou, caso contrário, uma dificuldade natural que haviam de conquistar e eliminar.”

Aderir à campanha de boicote ao apartheid israelense  é não ter dois pesos e duas medidas em relação à luta contra qualquer tipo de racismo e por justiça. Ser antissionista, nunca é demais reiterar, é ser coerente com a luta contra a opressão e exploração em todo o mundo, inclusive com o rechaço veemente ao antissemitismo e à apologia ao nazismo.

Confira os relatórios (em inglês):

Anistia Internacional

Human Rights Watch

Bet´Selem

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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